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Arrastão: Os suspeitos do costume.

A economia regressa ao futuro

João Rodrigues, 13.09.10


As férias dos especuladores, dos que vivem da compra e venda de activos financeiros, tendo como fito o aproveitamento da variação dos preços e a expropriação financeira dos mais fracos, também acabaram. Portugal regressa ao turbilhão dos mercados da dívida pública: os juros da dívida pública portuguesa atingiram o valor mais elevado desde a irresponsável instituição de um euro sem governo económico e sem um banco central digno desse nome.

Na convenção PIGS que se formou nos mercados financeiros internacionais, o i de Irlanda, antes tão incensado pelos economistas neoliberais devido às suas políticas de austeridade, é agora, a par do g de Grécia, o contagioso elo mais fraco. Ao contrário do que diz a fraude económica, as políticas de austeridade, com cortes na despesa e aumentos regressivos de impostos, acrescentam crise à crise da procura, a origem do desemprego de massas, e alimentam todas as profecias auto-realizadoras dos especuladores.

A zona euro não tinha de se esfarelar assim. Atentem no Japão: um país com uma dívida pública sem precedentes, que representa 227% do seu PIB, consequência da oscilação, que dura há mais de uma década, entre recessão e estagnação, depois do rebentamento de uma bolha imobiliária causada pela liberalização do sistema financeiro. Apesar dessa dívida, o Japão não tem problemas de financiamento, porque tem um banco central que faz o que é tão necessário como escandalosamente simples: detém metade da dívida pública do país, imprimindo moeda para a adquirir e devolvendo os juros ao governo. Os países verdadeiramente soberanos podem fazer coisas semelhantes: do Canadá ao Reino Unido, passando pelos EUA.

O horror da inflação! Já ouço os gritos dos economistas que vivem numa bolha académica feita de agentes omniscientes e de mercados auto-regulados. Onde está a inflação no Japão? Onde? Na Europa ou no Japão, aliás, o problema é a deflação e os seus efeitos perversos: aumento do fardo real da dívida e destruição da capacidade produtiva. As transferências financeiras para os Estados europeus com problemas, por outro lado, são escandalosamente pequenas para uma região que partilha a mesma moeda. A tragédia da zona euro é que, graças aos tratados bizarros, inspirados nos ainda mais bizarros modelos económicos, o BCE só pode salvar o euro se agir na linha do teórico protofascista alemão Carl Schmitt: soberano é aquele que define a excepção à regra.

Sem poderem imprimir moeda e sem o mecanismo de desvalorização cambial, numa União que parece um FMI na América Latina, resta às periferias europeias usarem uma das armas dos fracos, como é defendido num novo relatório do Research on Money and Finance: renegociarem a sua dívida, partilhando os custos do ajustamento com os bancos dos países centrais. Para resultar, este processo tem de ser organizado por iniciativa dos devedores. Caso contrário, vão ser os credores a ditar as regras do jogo. Preparemo-nos: a luta política é a única variável económica que pode alterar as coisas.

Crónica i

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