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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Chantagem e democracia limitada

João Rodrigues, 30.01.10

Perante as sugestões de João Cardoso Rosas para se alcançar uma maior justiça fiscal, jcd fez um comentário esclarecedor, que se resume a uma chantagem limitadora da democracia. Como sublinhou o filósofo G. A. Cohen, esta ameaça de fuga dos capitais e dos “talentosos” geralmente nunca é feita na primeira pessoa do singular – se me subirem os impostos, eu vou para outro sítio –, o que pode indicar a sua dúbia natureza moral. De qualquer forma, será que esta ameaça é para ser levada a sério? Depende.

Não: as reformas fiscais propostas estão na linha das melhores práticas entre os países desenvolvidos e, de qualquer forma, existem, e existirão sempre, muitas "fricções" à mobilidade de capitais. Além disso, o sistema fiscal não é, longe disso, o único elemento que orienta as decisões de investimento e de poupança. 

Sim: a verdade é que a instituição política da mobilidade mais ou menos ilimitada de capitais, que vem dos anos oitenta e que tem tido péssimos resultados socioeconómicos, incrementou a credibilidade da chantagem e é por isso que temos assistido a uma corrida para o fundo na progressividade dos sistemas fiscais e na tributação dos activos. Esta não é tão pronunciada como se possa pensar, mas é real.

Que fazer? Vejo duas orientações que se podem complementar: reintroduzir controlos de capitais e taxas que penalizem a fuga, de forma coordenada à escala europeia, e caminhar para uma uniformização da fiscalidade europeia. Pesadas tarefas. Tarefas necessárias para que a discussão e a troca de argumentos democráticos não sejam tão pervertidas pela chantagem do capital e dos seus ideólogos. Estes nunca esconderam o seu desdém pela democracia: sabemos que quanto mais democráticos são os países, maior é a carga fiscal, menores são as desigualdades e mais activa é a participação cívica.

Invictus

Sérgio Lavos, 30.01.10


John Carlin, autor do livro a partir do qual foi feito Invictus, afirmou numa entrevista que a melhor época e lugar para um jornalista trabalhar foram os anos 90, na África do Sul. Quando regressou a Washington, apanhou com o escândalo Clinton/Monica Lewinski, depois de ter testemunhado o fim do apartheid e a reconciliação nacional encetada por Nelson Mandela. Numa época de descrédito geral dos políticos, Mandela continua a ser um exemplo certamente digno de inveja por parte de quem tem boas intenções e de vergonha por parte dos outros.

Clint Eastwood viu em Mandela mais um dos seus heróis solitários, de ideias fixas, casmurros que acabam por provar estar certos no fim. O filme , apesar de resvalar aqui e ali para o mau gosto - as câmaras lentas, a banda-sonora discutível, as panorâmicas sobre os bairros de lata de Joanesburgo - é um hino ao extraordinário percurso do político mais marcante da segunda metade do século XX, uma figura maior que a vida que pedia nada menos que a hagiografia que o realizador lhe dedica. Mas é também a história pessoal da relação do político com o outro herói do filme, o capitão dos Springboks, François Pienaar (Matt Damon), que no final do jogo acaba por ter uma daquelas frases grandiosas que julgamos serem exclusivas da ficção - "não eram 65000, mas sim 43 milhões de sul-africanos a apoiar-nos".

A unidade temporal - um ano apenas - que acaba por concentrar toda as circunstâncias de uma vida, é o segredo do filme: o encarceramento de trinta anos, a libertação, a vitória nas eleições, o respeito da minoria branca, antigos opressores aceites na nova África do Sul, país do arco-íris. O desporto, em especial os grandes acontecimentos desportivos, ultrapassa em muito o seu universo; várias vezes Mandela (grande Morgan Freeman) repete que o interesse mostrado pelo acontecimento é político. Quando chegamos aos derradeiros jogos, o torneio transforma-se em batalha - a vontade dos guerreiros, o suor, o sangue, a superação. Os planos aproximados captando as formações no campo de rugby descrevem em tons heróicos o esforço dos jogadores, e por momentos estamos num filme de guerra, em pleno combate.

Luta contra a adversidade, superação: o território preferido de Clint Eastwood, a sua linguagem. O filme não é perfeito - é melhor do que outro qualquer faria com a mesma história.

Suspenda-se a democracia, parte II

Daniel Oliveira, 29.01.10
"Aquilo que o país precisa neste momento não é de políticos, é de estadistas", disse Manuela Ferreira Leite para explicar a viabilização do Orçamento de Estado. É extraordinário o subtexto que se esconde em algumas frases de circunstância. Antes de tudo, Ferreira Leite comete o erro suicida do populismo: associar a sua própria actividade - a política - a algo de negativo e estéril.

Mas muito mais grave: da frase retira-se que, sendo os políticos os que discutem, confrontam e debatem alternativas – querem, pecado dos pecados, votos – são dispensáveis. Os Estadistas, sendo o consenso e a anulação da diferença, é que são necessários. A frase é, na realidade, um excelente retrato da falta de maturidade democrática de um país que viveu meio século com "um Estadista". A desconfiança perante o que de mais substancial existe na democracia. A afirmação de que o confronto político de alternativas tantas vezes inconciliáveis é uma pura perda de tempo. Na verdade, Ferreira Leite e Cavaco Silva, que nesta matéria seguem a mesma partitura, são os fieis representantes do atraso democrático português.

Como dizia o outro, quem abdica de uma liberdade...bem, vocês sabem o resto

Pedro Sales, 29.01.10


A forma expedita como o responsável pelo Observatório da Segurança se apressou a refutar as preocupações da Comissão Nacional de Protecção de Dados, defendendo que - em nome do combate ao “crescente sentimento de insegurança” - devemos estar preparados para aceitar a presença cada vez mais visível de mecanismos de vigilância, são o mais preocupante sinal do acerto das declarações desta Comissão sobre a crescente intromissão na privacidade dos cidadãos.

Para lá da chantagem do costume, de quem nos garante que a única forma do Estado garantir a segurança colectiva passa pela crescente delegação de informação que sempre pensámos pertencer ao nosso direito à imagem e privacidade, vale a pena verificar que estes mecanismos nem sequer garantem a eficácia que os seus defensores alegam, como se pode ver aqui, aqui e aqui.

Agarrem-me, senão eu caio

Daniel Oliveira, 29.01.10

O PSD é contra o despesismo. Não, o PSD é contra o despesismo se a despesa não for dele. Na Madeira, onde um homem mantém o maior partido da oposição e o país refém dos seus caprichos, o PSD acha que se deve gastar sem grandes limites. E é isso que propõe ao país.

É verdade que a lei das finanças regionais tem uma injustiça: contar no seu PIB com os dinheiros de um offshore que nada dá à Madeira em emprego, receitas ou impulso à economia. Porque existe, então? Vão perguntar a quem o mantém. Mas o PSD quer mais. Quer, depois de fazer do endividamento o alfa e ómega da política nacional, que a Madeira se possa endividar sem freio. Que a Madeira, com duas ilhas próximas uma da outra, continue a gastar o mesmo ou mais em despesas de funcionamento do que os Açores, com nove ilhas distantes.

Mas apesar de tudo isto, não deixa de ser reveladora a dramatização que o governo faz da Lei das Finanças regionais, lei que tem um efeito orçamental marginal. Não se limita a apresentar argumentos, como seria normal. Faz uma chantagem extraordinária, como se a estabilidade política estivesse em jogo de cada vez que a vontade do PS, que não tem maioria, é contrariada.

Aprovado que está o seu orçamento, sem nenhuma concessão de monta da qual se possa queixar, este episódio revela, em toda a sua crueza, a estratégia de José Sócrates para os próximos tempos: usar a sua minoria e a eventualidade da queda do governo como uma espada de Dâmocles sobre o país. A culpa, na verdade, é do PSD. Sem liderança e em autogestão, não assusta os socialistas. E enquanto isto durar podem continuar a fazer o jogo do "agarrem-me, senão eu caio". Governar com sentido de responsabilidade e negociando, como tem de fazer qualquer governo em minoria, com os outros partidos? Só em versão encenada. E sempre contrariado. Acabado de sair das urnas, o governo sonha com eleições. E o país fica adiado.

Em stereo com Expresso Online

Silêncios e adiamentos

João Rodrigues, 29.01.10
"Neste OE, a tributação dos prémios dos gestores tem um valor simbólico e moralizador, mas não mais do que isso. Muito mais importante seria a penalização fiscal de rendimentos especialmente elevados, a eventual tributação das mais-valias bolsistas ou a introdução de um imposto sobre as heranças (a sua inexistência é um absurdo, como tem defendido Warren Buffet). Porém, sobre o papel da justiça fiscal no combate às desigualdades, o Orçamento do Estado é silencioso. Este, como outros problemas estruturais, fica adiado."

João Cardoso Rosas, jornal i.

Tony Blair e as sentenças da História

Bruno Sena Martins, 29.01.10
"Quando esta manhã Tony Blair entrar no Centro de Conferências Rainha Isabel II, junto ao Parlamento em Londres, ninguém vai lembrar o político que reformou o Labour e conduziu o partido a três vitórias consecutivas, ou o primeiro-ministro que presidiu a um dos períodos mais prósperos da economia britânica. Será o homem que arrastou o Reino Unido para uma guerra que a maioria já então não apoiava e cuja ilegalidade é cada vez mais evidente. À sua espera, terá familiares dos soldados mortos no Iraque e opositores do conflito, para quem a audição de hoje é uma derradeira oportunidade para sentar Blair no banco dos réus."

Deixo-vos em baixo com o discurso de demissão de Robin Cook (1946-2005), de 17 Março de 2003 (merece ser ouvido e re-ouvido). Como muitos se recordarão, Cook demitiu-se demarcando-se do governo de Blair por discordar da invasão do Iraque. Conforme poderão recapitular se tiverem 10 minutos para tal, trata-se de um momento de singular simbolismo histórico não só pelo substantivo da uma decisão cuidadosamente sustentada (a oposição à Guerra do Iraque), mas também pelo que a tomada de posição de Cook representa em termos de compromisso pessoal com uma dimensão ética em política: é essa dimensão que a cada momento define os limites de dissensão comportáveis pela lealdade a um partido, a um governo ou a uma ideologia. Cook já não está entre nós, mas este seu discurso absolutamente profético permanece, porventura,  como o texto mais marcante da contestação à invasão do Iraque.

"A História ficará estupefacta"



Parte 1 (5:47)


Parte 2 (5:48)


Adaptação parcial de um post publicado em 2008 no avatares de um desejo.

Enquadrar o debate orçamental

João Rodrigues, 29.01.10

Congelamento dos salários dos funcionários públicos, cortes no investimento público orçamentado, novas privatizações, continuação do aumento do peso dos regressivos impostos indirectos, caso do IVA (isto num país onde o seu peso no total dos impostos arrecadados é dos mais elevados da UE), novo adiamento de promessas eleitorais em matéria de taxação das mais-valias bolsistas. Um orçamento negociado à direita é assim. Um orçamento de uma democracia limitada pela pressão dos mercados financeiros ainda liberalizados é assim. Um orçamento na periferia europeia é assim. Por que é que é assim? Dou a palavra a Joseph Stiglitz, que acabou de publicar um livro sobre as origens intelectuais e políticas da actual crise sistémica, em artigo no The Guardian:

“Se a Europa tivesse um melhor quadro de solidariedade e de estabilização, então os défices na sua periferia podiam ter sido menores e mais fáceis de gerir. As crises económicas têm um maior impacto nas periferias (…) Uma das razões para o sucesso do ‘mercado comum’ norte-americano é a existência de um sentido de coesão social e de um orçamento federal significativo para o suportar: quando uma parte do país tem dificuldades, a despesa federal pode ajudar os que estão com dificuldades.”

O euro, tal como foi instituido, é uma utopia monetária, construída para favorecer políticas liberais e que corre o risco de se autodestruir: uma moeda sem um orçamento central digno desse nome – o orçamento da UE representa menos de 1% do produto – é coisa nunca vista. Os resultados estão à vista e a irresponsabilidade dos dirigentes europeus, que insistem em atiçar os especuladores contra as periferias europeias, também.

Podemos vislumbrar três saídas: (1) criar rapidamente um sistema de apoio às zonas periféricas, o que implica mudar as prioridades do BCE e da Comissão; (2) criar um qualquer mecanismo cambial dual (reintroduzir uma espécie de escudo para as transacções internas e manter o euro para as externas), na linha desta proposta, que tem por objectivo replicar os efeitos de uma desvalorização cambial (haja imaginação…); (3) deixar tudo como está e assistir aos efeitos perversos das políticas de austeridade assimétrica mais ou menos assumidas: cortes na despesa e no investimento públicos, quebra da actividade económica, desindustrialização e crescimento do desemprego, perda de poder de compra dos salários, diminuição das receitas fiscais e assim sucessivamente (até à saída do euro?), ao mesmo tempo que se mantêm os insustentáveis desequilíbrios de que fala o Ricardo (estas coisas têm de ser vistas à escala global).

Enfim, é bom que mais tarde ou mais cedo comecemos a falar em refragmentar, de forma controlada, a economia global, como já aqui defendi. É que isto como está é insustentável. No entanto, os pesados constrangimentos externos, que resultam da configuração neoliberal da economia mundial, não eliminam totalmente as escolhas políticas. Ainda somos uma democracia, uma democracia muito limitada, mas uma democracia.

A verdade da mentira

Pedro Sales, 29.01.10


Se for Governo, o PS garante que não vai privatizar a ANA, empresa que gere os aeroportos portugueses. A garantia foi dada por Alberto Martins durante um debate na RTPN com os cabeças-de-lista pelo Porto.

http://tv1.rtp.pt/noticias/index.php?t=PS-exclui-privatizacao-da-ANA.rtp&headline=20&visual=9&tm=58&article=277448&videos_page=3

“Vamos avançar com a privatização da ANA que é uma medida que faz parte da construção do novo aeroporto”
Teixeira dos Santos, hoje, na Grande Entrevista