Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Arrastão: Os suspeitos do costume.

Um Governo de cegos conduzindo cegos

Sérgio Lavos, 30.06.12

 

A posição de força de Espanha e de Itália antes do Conselho Europeu começa a clarificar algumas coisas.

 

Primeiro, que o poder de Angela Merkel na Europa foi, antes de mais, concedido pelos líderes europeus e construído sobre a tibieza de governantes como Sarkozy, Berlusconi e José Manuel Barroso. A partir do momento em que David Cameron recusou o pacto orçamental e em que Hollande ganhou as eleições em França, tudo começou a mudar. E até o tecnocrata não-eleito Mario Monti e o conservador Rajoy emergiram como opositores às políticas prosseguidas pela Alemanha. 

 

Mas a convergência de Rajoy e Monti não é ideológica nem táctica; é simplesmente a posição natural de defesa dos interesses dos países que governam. A Espanha e a Itália interessa que o resgate à banca seja financiado com juros mais baixos. E apenas com a ajuda dos mecanismos europeus de financiamento conseguiriam isto.

 

A reviravolta na posição de Merkel está a criar assim uma divisão profundamente injusta entre os países resgatados - Grécia, Irlanda, Portugal - e os outros países em dificuldades. Enquanto que por cá as medidas de austeridade empobrecem o país e prejudicam o objectivo de cumprimento do défice, em Espanha e em Itália o financiamento vai ser feito sem ter como contrapartida mais medidas de austeridade.

 

Os "mercados" gostaram do esforço de Itália e de Espanha. As bolsas tiveram um dia em grande e os juros dos dois países baixaram bastante. Em contrapartida, os juros de Portugal tiveram uma quebra marginal, não acompanhando a euforia geral.

 

Mas ainda assim, Pedro Passos Coelho persiste no seu posicionamento, ao lado de Merkel e de um austeritarismo que a própria chanceler alemã começa a repensar. Passos Coelho continua a insistir em políticas que são contrárias ao interesse do país. Espanha e Itália unem-se para se proteger; Portugal agacha-se para passar despercebido e a situação económica do país agrava-se drasticamente, a ponto de já não ser possível cumprir os objectivos do défice para este ano. A política de subserviência seguida pelo Governo PSD/CDS, para além de ser humilhante e anti-patriótica, é um erro político que está a destruir o país, a levá-lo para um abismo de onde vai ser muito difícil sair.

 

A culpa da miséria generalizada, da brutal contracção económica, do desemprego, não é externa. Não é a troika que devemos culpar pelo estado das coisas. Várias vezes Passos Coelho repetiu que as medidas de austeridade estavam no programa do Governo. E várias medidas de austeridade foram tomadas sem estarem inscritas no memorando de entendimento, e algumas vezes contra os conselhos da troika. E o essencial do memorando - renegociação das PPP's, corte na despesa - ainda está por ser feito. 

 

É na realidade um momento extraordinário, este que vivemos. Um momento em que um Governo eleito democraticamente governa contra o bem-estar geral da população, destruindo conquistas de décadas. Um momento de suspensão da realidade, entre a cegueira ideológica e a incompetência pura. Os indicadores económicos mostram que tudo está a falhar: o país está mais pobre, mais desigual e nem assim se consegue chegar perto do objectivo principal do Governo, reduzir o défice. Pior, a desigualdade e o empobrecimento estão a contribuir para que a meta do défice esteja cada vez mais longe. Mas o Governo insiste. Como alguém disse há uns tempos, o exemplo de Portugal, deste Portugal de agora, servirá para memória futura. Miseráveis de nós, portugueses e pobres, que somos cobaias desta experiência tresloucada. Se a História não cobrar a esta gente o que está a fazer ao país, cá estaremos nós para o fazer. Custe o que custar. Custe o que custar.

“Se tivesse dinheiro, comprava o Pedro Barbosa e punha-o a jogar no meu quintal, só para mim”.

Pedro Sales, 29.06.12

Lembrei-me desta frase, do Quinito, ao ver estes dois vídeos, compilando todas as acções do Pirlo nos jogos contra a Inglaterra e a Espanha neste europeu. Ainda falta o melhor, contra a Alemanha, mas estes dois já são tão bons, tão bons que quase puxam as lágrimas.

 

(vídeos retirados daqui, antes que o maradona se lembre de os apagar)

A Madeira depois de Jardim

Daniel Oliveira, 29.06.12

 

Não tenho nenhuma opinião especial sobre Monteiro Diniz. Não sei se ainda se lembram quem seja. Foi ministro da República na Madeira durante 14 anos. Sei que não lhe invejaria o lugar. Ocupar um cargo de necessidade e eficácia muito discutíveis (que o próprio defende que deve ser extinto), ser um enviado do poder central e, ainda por cima, tentar velar pela legalidade democrática madeirense, é coisa que nem se deseja ao pior inimigo. Saído do cargo o ano passado, Monteiro Diniz está a preparar um livro sobre a democracia na Madeira. Prometeu coisas que os madeirenses não quereriam ouvir. Eu quero, porque uma experiência de 14 anos de um olhar externo informado pode ajudar a repensar a autonomia à luz da preocupante experiência madeirense.

 

Numa entrevista ao "Diário de Notícias" da Madeira recorda o óbvio. E isso é bom, porque o óbvio é o que se esquece sempre: "O eleitorado madeirense não surge com o 25 de Abril, tem raízes históricas nas gerações anteriores e no atavismo da ancestralidade, que os atuais madeirense não deixam de ter presente na chamada memória colectiva de uma sociedade. (...) Estamos a falar das condições económicas da sociedade madeirense antes do 25 de Abril, com a colónia, com a insuficiência grande de condições de capilaridade social, com a emigração massiva. (...) Havia entre 60 as 70 mil bordadeiras de casa e o povo madeirense era despojado de qualquer ligação patrimonial, porque eram apenas colonos, que viviam com uma ligação à terra, do esforço do seu trabalho, os chamados 'vilões'. Havia depois uma pequena burguesia, com influência dos estrangeiros endinheirados, que passaram a dominar a vida económica e depois as mulheres bordavam e os homens vendiam os esforço do seu trabalho braçal. Não havia uma classe minimamente suportada na terra, que é isso que dá uma certa coesão social e uma capacidade crítica do sistema. Por outro lado, o 25 de Abril e a Constituição criou na Madeira um sistema de Governo parlamentar, que exigiria, para o seu funcionamento exato, uma estrutura sólida da classe média e mesmo que a classe média baixa fosse detentora de uma certa autonomia, de uma certa independência económica, para poder gerir e depois distribuir com total independência o seu voto no plano eleitoral. Não sucede isso porque é uma sociedade totalmente dependente."

 

A longa citação (com a qual só concordo parcialmente) serve para, antes de se falar de "jardinismo", percebermos que não há análise política que possa ignorar as condições históricas e sociais em que uma democracia se tentou impor na ilha. E que as da Madeira eram tudo menos favoráveis. A dependência dos madeirenses em relação ao poder político, a sua pouca autonomia e facilidade de ali se instalar o poder de tipo caciquista não resulta apenas do que foram os 34 anos de governo jardinista. Alberto João Jardim é mais consequência do que causa.

 

O antigo ministro da República dá a entender que a autonomia falhou. E mostra um sinal disso: "há uma certa impotência das pessoas que fazem reivindicação permanente junto da República, quando a República, a partir da constituição do sistema autonómico, entregou uma parcela importante do poder político à estrutura regional". E diz, aí sem tibiezas, que o sistema parlamentar na Madeira falhou, já que todo o poder se deslocou, ao contrário do que a Constituição previa, para o presidente do Governo Regional.

 

A Madeira mudou muito nos últimos 38 anos. Graças à autonomia e ao 25 de Abril e apesar de Alberto João Jardim. Sem ele, teria mudado muito mais e para muito melhor. Mas o atraso social e político é ainda brutal. Não há soluções mágicas para quebrar o ciclo de dependências sociais e das perversões políticas que resultam do poder absoluto de um homem e de um partido-Estado e o alimentam. Talvez parte da resposta possa vir com a sucessão de Jardim.

 

Miguel Albuquerque, presidente da Câmara Municipal do Funchal, é, segundo as sondagens, o sucessor o favorito para os madeirenses. Jardim não só não o suporta como tem feito uma campanha contra ele, a que ele tem reagido de forma clara e aberta. Coisa nunca vista no PSD Madeira. Albuquerque é filho do regime jardinista. Mas, sabemos pela história, os regimes são muitas vezes destruídos pelas suas próprias crias. E a brecha que Albuquerque está a abrir no jardinismo pode conseguir o que a oposição nunca sequer sonhou: que a Alberto João Jardim não suceda quem Alberto João Jardim quiser.

 

Mas mesmo que isto aconteça, falta o resto. Aquilo de que fala Monteiro Diniz: falta, para que a democracia madeirense atinja uma maturidade que lhe permita gerir a sua autonomia com alguma normalidade, que a sociedade madeirense mude muito. Não depende apenas da parlamentarização da Madeira - a que nem as atuais forças políticas da oposição parecem conseguir dar alguma credibilidade -, apesar disso ser importante. Não depende apenas de quem seja o sucessor de Jardim, apesar disso ser condição fundamental. Depende, acima de tudo, de opções económicas e sociais muito profundas. Miguel Albuquerque poderia significar o fim do jardinismo. Mas não sei se significará o começo de outra coisa.

 

Publicado no Expresso Online 

It's just a game

Sérgio Lavos, 28.06.12

 

Conclusões da noite:

 

- A criatividade (Pirlo, Cassano e Montolivo) e a indisciplina (Balotelli) do Sul venceram o rigor e a fiabilidade da Alemanha.

- Monti aplica a pressão alta.

- A chanceler chorou.

 

É só um jogo de futebol? Claro; mas na política, como no futebol, às vezes perde-se, às vezes ganha-se. Merkel começou a perder. E a Europa só tem a ganhar com as lágrimas amargas de Angela.

A troika faz mal às contas públicas

Daniel Oliveira, 28.06.12

 

O Governo previa que a receita fiscal do Estado crescesse 2,9%. A receita fiscal do Estado caiu 3,5% nos primeiros cinco meses deste ano por comparação com o mesmo período de 2011.Houve uma quebra de 5,9% nas receitas dos impostos indirectos. Até maio, as receitas fiscais tiveram uma redução de 480 milhões. Com estes resultados, é difícil continuar a insistir nos elogios à qualidade técnica de Vítor Gaspar. Está a falhar em toda a linha.

Muitas pessoas que, ao contrário dos "tecnocratas" de serviço, "não percebem nada de economia" e "não sabem fazer contas" avisaram: as medidas recessivas associadas ao aumento dos impostos (especialmente do IVA) resultariam num agravar da crise e numa perda fiscal. Ou seja, teriam o efeito oposto ao pretendido e criariam mais problemas ao cumprimento das metas do défice.

 

Infelizmente, os factos começam a tornar-se demasiado trágicos para que se continue a contrariar a evidência. E, tirando alguns indefectíveis, já ninguém, no seu perfeito juízo, acredita que este caminho resolva qualquer problema nas contas públicas. Já para não falat de tudo o resto, a começar pelo emprego.

 

Resta então o argumento de Paulo Portas: não há alternativas. Ou seja, já nem os que aplicam esta receita acreditam nela e limitam-se a dizer que, estando a fazer uma asneira, não se lembra de outra melhor. Mas há outros caminhos. Eles não passam é por o que está escrito no memorando da troika e obrigarão à negociação e reestruturação da dívida. Tudo o resto destruirá a nossa economia e aumentará o nosso défice público, obrigando a uma interminável espiral de endividamento. Uma espiral que, no fim, nos obrigará a incumprir, a renegociar e a, muito provavelmente, sair do euro quando já nada houver a fazer.

 

Sobre Portugal, ninguém pode usar o subterfúgio que se usa para explicar o desastre grego. Nós estamos a cumprir tudo. E é por isso mesmo que está a correr tão mal. Não basta continuar a tentar destruir ualquer alternativa que surja com o discurso preguiçoso da "inevitabilidade" e do "bom aluno" que tenta agradar à Alemanha e aos "mercados".É preciso aceitarmos, de uma vez por todas, que o que está a ser feito faz parte do problema e não da solução. Só depois de o compreendermos nos esforçaremos para, coletivamente, encontrarmos alternativas. Antes que seja tarde demais. Como é para a Grécia.

 

Publicado no Expreso Online

Destruição da Segurança Social - check

Sérgio Lavos, 27.06.12

Está a ser conseguido um dos objectivos deste Governo: destruir o Estado Social (e, recorde-se, sem que o défice seja reduzido).

 

 

Congresso Democrático das Alternativas

Daniel Oliveira, 27.06.12

Mais do que assinar mais um manifesto, envolvi-me, com a minha assinatura e com o empenho que pretendo emprestar a esta iniciativa, na convocatória para a realização de um Congresso Democrático das Alternativas. Alternativas à austeridade, ao saque ao Estado Social, à receita criminosa da troika e às políticas de um governo extremista.   Por agora, deixo-vos do texto da convocatória (apresentado ontem à imprensa) e o nome das primeiras 280 pessoas que a assinaram.

 

Resgatar Portugal para um futuro decente

 

“Só vamos sair da crise empobrecendo”. Este é o programa de quem governa Portugal. Sem que a saída da crise se vislumbre, é já evidente o rasto de empobrecimento que as políticas de austeridade, em nome do cumprimento do acordo com a troika e do serviço da dívida, estão a deixar à sua passagem. Franceses e gregos expressaram, através do voto democrático, o seu repúdio por este caminho e a necessidade de outras políticas. Em Portugal, o discurso da desistência e das “inevitabilidades” continua a impor-se contra a busca responsável de alternativas.

 

Portugal continua amarrado a um memorando de entendimento que não é do seu interesse. Que nos rouba a dignidade, a democracia e a capacidade de coletivamente decidirmos o nosso futuro. O Estado e o trabalho estão reféns dos que, enfraquecendo-os, ampliam o seu domínio sobre a vida de todos nós. Estamos a assistir ao mais poderoso processo de transferência de recursos e de poderes para os grandes interesses económico-financeiros registado nas últimas décadas.

 

Tudo isto entregue à gestão de uma direita obsessivamente ideológica que substituiu a Constituição da República Portuguesa pelo memorando de entendimento com a troika. E que quer amarrar o País a um pacto orçamental arbitrário, recessivo e impraticável, à margem dos portugueses. Uma direita que visa consolidar o poder de uma oligarquia, desmantelar direitos, atingir os rendimentos do trabalho (que não sabe encarar como mais do que um custo), privatizar serviços e bens públicos, esvaziar a democracia, desfazer o Estado e as suas capacidades para organizar a sociedade em bases coletivas, empobrecer o país e os portugueses não privilegiados.

 

Num dos países mais desiguais da Europa, o resultado deste processo é uma sociedade ainda mais pobre e injusta. Que subestima os recursos que a fortalecem, a começar pelo trabalho. Que hostiliza a coesão social. Que degrada os principais instrumentos de inclusão em que assentou o desenvolvimento do País nas últimas quatro décadas: Escola Pública, Serviço Nacional de Saúde, direito laboral, segurança social.

 

Este é um caminho sem saída. O que está à vista é um novo programa de endividamento, com austeridade reforçada. Sendo cada vez mais evidente que as políticas impostas pela troika não fazem parte da solução. São o problema. Repudiá-las sem tibiezas e adotar outras prioridades e outras visões da economia e da sociedade é um imperativo nacional.

 

Este é o tempo para juntar forças e assumir a responsabilidade de resgatar o País. É urgente convocar a cidadania ativa, as vontades progressistas, as ideias generosas, as propostas alternativas e a mobilização democrática para resistir à iniquidade e lançar bases para um futuro justo e inclusivo que devolva às pessoas e ao País a dignidade que merecem.

 

São objetivos de qualquer alternativa séria: a defesa da democracia, da soberania popular, da transparência e da integridade, contra a captura da política por interesses alheios aos da comunidade; a prioridade ao combate ao desemprego, à pobreza e à desigualdade; a defesa do Estado Social e da dignidade do trabalho com direitos.

 

É preciso mobilizar as energias e procurar os denominadores comuns entre todos os que estão disponíveis para prosseguir estes objetivos. Realinhar as alianças na União Europeia, reforçando a frente dos que se opõem à austeridade e pugnam pela solidariedade, pela coesão social, pelo Estado de Bem-Estar e pela efetiva democratização das instituições europeias.

 

É fundamental fazer escolhas difíceis: denunciar o memorando com a troika e as suas revisões, e abrir uma negociação com todos os credores para a reestruturação da dívida pública. Uma negociação que não pode deixar de ser dura, mas que é imprescindível para evitar o afundamento do país.

 

Para que esta alternativa ganhe corpo e triunfe politicamente, é urgente trabalhar para uma plataforma de entendimento o mais clara e ampla possível em torno de objetivos, prioridades e formas de intervenção. Para isso, apelamos à realização, a 5 Outubro deste ano, de um congresso de cidadãos e cidadãs que, no respeito pela autonomia dos partidos políticos e de outros movimentos e organizações, reúna todos os que sentem a necessidade e têm a vontade de debater e construir em conjunto uma alternativa à política de desastre nacional consagrada no memorando da troika e de convergir na ação política para o verdadeiro resgate democrático de Portugal. Propomo-nos, em concreto, reunindo os subscritores deste apelo, iniciar de imediato o processo de convocatória de um Congresso Democrático das Alternativas. Em defesa da liberdade, da igualdade, da democracia e do futuro de Portugal e do seu papel na Europa. E apelamos a todos os que não se resignam com a destruição do nosso futuro para que contribuam, com a sua imaginação e mobilização, para a restituição da esperança ao povo português.

 

Entre os mais de 300 subscritores desta convocatória (que podem ver na lista em baixo, apesar de lhe faltarem alguns nomes, que acrescentarei), há sindicalistas, deputados, militares de abril, jornalistas, académicos, dirigentes associativos, escritores, músicos, cineastas e cidadãos que se destacam pelo seu empenhamento cívico, com uma enorme abrangência política, social, etária e regional, com partido (do PCP, do BE e do PS) e independentes. Juntaram-se para organizar este congresso das oposições ao trágico caminho que a troika e o governo que quer ir para além dela impõem ao nosso país. Esperemos que o dia 5 de Outubro seja o começo de um processo que ajude a juntar pessoas em torno da construção de alternativas à austeridade. Em baixo, estão apenas os primeiros 300 promotores deste congresso. Espero que muito mais gente se envolva nesta tentativa de criar pontes entre pessoas que concordam em muito mais coisas do que por vezes julgam.

 

Fanatismo, despudor e incompetência

Sérgio Lavos, 26.06.12

 

"Sair da zona de conforto" tornou-se um dos lemas de um Governo a braços com um aumento do desemprego que, para além de não conseguir controlar, é olhado como uma praga que apenas se resolve subsidiando os patrões que estimulam a precariedade - o "Programa Estímulo 2012" - ou empurrando a geração mais bem qualificada do país para fora do barco. Incompetência na gestão de um problema agravado pelas políticas de austeridade e fanatismo ideológico nas escolhas políticas feitas são a face visível das políticas de emprego de Álvaro e dos outros governantes. Para além do mais, o que irrita mesmo é a sobranceria e o despeito com que estes políticos incompetentes olham para gente que é mais qualificada do que eles são, do que eles alguma vez serão. Jovens que estudaram, licenciaram-se, fizeram mestrados, muitos doutoraram-se e mesmo assim não conseguem encontrar trabalho na sua área de formação. Muitos jovens que acabam cursos com médias elevadas e têm de arranjar emprego muito abaixo das suas qualificações, sujeitando-se a uma precariedade agravada pela crise - os relatos de patrões que, aproveitando a desculpa do clima económico, abusam dos seus direitos, multiplicam-se. Jovens que, na altura em que poderiam ter-se inscrito numa juventude partidária do centrão e terem a garantia de um tacho perpétuo, preferiram estudar, pensando que essa deveria ser não só a melhor maneira de arranjar trabalho, mas sobretudo porque acreditavam que uma formação de excelência seria mais importante do que os conhecimentos em determinados meios.

 

Ainda assim, há inúteis que continuam a vergastar esta geração de precários subaproveitados. E depois olhamos para o currículo desta gente, e é o espanto, ou melhor, a confirmação de que os jovens que estudaram estavam redondamente enganados. Desde o primeiro-ministro Passos Coelho, que passou uma vida à sombra de cargos arranjados pelo partido ou pelo padrinho Ângelo Correia, até Miguel Relvas, que subiu na hierarquia política à conta também da sua passagem pela JSD e aproveitando as vantagens que o uso do avental lhe trouxe, há poucos governantes e políticos de destaque cuja carreira política se deva única e exclusivamente ao seu currículo académico ou profissional. E os partidos do centrão - PSD, PS e CDS - continuam a produzir fornadas de inúteis parasitas do Estado (e que não se cansam de pedir menos Estado), forjados nas juventudes partidárias, gente que, se não fosse este cadinho de boys, poucas possibilidades teria de se evidenciar ou ter uma carreira, gente que realmente nunca saiu da "zona de conforto" proporcionada pelos partidos a que pertence.

 

A última criatura a entrar neste invejável rol é o deputado-maravilha do CDS-PP, Michael Seufert de seu nome, que em entrevista ao P3 volta a exortar os jovens a sairem da sua zona de conforto. A cabeça, para além de sugerir que até aos 30 anos não sejam feitos descontos para a Segurança Social, repete a frase: "É evidente que há pessoas que precisam de sair da sua zona de conforto". E o currículo deste "empreendedor", qual é? A frequência de um mestrado* e uma carreira como jotinha que teve como cúmulo a passagem pela liderança da Juventude Popular. Parece que a principal preocupação deste produto do carreirismo partidário é o empreendedorismo. O que me parece fantasticamente acertado, tendo em conta o percurso profissional de tão brilhante deputado. Sim, são pessoas assim que estão a decidir por nós no parlamento e no Governo. Gente que tem uma opinião sobre a vida das pessoas sem saber minimamente o que é na realidade viver. Uma afronta ao mandato que receberam do povo. Uma vergonha. 

 

*Parece que terá sido uma licenciatura pré-Bolonha que se transformou num mestrado pós-Bolonha com o passar do tempo. 

 

Adenda: para que fique claro, não está em causa, por si só, o currículo de quem quer que seja, nem a escolha de quem se dedica a tempo inteiro a uma carreira política, mas a contradição entre ideias políticas e esse currículo. Não sei como alguém pode ter cara para defender o empreendedorismo quando na sua própria vida não arriscou um milímetro que fosse para além da sua carreira partidária. Da mesma maneira que é preciso ter bastante cara-de-pau para acusar pessoas com currículos académicos e/ou profissionais imaculados de não saírem da sua "zona de conforto". Sobretudo durante este período em que o crédito para começar novos projectos empresariais é uma miragem e em que o risco das coisas correrem mal num novo negócio é bastante elevado. Deve-se mesmo dizer que só quem nunca passou por um projecto empresarial de risco é que pode defender com tal desplante o "empreendedorismo". Teorias de quem olha para a economia real sem nunca com ela ter contactado e através do prisma do enviesamento ideológico desmiolado.  

Costa, um amigo para todas as estações

Sérgio Lavos, 26.06.12

António Costa, que se tem destacado nos últimos tempos na defesa de Miguel Relvas na Quadratura do Círculo e por mandar a polícia vandalizar casas ocupadas, continua na sua senda de ajustes directos. Desta vez, 19000 euros para António Mega Ferreira realizar um estudo sobre museus. Em tempos de crise e de controlo de dívidas das autarquias, a única razão possível para este luxo é a maquia que poderá terá entrado nos cofres da câmara directamente da conta de Belmiro de Azevedo pelo aluguer da praça do município a porcos, vacas e outros animais, aqui há umas semanas. Assim é o futuro candidato a primeiro-ministro do outro partido do centrão dos interesses. A malga é grande, dá para todos os amigos.

Pág. 1/9