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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Esquerda digna

Bruno Sena Martins, 31.05.11

Por Luís Januário,

 

"Segunda feira, as forças da ordem, nas Portas del Sol como no Rossio , hão-de pôr as pedras a brilhar para sossego de Madame Mubarak e da historiadora. Nesse dia, a direita portuguesa, com ou sem os entreguistas do PS, continuará a cumprir o programa económico dos investidores , sem constragimentos. Por um momento brilharão os novos heróis colaboracionistas e haverá um minuto de glória para os Viegas e Nobres, uma cadeira no 2º balcão, antes de serem arrastados por outra gente menor e com menos escrúpulos.

 

Mas esta campanha tem tido uma coisa boa, que nem o fogo de artifício, os comentadores e as sondagens têm conseguido obscurecer. A esquerda tem tido um comportamento digno, tem-se esforçado com os meios limitados que tem, ao seu dispor, por mostrar aos eleitores o que está em curso: o equivalente de aquilo a que , num dia de lucidez, Soares chamou um grande embuste. A esquerda leu o acordo da troika e exigiu a auditoria pública das dívidas ( e disse Não pagamos a dívida dos bancos!). A esquerda exigiu a identificação dos credores- porque o maior dos crimes foi a culpabilização da gente comum pelos propagandistas dos verdadeiros culpados. A esquerda recusou como solução a redução dos níveis de protecção social, educação, investigação, saúde, reconversão ecológica como remédio para a crise. Disse que a renegociação da dívida e das taxas de juro deveria ser feita agora, enquanto há força…

 

Tenho orgulho dessa esquerda. Agradeço aos que lutam todos os dias. Aos que mantêm levantado o farrapo vermelho. E mesmo que no domingo estivesse sozinho face à urna, haveria de lhe entregar o meu papel. E dizer aos que mandam e aos colaboracionistas: não nos entregaremos nunca."

Comissário para uma colónia que se deixa tratar como capacho

Daniel Oliveira, 31.05.11

Fontes da troika fizeram saber que os partidos com possibilidade de governar (um novo conceito constitucional) já deveriam ter escolhido um "alto comissário" para começar a preparar a aplicação medidas do memorando. Uma espécie de primeiros-ministros ad hoc antes das eleições. Tenho ideia que nos países destes senhores - alguns deles também bastante endividados e prontos para cair no buraco da crise - há leis e constituições e que a democracia não é uma mera formalidade. Também por cá, da ultima vez que olhei para a nossa lei fundamental, não constava a figura de um comissário pré-eleitoral.

 

A forma como estes manga de alpaca falam dos países onde itervêem, mais típica de governadores coloniais do que de instituições internacionais com algumas regras diplomáticas a cumprir, não é apenas insultuosa. É demonstrativa de uma extraordinária falta de cultura democrática. Portugal não é uma das ditaduras onde o FMI se sente mais em casa. É uma democracia parlamentar. Aqui elegem-se deputados e governos. A legitimidade de quem governa reside no voto popular. Em democracias não se nomeiam conissários antes do voto e o voto não é um pormenor que se ignora.

 

Mas o que deveria causar indignação a qualquer democrata ou patriota parece ser natural para os candidatos a diretores-gerais do PS e do PSD. Passos tentou mesmo usar o insulto em seu favor: vejam que eles, inteligentes, civilizados, lá de fora, querem mudar de governo. Até onde vai a falta de espinha de quem se diz líder político.

 

Estamos, ao que parece, condenados a ser governados por capachos. Mas o problema não é apenas dos candidatos a tão pobre figura. A maioria dos portugueses acha que merece ser tratada com este desprezo. Aplaude a chegada do colono e acredita que ele vem pôr a piolheira na ordem. Aceita o insulto sem um protesto.

 

A respeitabilidade de um povo não se mede pela emoção com que canta o hino ou o fervor que entrega à evocação da sua história. Vê-se na forma como se trata e se deixa tratar. E um povo que não se choca com a sugestão estrangeira da escolha administrativa de um comissário que prepare a governação, como se o seu voto nem existisse, provavelmente merece os passos e os sócrates que lhe têm saído na rifa. Neste País falta mais do que dinheiro. Começa a faltar alguma dignidade.

 

Publicado no Expresso Online

Mais-valias

João Rodrigues, 31.05.11

 

Pedro Bingre tem estudado uma das mais importantes e menos conhecidas facetas da economia política que escavacou as nossas cidades e fragilizou financeiramente o país: as “fortunas trazidas pelo vento” que dão pelo nome de mais-valias urbanísticas. A poupança das famílias foi transformada em betão com preços elevados e a banca, o pilar deste processo, canalizou para aí, na ausência de uma política pública adequada, dez vezes mais crédito do que para a indústria e a agricultura. 

 

Parece fácil a resposta à seguinte pergunta: “quando vinte famílias pagam 3.000.000 € por um conjunto de apartamentos que mais não custou a construir do que 1.000.000 €, quem embolsou dois milhões de euros em mais-valias urbanísticas criadas por uma decisão urbanística pública?” Uma coligação, bem almofadada politicamente, entre a banca, a construção e a especulação. Agora a banca prepara-se para receber apoios do Estado, sem contrapartidas de controlo e de gestão públicas, que podem chegar aos 27% do PIB. Que fazer para combater este improdutivo rentismo e toda a corrupção que lhe está associada, para combater este modelo guiado por sectores predadores e disfuncionais? Por exemplo, começar por seguir algumas das práticas mais avançadas, aliás como propõe ousadamente a esquerda socialista. Ainda Bingre:

“Contraste-se este nosso regime comercial com o dos Países Baixos; o mercado imobiliário holandês é dos que mais exemplarmente executa a retenção pública de mais-valias urbanísticas. Mesmo que se encontrem contíguos aos perímetros urbanos, os solos agrícolas holandeses são transaccionados a preço estritamente agrícola, posto que qualquer comprador privado sabe de antemão que futuros acréscimos de valor do solo, produzidos por via de loteamentos, reverterão para o erário público. Além de reter as mais-valias urbanísticas, o Estado Holandês oferece também para arrendamento público mais de 30% do parque habitacional do país — fórmula que além de facilitar a mobilidade laboral e assegurar residência a preço justo para toda a população, dificulta sobremaneira o crescimento de bolhas imobiliárias.”

É claro que nada disto está previsto nos programas das troikas interna e externa. Porque será?

Não é uma anedota: tribunal quer 136 debates nas televisões

Daniel Oliveira, 30.05.11

 

A decisão do Tribunal de Oeiras de obrigar as televisões a pôr todos os partidos em debates frente a frente, dando razão a uma providência cautelar do MRPP, depois de outro ter recusado igual pedido do MEP, a cinco dias da campanha acabar, é um excelente retrato da justiça portuguesa. Parece não haver grande preocupação com a exequibilidade e a coerência do que se determina.

 

A minha opinião sobre esta matéria é a mesma que sempre foi, incluindo quando militei num partido sem representação parlamentar: debates com 17 pessoas não esclarecem ninguém e é impossível organizar 136 debates frente a frente. Logo, tem de se escolher um critério razoável e objetivo. O da representação parlamentar, garantindo um debate para os restantes, não sendo perfeito, é o melhor dentro das soluções praticáveis.

 

As televisões optaram por tentar que todos os partidos debatessem com Garcia Pereira. Se os partidos aceitassem isto teríamos 16 debates para o MRPP, um para cada um dos outros sem representação parlamentar e cinco para PS, PSD, CDS, BE e PCP. Alguém me explique onde está a justiça desta solução.

 

Um tribunal que decide que as televisões devem, para garantir a igualdade, organizar 136 debates ou está a brincar ou pensa que a melhor forma de defender a democracia é acabar com debates políticos na televisão. Com esta decisão, é isso que acontecerá daqui para frente. Todos igualmente invisíveis. Ficaremos com as arruadas e os tempos de antena.

 

Dir-me-ão: mas é assim mesmo que as coisas são. A justiça tem de ser cega e, já agora, idiota. É irrelevante se outro partido se queixou do mesmo e recebeu a decisão oposta, é irrelevante se a decisão é tomada num tempo em que é virtualmente impossível de cumprir, é irrelevante que dela resulte um absurdo. A resposta à providência cautelar de Garcia Pereira cumpre a lei. E eu pergunto: se a realidade é indiferente à justiça qual é a utilidade da justiça?

 

Publicado no Expresso Online

Pureza no Parlamento

Daniel Oliveira, 30.05.11
O circulo de Coimbra perdeu um deputado, pondo em risco a eleição de José Manuel Pureza, alguém que eu, como todos os que o conhecem, admiro, respeito e não quero deixar de ver no Parlamento. Não posso, porque sou de Lisboa, votar nele. Mas pode quem vota em Coimbra. Continuar a ver José Manuel Pureza no Parlamento é um dos meus principais desejos para estas eleições. Por isso gravei este depoimento de apoio ao Bloco de Coimbra. Talvez por sentirem o mesmo, muitas figuras independentes e conhecidos militantes socialistas da cidade fizeram o mesmo apelo. O voto em Pureza é duplamente útil: porque garante a eleição de um deputado que os eleitores conhecem e respeitam e porque não é um apenas mal menor.

Screamadelica/Primal Scream

Sérgio Lavos, 29.05.11

 

Bobby Gillespie é o homem que tocou bateria num dos grandes álbuns dos anos 80, Psychocandy, dos Jesus and Mary Chain. Só por isso, já teria lugar garantido na história da música pop. Mas esta circunstância é um pormenor, se olharmos para o que se seguiu. Insatisfeito com os humores etílicos dos irmãos Reid, decidiu começar a sua própria banda. Os Primal Scream. Depois dos álbum de 1987, Sonic Flower Groove, ainda marcado pelos sons noise guitar, versão Jesus ou Cocteau Twins, e pelo álbum de 1989, homónimo, cunhado pela influência do rock dos anos 60 (a que voltariam mais tarde), Bobby Gillespie descobriu o ácido. E em 1991, saiu Screamadelica. Fusão entre rock e música de dança, entre o house que os dj's passavam na hacienda e os discos dos Rolling Stones da década, Screamadelica é um acto de fé no poder de uma boa trip. Confessado mais tarde pela banda, cada álbum foi gravado sob influência de um droga diferente. Pouco interessa o que é a verdade. Queremos saber é do fantástico resultado final.

 

Desde a primeira faixa, Movin' on up, com refrão cantarolável, maracas e o delicioso coro gospel a elevar a voz drogada de Gillespie aos céus, o solo que não seria desdenhado por um Keith Richards nos seus piores dias, e o fabuloso final em fade out. Slip inside this house, uma cover de uma música de 1967 dos 13th Floor Elevators é a primeira incursão no house, samples, batida com um groove infeccioso, rock psicadélico com piano e mc à mistura. Depois, Don´t fight it, feel it, e estamos numa pista de dança de Ibiza, mas numa versão retro-marada: a voz funk de Denise Johnson, o piano eléctrico, os sons para chamar pelo povo. A pedir remistura mais electrónica, que aconteceu em várias versões. Depois da euforia da dança, a queda. Higher than the sun é a primeira canção perfeita do álbum, psicadelismo electrónico puro, uma viagem por um plano mais elevado, a voz de Gillespie a planar sobre uma batida trip-hop deslizante. E o loop final, já noutro universo. Mas a queda ainda vai mais longe, e o espírito regressa ao corpo. Inner Flight é o segundo momento de perfeição, um instrumental com aaah's e ooo's pelo meio, minimal, guitarra cristalina e som de flauta divinal (sintetizado) a conduzir a alma a lugares cuja existência preferiríamos desconhecer. E, claro, um sample de Brian Eno. Come Together é quase tão brilhante como a música com o mesmo nome dos Beatles. Um discurso do reverendo Jesse Jackson transformado em incitação às massas de um dj numa rave, digressões electrónicas analógicas e o refrão gospel repetido à exaustão. Um Deus profano a brincar com coisas sagradas - como o amor, a chave dos anos 60, a década que conduz todo o álbum. Depois, aparecem as palavras de Peter Fonda em Wild Angels, o sample acrescentado por Andy Wetherall, o produtor do álbum, para servir de mote para mais um ziguezague entre o house e o rock americano, batida madchester e secção de sopros elevando a música aos píncaros. O single de apresentação, canção pedrada, on the road como os anjos do Inferno do filme de Roger Corman (e o melífluo som do melotron pontuando o gospel em loop contínuo). Nancy Sinatra, de quem os Primal Scream fizeram uma cover alguns anos depois, é a outra estrela do filme. Tudo bate certo. A seguir, Damaged é a balada que qualquer álbum de rock tem de ter. Piano e guitarra, crescendo amoroso e desalinhado, pedrado e danificado, sintetizador de cabaré a acompanhar e solo quase bluesy embrenhado no lamento existencial. Um intervalo na euforia. A que se se segue a ressaca de I´m Comin'  Down, bater no fundo com saxofone e digressão de Gillespie pelos caminhos mais negros da alucinação psicadélica. A reprise de Higher Than the Sun, mais longa, a versão dub, arrastada, atmosférica, extraterrestre. A música original reduzida aos seus fundamentos sonoros, esqueleto exposto para as pistas de dança. A caminho do fim de festa. Saídos da discoteca, em pleno ar livre, as estrelas brilham (e, na minha memória, o rumor do mar mistura-se com as últimas notas da última música dançada na pista de dança). Shine Like Stars, a caminho do fim da noite. Grande final.

 

Vinte anos depois, os Primal Scream ainda andam por aí (e contam com a ajuda de um dos maiores baixistas de sempre, Mani dos Stone Roses). Vêm a Portugal tocar na íntegra Screamadelica, no Optimus Alive, no dia 7 de Julho. Vinte anos depois, continua a ser um grande álbum.

 

Screamadelica

Primal Scream

Lançado em 23 de Setembro de 1991 pela Creation

Produzido por The Orb, Hypnotone, Andrew Weatherall, Hugo Nicholson e Jimmy Miller

20 minutos

João Rodrigues, 29.05.11

A ATTAC-Portugal (Associação para a Taxação das Transacções Financeiras para a Ajuda aos Cidadãos), fazendo justiça ao objectivo de popularização do conhecimento económico crítico, que foi uma das justificações para a criação desta associação de âmbito internacional, teve a ideia de elaborar um documento intitulado a “crise portuguesa em dez minutos”: “a crise económica portuguesa não tem origem num «Estado gastador», não é só da «responsabilidade deste Governo» nem dos cidadãos «que vivem acima das suas possibilidades»” Dez minutos talvez seja o tempo que também demora a ler, no Portugal Uncut, a excelente resposta de Luís Bernardo, Mariana Avelãs e Nuno Teles à pergunta: Auditoria Cidadã à Dívida Pública - O que é? Trata-se de uma das propostas políticas que pode ajudar a superar o Estado predador, derrotando a aliança interna e externa que o suporta. Diagnóstico e alternativas porque “o inevitável é inviável”.

Voto fútil

Miguel Cardina, 28.05.11

 

O PS é um case study. Faz campanha a comentar as escorregadelas dos seus adversários para não ter de discutir as suas propostas; chama "caloteira" à esquerda que propõe a auditoria e a – mais tarde ou mais cedo, inevitável – renegociação da dívida, acusando-a de não querer "honrar os compromissos" com a banca alemã; acena com o “perigo da direita” como se não tivesse sido o PS o principal promotor do programa de austeridade e desmantelamento do Estado social assumido no acordo com a troika; aliar-se-á ao PSD ou ao CDS sem quaisquer problemas de consciência num futuro governo cujo programa-base demorou dezasseis dias a ser traduzido e disponibilizado em português. O PS está no direito de ser como é. Mas ter a lata de ainda assim apelar ao “voto útil” à esquerda, como o fez António José Seguro, ultrapassa os limites da decência. Ou será que quereria dizer “voto fútil”?

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