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Arrastão: Os suspeitos do costume.

O bluff alemão

Daniel Oliveira, 26.06.12

 

Depois de criticar as políticas espanholas, portuguesas, gregas e italianas, o governo alemão reagiu mal às críticas de Obama à forma calamitosa como a Europa está a gerir a sua crise. E, claro, mandou os Estados Unidos preocuparem-se com o seu défice. Apesar de toda esta arrogância, continua a fazer caminho a ideia de que devemos compreender o comportamento alemão. Os contribuintes germânicos estão fartos de pagar por os erros dos outros. A ver se nos entendemos: a Alemanha tem enormes responsabilidades por esta crise, lucra com ela, mas tem imenso a perder com o fim do euro.

 

Quanto às fortíssimas responsabilidades do poder político alemão pela crise do euro, deixo para um outro texto. Aarquitetura desta moeda é, no essencial, de inspiração alemã. E os desequilíbrios comerciais na Europa, alimentados por uma contenção salarial na Alemanha que visou criar um mercado aberto de uma só via, ajudaram a agudizar a crise.

 

Muitos sofrem com a pobre Alemanha, que alimenta fluxos de dinheiro que desaguam em Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda. Dinheiro que serve quase exclusivamente para Estados e bancos nacionais pagarem as suas dívidas. Esquecem-se que o principal destinatário final desse dinheiro é a banca alemã (e algumas outras do centro da Europa). Ou seja, que não são os alemães que estão a pagar o resgate de Estados europeus, são os europeus que estão a pagar o lucro da banca alemã.

 

A banca alemã foi a principal benificiária dos endividamentos públicos de alguns países e do endividamento privado de muitos bancos europeus. Quando a senhora Merkel acusou a Espanha de irresponsabilidade, na última década, imagino que pensando na enorme bolha imobiliária que a banca alimentou, esqueceu-se de incluir nessa crítica a banca do seu próprio país, que andou a jogar no mesmíssimo negócio. Chegada a hora de pagar factura, grande parte dos 100 mil milhões que foram despejados nos bancos de Espanha acabarão nos cofres dos bancos alemães (e franceses, britânicos e belgas). Têm pena dos alemães que estarão a pagar a factura dos outros? Não precisamos de fazer um grande esforço para desmentir este mito: O Deutsche Bank teve um lucro de 8.000 milhões de euros em 2011. Entre 2009 e 2011, em plena crise financeira e do euro, os lucros do principal banco alemão aumentaram 67%. Percebem agora para onde está a ir o dinheiro?

 

Quando muita gente avisa que um dia destes os alemães se podem cansar de portugueses, espanhóis, gregos, irlandeses, italianos... enfim, de toda a Europa, e seguir o seu caminho, não deixo de me comover com tanta ingenuidade. Sim, os portugueses ou os gregos sofrerão muito com uma saída do euro. Mas, apesar da tragédia que sobre eles se abaterá, recuperarão capacidade de determinar as suas políticas monetárias, fiscais e económicas, agora decididas em Berlim. Se o euro acabar, a Alemanha perde tudo. Até por uma razão simples: foi ela quem mais ganhou com ele.

 

Segundo um documento interno, que está nas mãos do ministro das Finanças alemão e chegou à imprensa, o fim do euro significaria, para a Alemanha, uma queda em 10% do seu PIB, logo no primeiro ano, e um desemprego que atingiria pelo menos cinco milhões de pessoas. A mim, confesso, estas previsões até me parecem optimistas. A coisa é um pouco mais grave: sem o euro, a Alemanha tornar-se-ia, num mundo globalizado, virtualmente irrelevante. Seja como for, uma fonte não identificada do Ministério das Finanças Alemão explicou ao "Der Spiegel" que, "comparando com esse cenário de rotura da zona euro, qualquer resgate parece um mal menor". Uma informação que os vários Estados europeus devem reter.

 

Dirão: se a Alemanha ganhou mais com o euro, com o mercaodo único e com os erros alheios, foi porque soube tratar de si. Concordemos com esse raciocínio. Mas temos de o levar até ao fim: se a Alemanha soube usar as fragilidades dos outros para lucrar com elas, que tal os outros fazerem o mesmo com a Alemanha? E a sua fragilidade é a sua absoluta dependência em relação ao futuro do euro e a sua enorme exposição às dívidas públicas e privadas europeias. Têm muito a perder com o fim do euro? Então paguem a factura da vossa própria sobrevivência. Os seus bancos sofrerão muito com o incumprimento no pagamento das dívidas de Estados e bancos? Então ajudem a Europa a sair desta crise ou preparem-se para sofrer as suas consequências.

 

Na realidade, nós estamos todos a pagar para a Alemanha manter, numa Europa disfuncional, um poder económico para o qual não tem, sem a União e o euro, dimensão. E está na altura de pensarmos como um alemão e dizermos à senhora Merkel: ou faz parte da solução ou prepare-se para umas décadas de penúria. Quer mesmo arriscar o fim do euro? Não? Então ponha-se fina. O problema é que temos todos sido os anjinhos no meio de um jogo de poker. Está na altura de desfazer o bluff alemão.

 

Publicado no Expresso Online

A lata

Sérgio Lavos, 25.06.12

"Tolerámos cumplicidades entre a esfera pública e a esfera dos negócios". - Vítor Gaspar, há minutos no debate da moção de censura do PCP. Tem toda a razão:

 

José Luís Arnaut e Miguel Moreira da Silva.

 

Eduardo "Pentelho" Catroga e Celeste Cardona.

 

Manuel Frexes e Álvaro Castelo-Branco.

 

Sérgio Monteiro e Ferreira do Amaral.

 

Miguel Relvas.

 

BPN.

 

Etc., etc.

"2012 vai marcar um ponto de viragem" - Vítor Gaspar, há precisamente 149 dias

Sérgio Lavos, 25.06.12

 

A cada nova revelação dos números da execução orçamental, confirma-se a ideia: o país está cada vez mais pobre, mas nem assim o défice de 4.5% irá ser atingido.

 

Passos Coelho e Vítor Gaspar prometeram-nos: a cura de austeridade - "além da troika", disse o primeiro-ministro várias vezes - era necessária ao abrigo do programa da troika. E fundamental para se atingir a meta do défice e assim voltar aos mercados em 2013. Mas Vítor Gaspar falhou. Redondamente, criminosamente. A meta não irá ser atingida, como muita gente previu, tanto à esquerda como à direita. E ninguém poderá levar a sério o ar de surpresa de Gaspar. As consequências de uma política de empobrecimento seriam sempre estas. Aqui no Arrastão inúmeras vezes escrevemos: a austeridade leva a uma contracção da economia, o que significa mais desemprego, aumento das despesas com as prestações sociais, quebra das receitas fiscais, tantos os impostos sobre o consumo como sobre os rendimentos. Os aumentos sobre o IRS, IRC e IVA redundaram num contraproducente fracasso. O que o Governo esperava obter a mais esfumou-se com a crise. E bem pode Vítor Gaspar culpar a conjuntura económica: é mentira. O resgate internacional levou a que os juros da dívida baixassem ao longo do tempo. A injecção de capital feita pelo BCE em Novembro passado permitiu que Portugal respirasse um pouco mais. Mas nem esta descida nos juros se deve a políticas do Governo: se o BCE não tivesse actuado, ainda estaríamos nos mesmos níveis que estávamos em Janeiro. E o crescimento das exportações - a menina dos olhos que também não se deve a políticas deste Governo - abrandou no mês passado.

 

Em dia de vitória da selecção, Vítor Gaspar confessou o seu falhanço. Mas a cada novo falhanço, o Governo aponta na mesma direcção - o abismo. No final do conselho de ministros extraordinário, Paulo Portas - quem terá obrigado o ministro dos submarinos a, por uma vez, dar a cara pelo Governo? - disse que a melhor notícia é terem já passado seis meses. Sem nada de bom para dizer, Portas refugiou-se na vulgaridade insultuosa. Os cálculos eleitorais do Governo deixam de fora o milhão de desempregados, os milhares de empresas em processo de insolvência ou a passar por dificuldades, os pobres cada vez mais pobres. O ideal seria, sabemos bem, que todos emigrassem. Para que o fardo das prestações sociais fosse um pouco reduzido e para que continuassem a crescer as remessas em dinheiro entradas no país.

 

E enquanto isto, os boys continuam a ocupar lugares no Governo e na administração pública. Enquanto isso, privatiza-se as empresas que dão lucro e guarda-se lugares na administração para as pantanosas criaturas que brotam do aparelho dos partidos. E enquanto isso, pressiona-se jornalistas, mente-se com todos os dentes e trafica-se influências a favor de amigos, confrades de avental e membros do partido.

 

2012 vai sem dúvida marcar um ponto de viragem.

Um homem não chega para mudar um país

Daniel Oliveira, 25.06.12

 

Fernando Lugo, um ex-bispo relativamente moderado mas apoiado pela esquerda na sua eleição, foi deposto do lugar de Presidente do Paraguai. Apesar de se terem cumprido, formalmente, todos os requisitos legais, a deposição-relâmpago do presidente eleito, em apenas 30 horas, por causa de 17 mortes num conflito entre a polícia e sem-terra, foi considerada, na generalidade dos países latino-americanos, como um golpe de Estado. E o novo governo tenta agora romper o quase completo isolamento internacional.

 

A esquerda latino-americana (e não só) que pretenda transformar uma realidade social injusta de forma mais radical está consciente de uma coisa: não tendo o apoio das elites económicas e das elites políticas tradicionais, nunca lhe chega uma vitória eleitoral. Independentemente do que se pense sobre cada um dos presidentes eleitos, as tentativas de golpes de Estado na Venezuela e na Bolívia e os golpes nas Honduras e, há mais de três décadas, no Chile, são um aviso de que nunca se podem esquecer: aqueles que se lhes opõem não desistem de os derrubar por todos os meios.

 

Mas não é apenas isto. As transformações a que se propõem exigem um apoio popular organizado. São terrivelmente difíceis e para as conquistar não chega deter um poder formal que será subvertido - como foi nas Honduras e no Paraguai - à primeira oportunidade. Nem chega o carisma dos seus líderes. Não chega ser, como Lugo era chamado antes das últimas eleições, "o bispo do povo". É preciso que esse poder esteja apoiado numa forte base social, organizada e combativa. E para ela existir são precisos resultados concretos.

 

Claro que Lugo, como Zelaya, Allende, Chavez ou Evo Morales, tiveram do seu lado, ao contrário de Fidel e Raul Castro, a legitimidade do voto. Mas quem quer ir mais longe tem de ter do seu lado a democracia em ação. E a democracia, pelo menos para governos desta natureza, passa por iniciar a democratização real das sociedades dos seus países.

 

Lugo caiu e não teve, nesse dia, mais de 500 pessoas a manifestar-se por ele. Caiu e apenas 4 senadores votaram contra este golpe. Caiu e teve de aceitar a sua queda sem resistência. Caiu e nem o partido que o apoiava, o Partido Liberal Radical Autêntico, uma força tradicional paraguaia sem qualquer história de combate social, esteve do seu lado. Isto porque a vitória de Lugo não resultou de um movimento político estruturado e com implantação popular. Lugo venceu por causa de Lugo. E Lugo não chega para defender Lugo.

 

Para vencer eleições e tudo ficar na mesma basta um homem que vença uma eleição. O resto já lá estará, nas elites económicas e políticas, para o defender. Para mudar um país um homem não chega. E esta, entre muitas outras, é a razão porque desconfio de movimentos personalistas de esquerda, como, por exemplo, o "chavismo". Há uma grande diferença entre um movimento social e político e um movimento carismático. Um depende do poder que as pessoas conquistam para si próprias, o outro depende do poder que um homem providencial momentaneamente lhes ofereça. E o personalismo tem sido um dos maiores pecados da esquerda latino-americana.

 

Fernando Lugo caiu por causa de um confronto entre as forças policiais e camponeses sem-terra. Ou pelo menos esta foi a razão que a oposição, maioritariamente de direita, apontou para a sua queda. A verdade é que, em quatro anos de poder, a realidade agrária do Paraguai não mudou. 1% dos proprietários continua a deter 77% das terras - 351 proprietários detêm 9,7 milhões de hectares -, enquanto 40% dos pequenos proprietários rurais, camponeses, tem apenas 1%. 350 mil famílias rurais vivem em acampamentos de barracas.

 

Quando venceu as eleições, Lugo prometeu nacionalizar 8 milhões de hectares para depois os distribuir entre as 300 mil famílias sem-terra. Não cumpriu e a situação até piorou. Como muito bem escreveu o jornalista Clóvis Rossi, da Folha de São Paulo, "se Lugo alguma culpa tem nessa história, não é a de ter ordenado ou provocado o incidente, mas o de não ter conseguido fazer a reforma agrária que prometeu ao assumir em 2008". Assim como não conseguiu inverter a situação relativa ao Tratado de Itaipu, assinado com o Brasil, que permite ao Paraguai usar metade da energia produzida por aquela central eléctrica, que garante 20% das necessidades energéticas do Brasil. Continua, tal como antes, a usar apenas 5% (que garantem 95% das suas necessidades) e a vender o resto a preço de custo.

 

Se tivesse feito a reforma agrária e mudado a política energética não teria contado com a oposição que contou? Seria bem pior. Mas seguramente estariam, do seu lado, bem mais do que 500 manifestantes. E sua destituição administrativa teria sido bem mais difícil. É esta a lição: a quem queira governar pelos mais fracos é indispensável o voto dos mais fracos. Mas ele não chega. Precisa do apoio ativo e organizado dos mais fracos. Quem nada quer mudar pode desiludir quem nele vota. É quase da natureza das coisas. Mas quem se prepara para um combate tão difícil, como o de destruir as estruturas que garantem uma pornográfica desigualdade, precisa de contar com o apoio comprometido dos destinatários das suas políticas.

 

Publicado no Expresso Online 

 

"Estamos contentes convosco"

Daniel Oliveira, 23.06.12

 

"Como sabe, eu sou bancário, do BES, que é quem paga o meu salário – o único que tenho e que faço questão de manter. Por isso, antes de formalizar a candidatura, fiz questão de ter uma reunião com o doutor Ricardo Salgado, a quem transmiti, de forma transparente, a minha intenção. Naturalmente que ele, enquanto presidente da comissão executiva do BES, desejou-me sorte e disse que era também um factor de prestígio para o BES ter um dos seus colaboradores como secretário-geral da UGT."

Carlos Silva, candidato à liderança da UGT.

Retirado do 5 Dias

 

Estranho sindicalista que se refere a si próprio como "colaborador" (irá a a UGT passar a chamar-se UGC?) e faz questão de tornar público que, na sua candidatura à liderança de uma central sindical, teve o aval do seu patrão. 

Obrigado (actualizado)

Daniel Oliveira, 23.06.12

É a segunda vez que o "Jornal de Angola", órgão oficioso do governo de José Eduardo dos Santos, Isabel dos Santos e restante elite de generais-empresários, me dedica um texto repleto de insultos. Como a da primeira vez, tomo-o como um enorme elogio. Sobretudo as partes em que me tentam dar lições de liberdade de imprensa. A antipatia dos capachos de qualquer ditadura deve sempre ser vista como um sinal de decência.

 

PS: Seguramente por humildade, o autor desta prosa, homem corajoso - mas não o suficiente para assinar com o seu nome -, identifica-se com um nome falso. Segundo fiquei a saber, o senhor chama-se, na realidade, Artur Queiroz (conhecido simpaticamente em Angola como "o pai da censura no jornal de Angola" e o "tuga mercenário") tem tantos heterónimos, masculinos e femininos, que um tipo se perde. Usa-os para insultar quem se atreva a criticar o dono, com especial atenção para angolanos que, ao contrário dele, cumprem as suas obrigações de jornalista. Acontece que à multiplicação de heterónimos não correspondem estilos diferentes - o seu talento não chega para tanto - e os seus pseudónimos têm sempre o rabo de fora. Queiroz é luso-angolano, veio para Portugal em 75, andou pelas bandas do PRP e dedicou-se, nas páginas de jornais nacionais, a ferozes críticas ao governo angolano. Há dez anos voltou a Angola, abandonou os devaneios de juventude e fez pela vida. Arranjou trabalho como consultor no JA e tem como única função queimar, com a proteção da primeira dama, gente incómoda para o regime. Ganha a vida a fazer fretes (na gíria jornalística costuma-se usar outra expressão) à ditadura angolana. Mas tem vergonha do que faz. Não é mau sinal. Quer dizer que ainda tem alguma noção do triste papel que reservou para a sua vida. Para ficar a saber mais, vale a pena ler estes textos de Reginaldo Silva, um velho jornalista angolano, várias vezes preso depois de 1977.