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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Obrigatório ler

Sérgio Lavos, 30.12.11

 

O relatório da Unesco sobre o projecto de construção da barragem do Tua, no Aventar. Pronto há seis meses, até agora nenhum jornal o tinha publicado (que surpresa) e tanto o ministério do Ambiente como a secretaria de Estado da Cultura se mantêm silenciosos sobre os pormenores do mesmo. A história de uma barragem que vai produzir apenas 0.6% da energia nacional destruindo irreversivelmente a paisagem envolvente e a histórica Linha do Tua, classificada como Património Mundial pela Unesco. Para além de incontáveis hectares de terra para a produção de vinho do Porto. Tudo para que uma empresa privada (neste momento, a 100%), a EDP, possa ter um lucro de dezasseis mil milhões de euros e os seus gestores recebam os prometidos bónus. Um caso exemplar do modo como funciona a rede de interesses económicos das empresas privadas e da sua relação com os partidos do arco do poder, PSD, PS e CDS. O problema não é haver excesso de Estado, como é evidente; é o Estado funcionar como canal de financiamento de projectos privados duvidosos que prejudicam os contribuintes e enchem os bolsos dos accionistas das empresas que deles beneficiam, assim como os dos gestores, quase sempre antigos governantes ou políticos destes três partidos.

 

(Via 5 Dias.)

Falta o Estado fazer a sua parte, mas a lei das rendas não podia ficar como estava

Daniel Oliveira, 30.12.11

 

A lei das rendas tinha de mudar. Apesar de, ao contrário do que se diz, elas já não estarem congeladas há muito e de, do meu ponto de vista, a tendencial liberalização de preços não ser a melhor solução.

 

O mercado de arrendamento está há muito doente. E, como resultado dessa doença, temos a expulsão dos jovens dos centros da cidade, excesso de endividamento para a compra de casa (com efeitos letais para a nossa economia) e situações de injustiça gritante. O pecado veio de longe. E depois de décadas de congelamento das rendas - uma medida do Estado Novo para garantir salários baixos que a democracia nunca conseguiu resolver - não é fácil mudar as coisas sem riscos sociais graves.

 

O Estado podia ter começado por tomar algumas decisões prévias.

 

A primeira: colocar no mercado de arrendamento milhares de fogos que são propriedade sua, sobretudo na capital, que tivessem um efeito nos preços exorbitantes que são praticados nos novos arrendamentos.

 

A segunda: reabilitar os centros urbanos, o que, para além de ser um excelente instrumento para a dinamização da economia (volto a repetir que o papel do Estado, em tempo de crise, é o oposto do que tem tido), valorizaria os centros das cidades.

 

A terceira: penalizar fortemente, através do IMI, os proprietários de fogos devolutos. Quem não tem capacidade financeira para manter um imóvel em condições para o arrendar ou para o ocupar tem de o vender a quem o pode fazer. Quem faz especulação imobiliária com prejuízo para o resto da sociedade tem de pagar caro por isso. Em várias cidades da Europa e dos EUA os impostos sobre fogos devolutos são de tal forma penalizadores que ninguém se dá ao luxo de ter uma casa vazia. Há cerca de 700 mil fogos devolutos no País. E este é também um factor decisivo na distorção do mercado de arrendamento.

 

A quarta: criar, em grande empreendimentos, uma percentagem de casas a rendas controladas. A solução é conhecida e permite uma regulação moderada por parte do Estado. Por fim, tenho muitas dúvidas se um momento de crise profunda será o melhor para mudar a lei das rendas.

A lei das rendas é complexa e as propostas estão ainda frescas. Por isso, é arriscado dar opiniões definitivas sobre elas. Ficam as ideias gerais, sujeitas a correção futura.

 

Parece-me correto que agilize o despejo quando há incumprimento prolongado (cinco rendas sucessivas ou intervaladas no espaço de um ano parece-me demasiado, tendo em conta os problemas sociais que vivemos), mas que este não seja automático. Sem alguma segurança os senhorios ou não põem fogos no mercado ou só os arrendam a quem dê garantias à cabeça. Resultado: os mais pobres, mesmo que cumpridores, têm dificuldades acrescidas em arrendar. Parece-me inteligente que a indeminização por despejo resulte de uma média entre a proposta do senhorio e do inquilino para a atualização. Isto obriga o primeiro a não fazer uma proposta demasiado alta e o segundo a não fazer uma proposta demasiado baixa. Despejos arbitrários e de borla, como, na prática, queria a Associação dos Proprietários, seriam um convite à arbitrariedade. Deixar tudo entregue a anos de luta jurídica, com demoras que levam um senhorio que cumpra as suas obrigações e não sejam rico à penúria, parece-me um convite à irresponsabilidade. Inquilinos e senhorios são cidadãos.

 

Parece-me acertado que se criem limites à atualização tendo em conta os rendimentos das famílias (10% de taxa de esforço para famílias que recebam até 500 euros, 25% por cento para famílias que recebam entre os 2.000 mil e os 2.500 euros). Só não percebo porque não se definem limites para escalões um pouco acima disto, que dariam, ainda assim, rendas bem decentes.

 

Parece-me justo que estas regras sejam diferentes para inquilinos com mais de 65 anos ou portadores de deficiência. Parece-me errado que obras de fundo resultem numa atualização automática. Fazer obras é uma obrigação do senhorio.

 

Preferia uma solução que passasse pela tabelação de preços - que existe em vários países europeus - e não pela liberalização do mercado. Recordo que temos vários mercados fortemente regulados. O das rendas deveria ser um deles. O que não significa nem pode significar que os senhorios sejam quem garante - com prejuízo seu ou com uma degradação do edificado - um direito que cabe ao Estado garantir. Entre a lei que temos e a liberalização há um mundo de possibilidades que não foram exploradas. Nem a habitação pode ser tratada como um qualquer outro bem e serviço (é um direito), nem os senhorios são o garante do Estado Social. E muito menos, como acontece em várias zonas urbanas mais envelhecidas, podem ser os jovens arrendatários a pagar por todos os inquilinos. Porque o resultado é a opção pela compra. E ela endivida os jovens e o País.

 

Não conhecemos a lei e ainda podemos ter muitas surpresas. Fico à espera dos pormenores para ter uma opinião definitiva. Mas confesso que esperava pior. Ela vai no sentido liberalizador e não encontro soluções por parte do Estado para, nos casos que acabem mal (e muitos, tendo em conta a crise social a que assistimos, vão acabar mal), garantir o direito à habitação. Não houve a coragem para o Estado fazer a sua parte para influenciar o mercado e para garantir o óbvio: que as rendas sejam mais baixas que a prestação que pagamos ao banco quando somos proprietários de uma casa. Mas também não alinho com quem acha que a lei das rendas podia continuar como estava. O preço social que temos pago por ela é demasiado alto para assobiar para o ar.

 

Publicado no Expresso Online

Empreendedorismo

Bruno Sena Martins, 29.12.11
A ode ao empreendedorismo sob a mistificação da 'crise como oportunidade' labora no vício neoliberal da competição individualista, do 'salve-se quem puder'. A crise é uma oportunidade, isso sim, para acabar com a lógica predatória cumprida e incitada pelo empreendimento capitalista. Uma oportunidade para a revolução. Empreendedorismo o caralho.

A democracia e a crise

Daniel Oliveira, 29.12.11

 

Hoje, quinta-feira, às 18.30, no Jardim de Inverno do São Luiz, em Lisboa. A última sessão das desconferências sobre o "fim da crise". Depois do amor e do dinheiro, a política. Coordenada por este vosso criado, contará com a participação de Viriato Soromenho Marques e Pedro Marques Lopes. O encerramento cabe a Ricardo Araújo Pereira. A saúde da democracia em Portugal e na Europa no meio desta crise. É mais ou menos à volta disto que andará a discussão.

TDT: pôr os pobres a gastar dinheiro

Daniel Oliveira, 29.12.11

 

 

O fim do sinal analógico e a transição para a Televisão Digital Terrestre, que começa a 12 de Janeiro e acaba a 26 de Abril, não podia calhar em pior altura. Muitos dos portugueses que não têm televisão por cabo e compraram o seu aparelho antes de 2009 - geralmente os que têm menor folga financeira, onde se incluem muitos idosos - terão de pagar um aparelho descodificador. São 77 euros mais IVA, com reembolso de 22 euros pela PT para os pensionistas com menores rendimentos e algumas pessoas mais desfavorecidas. Uma coisa chocante para os senhores da ANACOM: 55 euros é muito dinheiro para quem tenha reformas abaixo dos 300 euros ou para quem esteja desempregado. Pior: quem tenha um televisor sem tomada de interface SCART ou HDMI terá mesmo de comprar uma televisão nova ou um modulador de sinal RF, não comparticipado. E não podemos esquecer todos os que vivem nas zonas não cobertas pela TDT (cerca de 13% da população) que terão de de usar o satélite.

 

Não ponho em causa as vantagens da TDT para a modernização do sector. Mas elas não se farão sentir, de forma evidente, para a maioria dos consumidores. O sinal poderá ser melhor mas continuarão, apesar da despesa, a ter direito aos mesmíssimos quatro canais do costume.

 

Se a transição tecnológica não traz serviços novos e relevantes porque têm de ser os cidadãos a pagá-la?Parece, a quem tenha alguma noção das situações dramáticas que se vivem, no meio desta crise, por este país fora, que esta é uma despesa prioritária para as famílias? Se obrigam as pessoas a isto não seria normal darem-lhes qualquer coisa em troca? Um exemplo: se já pagamos a RTP nos nossos impostos não seria uma boa solução aproveitar as potencialidades da TDT e oferecer no pacote gratuito os restantes canais da televisão pública?Porque temos de pagar duas vezes (nos impostos e na subscrição por cabo) a mesma coisa?

 

Publicado no Expresso Online

"Tenho vida além da política"

Sérgio Lavos, 29.12.11

 

A semana que antecedeu o Natal foi um ver se te avias do Governo PSD/CDS, desmultiplicando propaganda pelos meios de comunicação: foi uma grande entrevista a Passos Coelho na TV; uma pequena entrevista a Paulo Portas também na TV; inúmeras solicitações a jornais e revistas de ministros e secretários de estado, incluindo algumas entrevistas de fundo de governantes que têm passado por questões polémicas, como Paula Teixeira Cruz (ao Público). Mas quem bateu aos pontos o bombardeamento dos colegas - para alguma coisa têm de servir as centenas de boys assessores plantados nos ministérios - foi o ubíquo e profícuo Miguel Relvas. Diariamente numa televisão perto de si, em conferências de imprensa, grandes entrevistas, visitas ao telejornal da RTP... enfim, para quê ter uma estação pública para a propaganda quando as agências de comunicação e os assessores de imprensa conseguem pôr a imagem de Relvas em todos os ecrãs e primeiras capas de jornais deste país?

 

Uma das entrevistas de fundo foi dada ao Expresso por esta criatura. Esta semana, uma carta de uma leitora a desmentir a afirmação de que o ministro da Propaganda tem vida além da política. Sabemos que a miríade de lugares ocupados em empresas privadas durante um percurso na política não é caso único, mas caramba, é preciso ter alguma lata para vir dizer que "tem vida além da política". A desvergonha é tanta que tudo é feito às claras. Surpreendente foi que Portugal apenas tenha baixado um lugar no índice democrático do Economist. Estamos em plena carburação de um período de nojo nacional. É fartar, vilanagem!

 

(Via Câmara Corporativa.)

2012 e 2013: os anos de todos os perigos

Daniel Oliveira, 28.12.11

 

 

"A Adidas estaria preparada para regressar às moedas locais". A frase é de Herbert Hainer, patrão da empresa alemã de equipamento desportivo. Claro que teve o cuidado de, logo depois, transmitir uma mensagem de otimismo. Mas a frase, impensável há uns meses, já é dita por grandes empresários em entrevistas públicas. O fim do euro já não é um absurdo inimaginável. Já não é um tabu. É uma possibilidade real. E anda muita gente a fazer contas a essa possibilidade.

 

O ano que começa no fim desta semana e o que se lhe segue decidirão o futuro deste continente. E esse futuro está pendurado no de uma moeda. Há passos que depois de serem dados não têm retorno. A União Europeia teria continuado a existir sem euro, mas depois dele ter sido criado é a União Europeia que morrerá se ele desaparecer. E se a UE morrer a Europa voltará, em plena crise, aos seus piores momentos. Todos os fantasmas do passado - que julgamos sempre, e sempre com engano, que foram ultrapassados - poderão regressar. Este pequeno continente, com demasiada história e ex-potências imperiais, não aguentará uma crise profunda em paz se cada um tratar de si.

 

Mas a Europa vive um dilema: salvar o euro sem mudar a sua arquitetura e sem democratizar a União terá o mesmíssimo efeito que deixá-lo. Se alimentarmos a ilusão que podemos salvar a moeda destruindo a economia e as democracias nacionais o fim será o mesmo, mas ainda mais destrutivo. Quem julga que pode sacrificar tudo em nome do euro não percebe o que tem de salvar ao salvar o euro. Só uma reconstrução das instituições europeias e da política económica e monetária da União poderá salvar a Europa do buraco em que se enfiou.

 

O que está em causa, neste momento, é muito mais do que a economia. É muito mais do que o modelo social europeu. É até mais do que a democracia. São 65 anos de paz. O que me espanta é que perante tamanhos perigos os povos europeus, sem exceção, insistam em eleger, um após outro, pigmeus políticos. O que me impressiona é que, sendo ainda possível travar a desgraça e havendo tanta gente consciente da sua iminência, caminhemos todos para o abismo como se a caminhada fosse inevitável.

 

Publicado no Expresso Online

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