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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Encomenda

Daniel Oliveira, 28.02.10
Vieira, dá para fazeres daqueles teus bonecos, mas com um dragãozito de boca cheia? Que banho...
Post escrito do Estádio de Alvalade

Já em casa: Hoje não se janta na casa de Rui Pedro Soares e isso parece-me muito positivo. Quanto à ajuda que damos ao Benfica e ao Sporting de Braga... Acho bem. Pelo menos ajudamos quem, nos últimos anos, raramente fica nos dois primeiros lugares. Ainda assim, fica a promessa para o Barga: na Luz trataremos do resto.

Estado de Guerra (The Hurt Locker)

Bruno Sena Martins, 28.02.10

Sendo um bom filme, fico com a sensação de que Estado de Guerra está a ser grandemente sobrevalorizado em função daquilo que seria suposto representar. Cento e trinta e um minutos depois, é lícito supor que tanta reverência e unanimidade só pode dever à ideia que vem sendo cristalizada com a antevisão dos Oscars; reza a dita que o mundo cinematográfico se divide entre os blockbusters (Avatar) e os outros (Estado de Guerra). É bem verdade que, descontado o deslumbre tecnológico, Avatar consegue ser básico até para os padrões de um filme Disney, pelo que, no directo contraponto com o filme de Cameron, Estado de Guerra aparece como se de uma obra-prima se tratasse. Não é o caso.

Ademais, tendo James Cameron e Kathryn Bigelow sido casados, a dicotomia "quem não gosta deste deve gostar muito daquele" tem sido exacerbada por uma directiva tácita: temos que optar pelo membro do ex-casal que convidamos para o nosso aniversário, já que os dois iam dar mau ambiente. Da minha parte, não faço grande questão da presença de nenhum deles.

Reparo agora, crescentemente convencido da bondade da minha tese, que o início texto do Jorge Mourinha no Público expressa, em termos cintilantes, a tal dicotomia (ressalva: fui ler as críticas já depois de começar este texto):
"O melhor filme de guerra em muitos anos e um filme de acção que envergonha 95 por cento dos "blockbusters" americanos recentes."
Em bom rigor, o que é que os blockbusters têm a ver com o assunto? Pois, nada. Por aqui vemos como Estado de Guerra tem surgido na agenda mediática enquanto estandarte possível da oposição - estética e ideológica - aos filmes de massas. O facto é que o imperialismo mediático forjou um perverso Tratado de Tordesilhas. Assim, no vago manifesto que perpassa, consta que devemos abraçar Estado de Guerra com convicção, devemos elegê-lo como sinal inequívoco de que não pertencemos à tribo que se fez nativa do mundo dos blockbusters. Lamento a traição ao regime oposicionista no poder: da dialéctica em apreço, não achei especial graça a nenhum dos espécimes.

Publicado originalmente em Avatares de um Desejo.

Para lá da fraude económica

João Rodrigues, 28.02.10

A rubrica mais ou menos semanal, que hoje inicio no Arrastão, pretende escrutinar as aldrabices e as omissões que marcam o pensamento económico convencional monopolizador do debate público: uma fraude intelectual e política conveniente para certo poder empresarial predador muito pouco escrutinado no nosso país. No entanto, há diagnósticos e soluções, feitas por vozes críticas menos conhecidas, que podem ajudar a superar este triste estado de coisas. Começo por Pedro Bingre, professor no Instituto Politécnico de Coimbra e especialista em economia imobiliária. Escrutinar o rentismo fundiário é ir à raiz da corrupção, da captura do poder político, do caos urbanístico e do endividamento das famílias. Uma das heranças da facção mais predadora da burguesia nacional. Aqui ficam dois excertos de dois artigos publicados na Vírus e na Opinião Socialista, duas publicações socialistas na net. Boas leituras.  

"Contraste-se este nosso regime comercial com o dos Países Baixos; o mercado imobiliário holandês é dos que mais exemplarmente executa a retenção pública de mais-valias urbanísticas. Mesmo que se encontrem contíguos aos perímetros urbanos, os solos agrícolas holandeses são transaccionados a preço estritamente agrícola, posto que qualquer comprador privado sabe de antemão que futuros acréscimos de valor do solo, produzidos por via de loteamentos, reverterão para o erário público. Além de reter as mais-valias urbanísticas, o Estado Holandês oferece também para arrendamento público mais de 30% do parque habitacional do país — fórmula que além de facilitar a mobilidade laboral e assegurar residência a preço justo para toda a população, dificulta sobremaneira o crescimento de bolhas imobiliárias." (A bolha imobiliária: duas faces da mesma (falsa) moeda)

"Sempre houve ao dispor dos portugueses soluções de eficiência comprovada para evitar a especulação e o caos urbanístico das últimas quatro décadas. Não foi por falta de recursos financeiros nem de competências técnicas, científicas e artísticas que se produziram os péssimos subúrbios onde hoje vive metade da população. Foi por deliberação política, e não por qualquer outra fatalidade, que se sacrificaram quarenta anos de expansão urbana à cultura rentista do alvará. Os resultados estão à vista. Até quando?"  (Economia Política do Urbanismo Português - Quatro décadas de rentismo, corrupção e incompetência)

Nota: a foto é do mamarracho que acabaram de construir na antiga "Ponte do Galante" na Figueira da Foz. Um revelador estudo de caso também da autoria de Bingre.

Assusta perceber ao ponto a que chegou o debate político quando há quem considere o autor desta pérola um dos melhores bloggers nacionais

Daniel Oliveira, 28.02.10
Quem não é do PS não precisa de se esforçar. Todas as suspeições contra Sócrates são acolhidas e festejadas. Os boatos chegam para ter certezas acerca do seu carácter, responsabilidade, honradez. Quem é do PS, militante ou simpatizante, está sempre na berlinda. Tem de lidar com as sucessivas campanhas e manobras de destituição de Sócrates. O resultado é um permanente exercício analítico e reflexivo onde se interpretam notícias, declarações e comportamentos. Conclusão: qualquer estúpido repete uma calúnia e ataca sem provas, mas é preciso ter uma inteligência robusta para defender a Cidade da invasão dos bárbaros.

Afinal é complicado (actualizado)

Bruno Sena Martins, 27.02.10
Referi-me ao anúncio da Super Bock Stout com duas palavras - "sexismo explícito" - e consegui a improvável proeza de ter gente que discorda de mim, alguns pela primeira palavra, outros pela segunda e, o que que é mais, alguns pelas duas. Gosto de provocar dissensões quando - raramente me acontece - logro em chegar a statments que por alguma razão possam ser considerados inovadores ou particularmente difíceis de defender. Já isto é como jogar contra os Caçadores das Taipas com o Messi no banco. À falta de ideias polémicas ou particularmente capazes de dividir as mundividências, reparo que, por exemplo,  o Sérgio Lavos e o Daniel Oliveira vão colocando o meu post dentro da economia discursiva com que lhes apetece discordar. Nenhum problema, até acho saudável só que às tantas não estão bem discordar comigo - seria uma honra, friso.

Se bem percebo, julgam  discordar comigo porque se distanciam de certo feminismo conservador que abjura os usos do corpo, da nudez e do desejo erótico na cultura mediática contemporânea. Pensei que o post da Laetitia - caros leitores, tenho um longo historial de posts da Laetitia que me ilibam destas atrozes acusações - fosse suficiente para explicar que não vou por aí, como não vai muito do feminismo da nova vaga. Pelos vistos, foi escusado.

O que eu crítico no anúncio da Stout, e só, é a sua extrema boçalidade; delira - colegas arrastões propensos a delírio, tomo nota - quem imagina que me revolto cada vez que vejo ser uma mulher representada como objecto de desejo, nada mais longínquo, enganam-se, pois, se pensam que critico o anúncio da Stout como metonímia dos usos patriarcais que sexualizam e coisificam a mulher na paisagem contemporânea; não, o anúncio da stout é apenas anúncio que, usando uma modalidade amplamente praticada - vide os anúncios da Martini -, brilha por um raro mau gosto.



Longe da sofisticação de algum erotismo publicitário, seja o que corteja as várias versões da dominação sexual e simbólica, seja o que capitaliza estereótipos como fantasias numa linguagem que a nossa libido percebe desde a creche, o anúncio da Stout seduz o seu público alvo - homens - esquecendo que um pouco mais de subtileza seria suficiente para não perder de vista o público feminino e, já agora, o público masculino mais sensível à cristalização caricatural de papeis. Sim, a mulher servil e fácil de abrir surge ali como uma caricatura vagamente grotesca - nem naquelas mamas eu me revejo. Mas avante, porque até parece que concordamos quanto à especial boçalidade da publicidade em causa.

Mais problemático, e porventura surpreendente, foi ver tanta gente embarcar na ingenuidade do mito da simetria, algo que um pouco de sensibilidade sócio-histórica deveria ser capaz de exorcizar.

Em vários momentos da discussão política, muita gente saca da fácil arma da simetria, tão depressa como do anúncio da Coca-Light (o facto de ser um marco por todos recordado deveria ter feito feito tocar as sinetas, mas não), como se não houvesse uma história de menorização, opressão e coisificação das mulheres enquanto serviçais do homem, objectos passivos de desejo, seres destituídos de autonomia e de auto-determinação. Como se não houvesse diferença na leitura que fazemos de anúncios que (como o da Coca-Cola Light) parodiam, invertem e subvertem valores hegemónicos, por oposição aos anúncios que reificam os valores hegemónicos - no caso do da Stout, não porque queira estetizar o erotismo da dominação, mas apenas porque se julga sofisticado na sua óbvia boçalidade.

O mito da simetria é uma lógica insidiosa com que o reacionarismo se compraz amiúde e, como alguns de vós devem saber melhor do que eu, dá cabo de qualquer discussão que se queira informada, informada, claro está, sobre o modo como a história das relações de poder permanece connosco. Celebrai a igualdade conquistada, sim, mas não sejais ingénuos.

Um último apelo às pessoas de bem, façam lá o favor de não me confundirem com a  Isilda Pegado.

P.s. Escrevi este post à pressa e incapaz de dar conta de algumas reacções que foram surgindo por aí, reacções a que, com mais vagar, tentarei dar justa réplica.

Diz que é uma espécie de democracia

Daniel Oliveira, 27.02.10
Uma idiota (mas não inocente) lei eleitoral chilena dissolve automaticamente os partidos políticos que tenham menos do que cinco por cento e não elejam no mínimo quatro deputados. Foi o que aconteceu ao Partido Comunista Chileno: teve menos de cinco por cento. Assim, apesar de ter eleito três deputados nas últimas eleições, o PCC pode ser mesmo dissolvido. Isto, quando a direita e a extrema-direita aliadas regressam ao poder (com fortes responsabilidades da esquerda na escolha do seu candidato presidencial e quando a anterior presidente Michelle Bachelet sai do cargo, por limite de tempo de mandato, com um nível de popularidade invejável). Esta regra eleitoral resulta do acordo assinado com Pinochet, para que este fizesse o enorme favor de abandonar o poder para o qual ninguém o tinha eleito.

Em baixo, fica um link para o comunicado do PCP, que obviamente subscrevo, de solidariedade para com o partido criado em 1912, central na resistência à ditadura e que teve Pablo Neruda como senador.



"Queridos camaradas,

Foi com profunda indignação que tomámos conhecimento da situação de “dissolução” e ilegalidade do Partido Comunista do Chile. A vigência de um instrumento legal ainda impregnado pelo espírito da ditadura fascista de Pinochet – cujo anacronismo a eleição de três deputados comunistas, nas legislativas de Dezembro, torna particularmente evidente – associa-se ao recente triunfo presidencial do candidato assumido da direita chilena e à ameaça revanchista representada pelos sectores mais retrógrados da sociedade chilena e do imperialismo, facto que não pode deixar de merecer a mais firme denúncia e rejeição dos comunistas e dos democratas em geral.

Um partido com tão heróicas tradições e tão funda raiz nos trabalhadores e na realidade chilena, como o PCC, está acima de tão iníquas medidas. Mas não deixa de ser profundamente inquietante que elas sejam possíveis num país que se pretende democrático.

Deste modo, queremos expressar-vos a fraternal solidariedade dos comunistas portugueses e formular votos para que seja rapidamente ultrapassada, sem maior prejuízo para a intervenção e actividade do PCC, tão grave limitação ao exercício cabal das liberdades políticas fundamentais e do pluralismo democrático no Chile e que a luta do PCC e demais forças democráticas chilenas por uma efectiva e profunda democratização da vida política nacional venha a ser coroada de pleno sucesso".

Jornal Avante, via Spectrum

Viva a mulher objecto! Viva o homem objecto!

Daniel Oliveira, 27.02.10


O Bruno criticou o anúncio da Super Bock Mini Stout. Como abrimos aqui uma primeira polémica no Arrastão (já vi partidos trotsquistas cindirem-se por muito menos), aqui vai a minha opinião. O anúncio é mau. Apenas porque é básico, não por transformar o corpo de uma mulher num objecto. Sim, transforma. Mas isso não tem mal nenhum. Pelo contrário.

Há um subtexto no discurso conservador (que não é evidentemente o do Bruno, mas a esse já lá vou) contra a exploração do corpo feminino. Não nos enganemos: para os conservadores, o poder da mulher vive da sedução e do sexo (e da família, claro, graças à prole). Este suposto poder feminino acaba por se manifestar na sociedade através da influência que terá, em conjunto com a maternidade, nos homens. Ou seja, a mulher, através das suas artes "demoníacas" e do seu domínio da casa e dos filhos, tem poder sobre o homem. Por isso, o homem pode ficar com o poder da rua, do Estado e do dinheiro, porque no fundo "atrás de um grande homem está sempre uma grande mulher". Mas como é poder, o poder de sedução da mulher deve ficar dentro de casa. Não se deve banalizar. É por isso que nas sociedades muçulmanas que conheço a mesma mulher que se tapa na rua usa roupas em casa que muitas mulheres ocidentais teriam dificuldade em ter sequer no armário. Esse é o poder que lhe é permitido.

O feminismo é um movimento político e social contra uma organização política e social machista e pela defesa da igualdade de direitos. Este feminismo “liberal” em que me incluo (o feminismo não é uma coisa de mulheres) é um pouco diferente do feminismo "radical", que acredita que o poder tal como o conhecemos é essencialmente masculino. Pelo contrário, acredito que as características que muitas vezes associamos aos homens são apenas as características do poder, e não o contrário. Quando as mulheres dividirem realmente com os homens esse poder terão os mesmos defeitos. Não haverá menos guerras, menos força bruta, menos exploração. Haverá igualdade de direitos entre homens e mulheres. Apenas isso. Não há um poder masculino e um poder feminino. Há um género que garante para si o poder público e outro a quem esse poder tem sido negado ao longo da história.



O poder da mulher estará exactamente no mesmo lugar em que está o poder do homem: na possibilidade de controlar pela força bruta, ou pela solidariedade, ou pela subtileza, ou pela sedução, ou de outra qualquer forma a sua vida e a vida dos outros.

A crítica feminista ao uso do corpo da mulher na publicidade, a que o Bruno adere, parte do principio que a objectificação do corpo corresponde a uma manifestação de um poder com características masculinas. Pelo contrário, a minha crítica feminista a este discurso parte do princípio que é a ausência de objectificação do corpo dos homens (que como se vê pelo anúncio em cima começou a ser resolvida há uns tempos) que corresponde a uma desigualdade de poder. É quase a mesma coisa, mas ao mudar o foco muda o que se critica.

A objetificação do corpo da mulher e do homem (aplaudo nos dois casos), em geral, é natural e desejável. Corresponde à procura do prazer sem qualquer outro objectivo. E à conquista por parte da mulher do mesmo direito (e poder) dos homens: o do controlo sobre a sua sexualidade sem constrangimentos morais que são, sempre foram, impostos para vantagem masculina - nós temos o prazer, vocês querem o afecto, nós a auto-estima, vocês a intimidade. O que para além de ser uma treta (as mulheres gostam tanto de sexo sem afecto ou intimidade como os homens), é muito confortável para os homens. Nós ficamos com os dois - o prazer e o afecto, que não são exactamente a mesma coisa - e vocês devem contentar-se com o segundo, na esperança que com ele venha o primeiro.

É por isso que não concordo com o Bruno: tudo pelo uso do corpo da mulher na publicidade, na pornografia, na prostituição, na arte, com bom gosto, com mau gosto, de forma velada, de forma explícita. O que é que elas têm de conquistar? Não é o recato e o respeito pelo seu corpo sagrado. É o uso do corpo do homem na publicidade, na pornografia, , na prostituição, na arte, com bom gosto, com mau gosto, de forma velada, de forma explícita.

Incomodam-me os esterotipos de beleza? Sim, até porque, diga-se em abono da verdade, não me parece que neles eu esteja incluido. Safo-me como posso. Incomoda-me a mercantilização do corpo? Muitas vezes sim. Mas não por se tratar do corpo. É por ser mercantilização. Incomoda-me tanto como a absoluta mercantilização da inteligência, ou do tempo, ou da saúde, ou do conhecimento. Se me ficar pelo corpo, então quer apenas dizer que dou ao corpo (e ao sexo, porque na realidade é disso que estamos a falar) uma espécie de estatuto sagrado que não dou a tudo o resto que define a individualidade de cada ser humano.

Por isso, para mim, só faz sentido ter um discurso crítico em relação à mercantilização do corpo e do sexo se ele for, na realidade, um discurso crítico do capitalismo. Ou pelo menos da sociedade de mercado. Se não, é apenas uma crítica à exposição e exploração dos desejos sexuais humanos. E com essa tenho uma certa dificuldade em alinhar. Seria estranho que pudéssemos apelar, para vender produtos, a todo o tipo de desejos, menos ao primeiro de todos eles.

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