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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Austeridade sem fim?

João Rodrigues, 05.11.10


Como o Ricardo Paes Mamede já defendeu, existe a percepção de risco acrescido da dívida soberana, no seguimento das intenções europeias, formuladas sob pressão do eixo franco-alemão, de rever o Tratado de Lisboa para instituir um mecanismo - um fundo permanente de gestão de crises que substitua o fundo europeu de estabilização conjunto da UE/FMI quando este se extinguir em 2013. Um FMI na União em permanência, mas pior porque, claro, nem sequer existe a possibilidade de desvalorização cambial. Um pesadelo.

Desta feita, trata-se de introduzir no Tratado a possibilidade de os Estados em dificuldades perante credores demasiado gananciosos reestruturarem a dívida sob comando dos países centrais que defendem os interesses do seu capital financeiro, ou seja, a possibilidade de dizerem alto aí: os fluxos de pagamento da dívida são revistos e os prazos de pagamento também. No entanto, existe uma diferença, que já sublinhei há umas semanas atrás, entre uma reestruturação da dívida sob iniciativa dos devedores, que já se deviam ter mexido em aliança, e uma sob iniciativa dos credores. Os países centrais querem impor a segunda, claro. De qualquer forma, a reestruturação acontecerá, no actual contexto europeu, mais tarde ou mais cedo e gerou imediatamente um aumento das taxas de juro da dívida pública dos países periféricos, sobretudo dos mais pequenos, onde as possibilidades de especular e lucrar com a volatilidade são maiores.

A intenção do eixo franco-alemão era esta? Parece que sim, visto que está apostado numa estratégia de dominação disciplinadora, que não cuida do facto de o problema das finanças públicas ser geral e consequência sobretudo da crise económica que foi, em grande medida, atenuada pelo efeito dos chamados estabilizadores automáticos, ou seja, da quebra das receitas e aumento das despesas. Agora está tudo a apostar na austeridade, que está inscrita nos bizarros tratados, os do porreiro pá.

Esquecem-se de um detalhe: os credores exigem a redução do défice como garantia dos nossos pagamentos futuros, mas existe a crença partilhada de que as políticas de austeridade, replicando experiências anteriores, terão impactos económicos muito desfavoráveis. Isto gera um ciclo vicioso que conduz a dificuldades crescentes em financiar a dívida privada e pública. A Grécia e a Irlanda, tão elogiadas pelos economistas do faz força que eu gemo pela sua austeridade pioneira, arrastam-nos para o atoleiro económico, agora que o bloco central decidiu imitar o desastre. A austeridade generalizada conduz à recessão, agrava o problema económico e financeiro e acentua a fractura da zona euro.

O problema é europeu, como já defendi várias vezes e não me canso de repetir, e não se presta a moralismos: o euro instituiu-se com um excesso de construção de mercados financeiros liberalizados a que correspondeu um défice de construção de mecanismos de solidariedade democrática. Hoje sabemos que a resposta à pergunta – “Será possível termos um mercado comum sem políticas sociais, monetárias e macroeconómicas federais?” –, feita em 1955 por Jean Monnet, é negativa. Isto é perigoso porque as alternativas são parcialmente europeias e claras, mas não estão à vista politicamente. O ponto de partida é este: não há moeda sem orçamento e não há união assente num projecto de expansão sem fim das forças de mercado. O euro está condenado a esfarelar-se? Parece que sim...

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