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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Tirar o véu e a liberdade

Daniel Oliveira, 27.01.10

O Parlamento francês resolveu nomear uma comissão para debater um magno assunto: o uso de véu integral no espaço público. A coisa é de uma enorme importância. Afinal de contas, o niqab e a burka são usados por menos de duas mil mulheres num total de cinco a seis milhões de muçulmanos. Ou seja, menos de 0,1% das muçulmanas em França.

O conselho parlamentar é o de proibir o uso destas vestimentas em edifícios e transportes públicos. Segundo a comissão, não se pode permitir que as mulheres sejam obrigadas a tapar a cara. Claro que é difícil determinar as que são obrigadas e as que querem mesmo usar a coisa. Por isso, em defesa da liberdade da mulher, o Estado determina o que pode e não pode vestir a mulher.

Não tenho qualquer esperança de que aqueles que se dizem liberais percebam a contradição de defender a liberdade e pôr o Estado a determinar como cada um se pode vestir. Que aqueles que dizem defender a liberdade compreendam que ela nem sempre nos é confortável. Mas espero ao menos que percebam qual é, tendo em conta o reduzidíssimo número de mulheres que em toda a França usa o véu integral, o objectivo desta encenação.

A recente obsessão pelo véu, mesmo quando não é integral - apesar de em versões diferentes também ser comum entre as judias ortodoxas casadas (no caso, o uso de peruca) e, por exemplo, as freiras católicas -, merecia séria psicanálise. Quando da sua glória passada restam pouco mais do que cacos, sobram estas patéticas demonstrações de testosterona para a França e a Europa encontrarem a sua própria identidade. E este é o campo de batalha de políticos que nada têm a fazer pelo seu povo e precisam, como sempre precisaram os medíocres, de perigos externos.

Disse o presidente do Parlamento: "O véu integral representa de uma maneira extraordinária tudo o que a França espontaneamente rejeita". Está quase tudo dito sobre o entendimento que um eleito tem da democracia quando fala de rejeições espontâneas. E explicou: "É a bandeira do integrismo extremista".

É coisa sabida que a simplificação é filha da ignorância - pensa-se que o niqab é anterior ao próprio Islão. Mas não se queixe dos resultados dos seus actos quem faz de uma prática que é excepção entre as mulheres muçulmanas a sua bandeira política pela intolerância. Apenas darão força ao que dizem querer combater. Muito provavelmente muitas muçulmanas que nunca usariam tal coisa terão agora um pouco mais de vontade de o fazer.

A comissão parecia querer ir mais longe e proibir pura e simplesmente o uso do véu em todas as circunstâncias (é provável que o partido de Sarkozy tente chegar aí). Mas tal seria inconstitucional. Contrário, isso sim, aos valores da República. Um ataque a esse valor que eu gostava de acreditar que ainda é europeu: o da liberdade individual. E essa liberdade individual inclui o direito a ser conservador. Posso não gostar. Mas a liberdade dos outros é para isso mesmo: para aquilo que eu não gosto nos outros.

Publicado em stereo no Expresso Online.

A investigação em directo

Sérgio Lavos, 26.01.10
Ontem, foi chumbada no Conselho Europeu a proposta para discutir a questão do conflito de interesses de membros da Organização Mundial de Saúde, em concreto a proximidade que alguns têm à indústria farmacêutica que lucrou com a declaração de pandemia da gripe A. Julgo que não se ficará por aqui o esforço dos parlamentares que querem saber as razões que levaram a que dezenas de países gastassem milhões em vacinas e medicamentos anti-virais (em tempos de crise) que acabaram por não ser utilizados.

Mas a questão que temos de colocar é esta: abrirão um dia os telejornais com a notícia da investigação à actuação da OMS neste caso da pseudo-pandemia? Dormiremos mais descansados, então?

(Já agora, será que é possível algum órgão de informação investigar e divulgar o número de pessoas que morreram em Portugal em consequência da gripe sazonal, a partir do momento em que foi declarada a pandemia de gripe A? Não é para isso que também serve o jornalismo?)

Se os adjectivos que eu tenho para isto pagassem imposto resolvia-se já hoje o problema do défice

Daniel Oliveira, 26.01.10
"Portugal comprometeu-se com o Fundo Monetário Internacional (FMI) a emprestar a Angola até 200 milhões de dólares (cerca de 140 milhões de euros) já em 2010, ao abrigo do megaempréstimo no valor de 2,35 mil milhões de euros organizado pelo Fundo à ex-colónia portuguesa e a entrar nos cofres de Luanda já em Março próximo. (...) O crédito obrigará Portugal a endividar-se ainda mais no exterior, num contexto de aumento das taxas de juro, para, por sua vez, emprestar ao Governo de Eduardo dos Santos. (...)

O crédito a Angola destina-se a fazer face ao elevado défice externo do país, neste momento com uma grave crise na balança de pagamentos, provocada por uma forte queda nas exportações de ramas petrolíferas e dos respectivos preços em finais de 2008 e 2009. Uma crise na balança de pagamento que já estava, desde o ano passado, a causar problemas financeiros a algumas empresas que realizam negócios com angolanos."
Aqui

A bolsa ou o seu bolso

Daniel Oliveira, 26.01.10
Foi há uma década que o secretário de Estado das Finanças, Ricardo Sá Fernandes, propôs no seu pacote fiscal a tributação das mais-valias bolsistas. O argumento era simples: se a produção paga imposto, se o trabalho paga imposto, se todas as actividades comerciais pagam imposto, se as doações pagam imposto, se a venda de imóveis paga imposto, como raio se justifica que o lucro conseguido pela venda de acções não o pague?

A ameaça veio rápida: Belmiro de Azevedo prometeu debandar para a bolsa holandesa. Ninguém acreditou, mas não foi preciso esperar muito. Uma desculpa mal amanhada - uma frase qualquer sobre o caso Camarate em que Sá Fernandes fora advogado das famílias das vítimas - serviu para mandar borda fora o incómodo secretário de Estado. O pacote fiscal morreu ali e com ele a proposta de acabar com esta excepção difícil de explicar com qualquer argumento moral, económico ou fiscal.

Depois veio o Orçamento Limiano e o pântano e Guterres partiu. Durão Barroso chegou a São Bento e a excepção manteve-se. Um tabu manteve-se intocável, mesmo quando o combate ao défice se dizia desígnio nacional. Sempre que foi ao Parlamento morreu às mãos da maioria.

Voltou o PS. Passaram-se quatro anos. O défice afinal ainda era incomportável. Todos tinham de se sacrificar um pouco. Todos? Não. As mais-valias para acções compradas há mais de um ano continuaram e continuam isentas de qualquer imposto. Nada. Zero. Mesmo sabendo-se que em quase toda a Europa e nos Estados Unidos elas são, como é evidente, tributadas. Que restam poucos países civilizados para onde Belmiro partir. Que só no último ano os 16 principais investidores viram os seus títulos valorizados em 5,3 mil milhões de euros. E que se vendessem o que têm nem um tostão do seu lucro pagaria imposto. E ainda assim nem uma agulha buliu num Estado que teima em financiar-se quase exclusivamente através do esforço dos que trabalham.

Nas últimas eleições o PS voltou a pôr, como ornamento, esta proposta no seu programa eleitoral. Ontem, no programa "Prós e Contras" da RTP, Jorge Lacão confessou, sem se esforçar muito com argumentos aceitáveis, que ainda não é desta. Que é preciso combater o défice, sim. Que todos têm de ajudar, claro. Que por isso não se pode acabar com o Pagamento Especial por Conta, evidentemente. Mas que assustar a bolsa com uma medida que existe em quase toda a Europa é que não pode ser. A bolsa que teve o seu melhor ano dos últimos doze em 2009 é sensível a qualquer contrariedade.

Talvez no dia em que as galinhas tenham dentes o lucro do jogo bolsista se junte ao trabalho, à agricultura, ao comércio, à produção para ajudar às contas públicas. Talvez nessa altura também a banca, que está muitíssimo bem e recomenda-se, pague tanto de IRC como o resto das empresas. Mas isso será na altura em que os nossos governantes peçam realmente sacrifícios a todos. Que palavras como "rigor" e "responsabilidade" queiram realmente dizer alguma coisa.

Até lá, caro leitor, saiba que o seu trabalho, taxado sem apelo nem agravo ao fim de cada mês, tem menos dignidade para o Estado do que a compra e venda acções. A si, não se importa o governo de contrariar. Afinal de contas, dificilmente fará cair um secretário de Estado com a ameaça de abalar para a Holanda.

Em stereo com o Expresso Online

Caminhos de Ferro

Bruno Sena Martins, 26.01.10
"Viajar de comboio pelo país pode dar muito trabalho e a culpa é da manta de retalhos em que a transportadora ferroviária se transformou. CP Lisboa, CP Porto, CP Regional e CP Longo Curso trabalham com tarifários e horários que nem sempre são integrados."  (Público)

Entre muitas outras coisas, eu gostaria de perceber porque é que a manhosa distribuição de horários me obriga tantas vezes a viajar no Alfa Pendular (mais caro, mais desconfortável, pouco mais rápido), quando até prefiro o Intercidades.