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Arrastão: Os suspeitos do costume.

A autodeterminação ou é “auto” ou não é nada

Daniel Oliveira, 31.01.10

É verdade que proibimos coisas e limitamos liberdades individuais a bem de uma ideia de "bem comum" (termo que nunca gostei). É verdade que, como diz Miguel Serras Pereira (que insiste na questão religiosa, que é aqui, por razões históricas e políticas que deixarei para outro debate, secundária), podemos falar de uma “servidão voluntária”.

Mas sobre este assunto gostaria de deixar apenas dois argumentos. O primeiro é simples: a fronteira da intervenção do Estado e do colectivo sobre o indivíduo acaba sempre no corpo do outro. Quem se lembra de alguns debates sobre o aborto terá facilidade em compreender o que estou a dizer. Têm razão os que dizem que o rosto é, nas sociedades ocidentais, um elemento central da identidade individual. E não apenas na sociedade ocidental. Mas é exactamente por isso que ele é também o domínio absoluto da nossa liberdade. E por isso mesmo é tão perigoso dar ao Estado o direito qualquer tipo de tutela nessa matéria.

Fica o problema da "servidão voluntária", que é, reconheço com facilidade, a melhor forma de pôr a questão. Começando por dizer que ela está longe de ser um exclusivo da mulher e da mulher muçulmana (falemos, só como exemplos próximos, do voto de silêncio ou de clausura de algumas ordens religiosas). O problema é que, como aqui já escrevi, apenas pedimos à mulher muçulmana que aceite que em vez do seu marido seja o Estado a decidir por ela. A servidão continua lá. Talvez ainda menos voluntária, apenas. E legitimada pela lei.

Continuar a ler no link em baixo.
Não escondo que o problema não é fácil. Ele não é novo nem nasceu com as mulheres muçulmanas. Ele existiu com as mulheres europeias e ainda existe entre muitas. Ele existiu e existe com quase todos os grupos oprimidos na nossa sociedade. E há duas formas de gerirmos o problema. A democrática e a outra. A outra determina que a mulher é incapaz de conquistar a sua própria liberdade. Nem discuto aqui, porque já discuti, o paternalismo da coisa quando estamos a falar de direitos individuais. Acrescento apenas que tendo em conta o pormenor de legislarmos para uma "comunidade" específica a medida torna-se ainda mais contraproducente.

A democrática é a que me parece eficaz. Ela é mesmo a única que não desiste dos valores que diz defender. Acredita mesmo que a liberdade tem a capacidade de se impor pelas suas qualidades. Procura aliadas na própria comunidade (e recordo que a maioria das feministas muçulmanas que tenho ouvido e lido são contra este tipo de legislação, que tende a usar os direitos das mulheres como argumentos para guerras religiosas, dando armas tremendamente eficazes ao machismo dominante entre os muçulmanos), assumindo que os símbolos representam uma realidade social determinada e que de pouco vale atacar os símbolos sem que essa realidade se altere. Eu consigo imaginar o que esta guerra estéril fará de mal à progressão dos direitos das mulheres muçulmanas. Alguém me consegue dizer o que mudará de positivo nas condições reais de autonomia daquelas mulheres?

Dirão que aquilo a que assistimos é a um crescente número de mulheres muçulmanas a usar véu (ao qual não dou qualquer importância simbólica) e véu integral. Aqui o número não é irrelevante – 1.900 mulheres em três milhões diz-nos, apesar de tudo, qualquer coisa sobre a dimensão marginal do problema em comparação com a centralidade que lhe é dada no plano político. Nesta matéria, estou seguro de uma coisa: a imposição legal tem um efeito perverso. Exactamente porque transforma aquele símbolo no que ele nunca poderia ser: numa afirmação de identidade cultural, e por isso de autonomia e de liberdade perante a autoridade do outro. Quem paga esta luta de galos identitários?

O problema de algumas feministas – poucas, felizmente – e gente “progressista” terem escolhido este campo de batalha não é apenas nem especialmente as péssimas companhias que encontram no caminho. De más companhias ninguém se safa. É as péssimas companhias em que põem aqueles e aquelas que do outro lado tentam bater-se, simultaneamente, pela liberdade de serem quem são (não aceitando imposições de supostas superioridades culturais) e pela liberdade das mulheres. Ou seja, põem aqueles que, entre os muçulmanos, defendem a autodeterminação dos indivíduos numa situação insustentável de isolamento político e social nas suas próprias comunidades. Contribuem, objectivamente, para a legitimação do machismo. De duas formas: retirando àquelas mulheres o poder delas próprias, com a solidariedade que merecem, encontrarem os seus caminhos de libertação, e legitimando o machismo como forma de afirmação cultural dos muçulmanos. Tudo errado, portanto.

Nem nos países que fizeram a ocidentalização à força da bastonada e que tantas vezes são dados como exemplo estes símbolos foram destruídos. Pelo contrário, eles hoje são muitos vezes usados como afirmação de resistência a imposições totalitárias. Em democracia, que é como queremos viver, tudo demora mais tempo. Faz-se aos poucos. Escolhendo os aliados certos. E nunca desistindo da verdadeira autodeterminação do outro, que por assim se chamar só pode partir mesmo dele (ou dela). No fim, de pouco serve se a mulher deixa de usar o véu se dela não foi a decisão de o fazer. Acaba-se com o símbolo, agrava-se o problema. Bem sei que olhos não vêem, coração não sente. Mas o problema continuará lá. E no caminho abrimos perigosos precedentes e ficámos ainda mais longe do que queríamos.

Economia e sociedade

João Rodrigues, 31.01.10

A
Comissão Nacional Justiça e Paz é uma organização católica que “tem a finalidade genérica de promover e defender a Justiça e a Paz, à luz do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja”. O seu grupo de trabalho “Economia e Sociedade”, dinamizado pela economista Manuela Silva, uma referência para os que acham que a economia deve estar subordinada a fins genuinamente humanos, tem organizado uma série de seminários e de encontros de reflexão.

O próximo é no dia 4 de Fevereiro às 17h30: “A caminho de uma nova ordem económica?” José Castro Caldas, Mário Murteira e José Manuel Pureza são os oradores. Manuela Silva modera. O seminário decorrerá na Sala de Conferências da Estação do Metropolitano do Alto dos Moinhos em Lisboa.

Acho que doutrina social da igreja continua a oferecer recursos para pensar criticamente a economia e as transformações necessárias para a tornar mais solidária. Basta ler última Encíclica Papal - Caridade na Verdade -, um documento que merece ser amplamente discutido, em especial os capítulos que se debruçam sobre a chamada “ecologia moral dos mercados” e de outras formas de provisão.

[Publicado, em simultâneo, no Ladrões de Bicicletas]

Coisas simples

Bruno Sena Martins, 30.01.10
[caption id="" align="alignnone" width="485" caption="foto Joana Bourgard/jn"][/caption]

Poucos minutos depois do primeiro jogo oficial de Rúben Micael pelo FCP para o campeonato nacional português (aka Liga Sagres), estou condições de vos garantir: está encontrado o sucessor de Deco para a selecção nacional  - sei que Micael tem características diferentes das de Deco, mas acreditem que não trafico com boutades em temas tão sensíveis.

Mais um problema nacional resolvido pelo clube da região norte.

Vamos explicar-lhes, a bem ou a mal, como devem ser livres, que elas sozinhas, coitadas, não percebem: para começar, escolhemos a vossa roupa, pobres ignorantes.

Daniel Oliveira, 30.01.10
"Haverá mulheres que as usam [o véu integral] livremente? Sim, umas porque não conhecem alternativa e outras porque são soldados conscientes do islamismo integrista. Às primeiras, devemos explicar que na Europa as mulheres são livres e iguais em direitos aos homens."

Melhor ainda: "Serão realmente livres as mulheres que usam o véu? Serão realmente mulheres que tomam a pílula, vão para casa e põem os maridos a lavar a louça, que os metem em tribunal quando eles as violentam? Mulheres que têm relações sexuais antes ou até «ao lado» do matrimónio? E, se assim é, porque será que sentem necessidade de usar a burca?"

O Ricardo Alves já tem todo um programa para a liberdade das mulheres. É só perguntarem-lhe e seguirem o guião. Ele sabe o que elas devem ser. A opinião de cada uma delas? Julgam que são o quê para decidirem se só querem fazer sexo depois e dentro do casamento? Para decidirem que não tomam a pílula? Para decidirem que lavam a louça? Para decidirem, veja-se lá, que na cozinha só elas é que entram? Liberdade, tudo bem. Mas vontade própria? Não queremos mulheres livres. Queremos mulheres como as que gostamos. E só essas. E se não for assim fazemos queixa à DECO.

A violência doméstica é, como é evidente, outra coisa. Apenas porque não aceitamos o direito de ninguém espancar ninguém, seja homem ou mulher. Já o direito a não tomar a pílula, enrrolar-se quando querem e com quem querem e até de serem insuportavelmente conservadoras, se não é constitucional devia ser.´

Através do Jugular, este excelente post da Segunda Língua: "Malak Hifni Nassef (1886 - 1918), feminista egípcia, dizia a propósito do livro “Emancipação da Mulher” de Qasim Amin, que se no passado o homem as mandava cobrir o rosto, elas cobriam-no e se agora as mandava descobri-lo, elas descobriam-no, afirmando de seguida que se não havia dúvidas que ele tinha errado contra elas diminuindo os seus direitos no passado, errava agora também diminuindo os seus direitos no presente. A decisão de tirar ou pôr nunca era delas." A questão é saber, digo agora eu, se para lutar contra um símbolo de subjugação da mulher estamos dispostos a subjugar a sua vontade. Se para combater o símbolo repetimos o que ele simboliza.

Doc à 6ª: Guerra Fria (15) China 1949-1972

Daniel Oliveira, 30.01.10
Depois de 15 dias de intervalo, continua o doc à 6ª, desta vez, excepcionalmente, ao sábado. O 15º episódio de "Guerra Fria" é sobre a China.



Episódios anteriores:
1: Camaradas 1917-1945 ; 2: o Cortina de Ferro 1945-1947; 3: Plano Marshall 1947-1952; 4: Berlim 1948-1949; 5: Coreia 1949-1953; 6: Reds 1947-1953; 7: Depois de Estaline 1953-1956; 8: Sputnik 1949-1961; 9: O Muro 1958-1963: 10: Cuba 1959-1962; 11: Vietname 1954-1968, 12: M.A.D. 1960-1972: 13: Make Love Not War 60's; 14: Red Spring 60's

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