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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Um redondo e estrondoso falhanço

Sérgio Lavos, 31.08.12

 

Vejamos o resultado prático de medidas deste Governo para aumentar a receita e tornar lucrativas empresas públicas - para vender mais tarde, claro, mas isso é apenas um pormenor.

 

Nos últimos dias, foram tornados públicos os números relativos ao primeiro semestre da Carris, do Metro, da Transtejo e da STCP. Em Novembro passado, a Carris e o Metro aumentaram substancialmente o preço dos passes e dos bilhetes. O resultado imediato foi uma quebra brutal no número de passageiros comparativamente ao mesmo período do ano passado: a Carris perdeu 25 milhões de passageiros (menos 21.1%); a Transtejo 1.5 milhoes e o Metro 11.5 milhões de passageiros (cerca de 12.5%). Mais grave é a quebra na venda dos passes para a 3.ª idade. Depois do Governo ter decidido baixar o desconto de 50 para 25%, foram vendidos menos 41000 assinaturas, o que corresponde a uma quebra de 17%. A insensibilidade social desta decisão é gritante. Os idosos estão, de facto, a ser abandonados pelo Estado para o qual descontaram durante uma vida de trabalho. E o pior é que o resultado destas medidas socialmente criminosas não foi o equilíbrio financeiro das empresas públicas. Antes pelo contrário: a STCP perde seis milhões de passageiros e passa de lucro a prejuízo em menos de um ano

 

O imparável aumento do desemprego e a acentuada diminuição do rendimento disponível nas famílias, aliados à pornográfica subida no preço dos transportes decidida pelo Governo PSD/CDS, apenas poderiam ter como resultado o que se está a assistir. As pessoas escolhem cada vez mais ir para o trabalho a pé, de bicicleta ou partilhando o carro com colegas. Certamente que o Governo não estaria a pensar no contributo das suas políticas para a melhoria no estilo de vida dos portugueses - estamos a comer menos, porque temos menos dinheiro para alimentação, e a praticar mais exercício físico, porque os combustíveis precisam de continuar caros para engordar as contas em off-shores dos accionistas da Galp. O qualidade do ambiente também piorou: com mais gente a utilizar o transporte individual em vez do colectivo, certamente que a poluição não terá sido reduzida. E a cereja no topo do bolo, qual é? Estas empresas não estão a conseguir atingir o seu objectivo de equilíbrio financeiro, o que funciona claramente como espelho da austeridade além da troika aplicada por Coelho, Portas e Gaspar: um redondo e estrondoso falhanço. Estamos todos de parabéns.

Paul Ryan, Ayn Rand e a hipocrisia intrínseca ao neoliberalismo

Sérgio Lavos, 30.08.12

 

Na América, a loucura está a atingir níveis nunca vistos no campo Republicano, após a nomeação de Paul Ryan para candidato a vice-presidente há umas semanas. Ryan é um espécimen especial no espectro político americano: um auto-denominado "libertário" que defende o fim do Obamacare e a descida dos impostos dos mais ricos, assim como a proibição do aborto em qualquer circunstância, incluindo a violação. Claro que o campo da extrema-direita do Tea Party delira, não tanto por causa das posições conservadoras no que diz respeito aos costumes (entrando em absoluta contradição com as ideias libertárias), mas sobretudo porque o corte nos impostos sobre os mais ricos, caso se concretizasse, poderia beneficiar em muito os milionários que financiam essa facção extremista.

 

Por cá, foi também recebido com êxtase comedido pelos nossos conservadores/liberais/direitistas: José Manuel Fernandes entusiasmou-se e os Insurgentes andam animadíssimos - Ryan vem preencher o vazio emocional deixado pela não nomeação de Ron Paul no ticket Republicano. Ryan é também conhecido pela confessa admiração por Ayn Rand, uma escritora de ficção científica que, nas palavras de Christopher Hitchens, "escreveu romances transcendentalmente maus", e uma suposta filósofa desprezada por toda a gente da filosofia, cuja principal contribuição para o pensamento ocidental foi a defesa do "objectivismo", a doutrina que advoga o egoísmo como máxima virtude do ser humano - como diz Hitchens, uma realidade concreta que dispensaria os inúmeros tomos escritos por Rand sobre ela. Uma das suas frases mais conhecidas é "o altruísmo é o Mal" - no kidding. Em termos político-económicos, defendia o Estado mínimo e a total liberdade económica - também conhecida por selvageria capitalista. A sua oposição a qualquer tipo de apoio social aos mais desfavorecidos redundou num irónico (e trágico) revés no fim da sua vida: doente de cancro, e sem possibilidade de pagar os caríssimos tratamentos, acabou por recorrer a apoios sociais - Medicare e Segurança Social - durante os últimos cinco anos da sua existência, o que só vem provar que a defesa do individualismo e do fim do Estado Social apenas resulta para quem é suficientemente rico para não precisar do Estado Social.

 

Stephen Colbert nunca teve tanto material para o seu programa, como se pode ver no vídeo. Deus abençoe os hipócritas em geral e os libertários em particular. Sem eles, isto não teria tanta piada.

A revolução salazarenta continua em marcha

Sérgio Lavos, 30.08.12

 

A notícia de ontem, que confirma o projecto de Nuno Crato que prevê a obrigatoriedade dos alunos com mais de duas reprovações seguirem o ensino vocacional, mostra até que ponto este Governo está empenhado em regressar a tempos antigos, quando um filho de criado estava destinado a ser apenas criado, por muitas capacidades que tivesse, e um filho do senhor doutor seria sempre também senhor doutor, fossem quais fossem as aptidões mostradas. É uma escolha claramente ideológica que reafirma uma visão do mundo retrógada, promovendo a desigualdade no acesso às oportunidades e uma sociedade classista e com uma reduzida mobilidade social. Esta crónica de André Macedo no DN é bastante elucidativa sobre as razões que motivam Crato, o economista:  

 

"O ministro da Educação quer desenvolver o ensino vocacional. Muito bem. Como seria bom que os estudantes pudessem escolher formações técnicas capazes de lhes transmitir (também) um saber profissional. Como seria excelente que estes cursos respondessem (também) às necessidades do mercado de trabalho. Como seria bom que não se desperdiçasse recursos atirando para cursos superiores pessoas que não os querem fazer. Já se pensou no tempo que poderíamos poupar? Na inteligência, energia e talento que um plano assim libertaria? Aposto que seríamos um país mais feliz e competitivo.

Mas se é assim tão evidente, porque nunca se deu este passo como deve ser? Porque será que a concretização se revela tão difícil? Porque será que as famílias e os alunos evitam esta escolha? A resposta está no projeto macabro de Nuno Crato. De acordo com o ministro, quem irá para estes cursos? Ora bem, além dos voluntários - coitadinho, tem 14 anos, mas não dá para mais... -, os que chumbarem duas vezes no ensino secundário também têm o destino traçado. É um castigo: és uma besta, vais já para jardineiro; sim, terás mais uma oportunidade para voltar ao ensino regular, mas para já ficas-te por aqui. Depois, se passares os exames do 9.º ou 12.º anos, logo veremos.

Não há dúvida: se a via profissional é apresentada como uma punição, é lógico que poucos - entre os bons e talentosos - quererão juntar-se a este gueto onde a qualidade será ridiculamente baixa. É lógico que só as famílias mais pobres ou desinformadas aceitarão este afunilamento precoce, cruel e estúpido das perspetivas. Os outros nem por um segundo pensarão em seguir este caminho (a segunda divisão!) que o próprio Governo se encarrega à partida de desvalorizar. O que isto revela de Nuno Crato é apenas um terrível cheiro a naftalina.

Na Alemanha, pátria do ensino vocacional, ninguém é chutado da "escola regular". Não se fecham portas. Não se elevam barreiras aos 14 anos em lado nenhum do mundo civilizado. Avaliam-se competências, oferecem-se alternativas. Não se apressam escolhas à reguada. A ligação às empresas é uma das maneiras de fazer isto com algum êxito: são as associações de empresários que, na Alemanha, ajustam a oferta de cursos profissionais às necessidades do mercado. Não há rigidez, há flexibilidade e oportunidade - a oportunidade de, na idade adequada, estagiar numa empresa. É por isso que 570 mil alunos alemães se inscreveram nestes cursos em 2011, contra os 520 mil que preferiram a universidade. Não foi porque lhes enfiaram orelhas de burro na adolescência.

Nuno Crato vive preocupado em exibir autoridade. Quer chumbar, punir, travar. Vê a escola como um centro de exclusão, não como espaço de desenvolvimento de competências sociais, culturais e técnicas - com regras, competição e exigência. Não tem um plano educativo desempoeirado: sofre de reumatismo ideológico. Engaveta os alunos. Encolhe o País. Reduz a riqueza. É matemático."

 

Adenda: em relação à segunda parte da crónica, encontrei no blogue Boas Intenções, mantido por uma portuguesa residente na Alemanha, objecções que me parecem importantes, sobretudo porque reforçam como é errado o modelo (?) proposto por Crato. Fica aqui o post:

 

"Este texto, hoje tão celebrado por essa internet fora, é mais um exemplo do mesmo - a análise é boa, a crítica é justa, a segunda parte é ou ignorância ou é demagogia. E, com um acesso tão facilitado à informação como aquele que temos hoje em dia*, não sei se há uma verdadeira distinção entre ignorância e demagogia - são duas facetas diferentes do vale-tudo argumentativo e da falta de exigência e honestidade intelectuais que tornam possível o triunfo dos Nunos Cratos desta vida.

(*os relatórios da OCDE por exemplo podem ser lidos em várias línguas e são muito claros quanto às consequências da separação das vias de ensino e aos resultados de diferentes modelos de separação das vias de ensino, independentemente da sua permeabilidade. No caso específico da Alemanha, o país da OCDE que em conjunto com a Áustria separa as crianças mais cedo, aos 10 anos, os números reais da permeabilidade entre vias de ensino são irrisórios, a desigualdade é preocupante e os indicadores sugerem uma muito reduzida mobilidade social, com muito poucas crianças cujos pais não tinham formação universitária a frequentarem cursos superiores - em 2012 mais de dois terços dos estudantes universitários alemães eram filhos de pais com educação superior e só 2% vinham de agregados familiares cujos pais tinham apenas concluído uma educação profissional ou a Hauptschule, a menos exigente das três vias de ensino. É este sistema que André Macedo pinta de cor de rosa como o paraíso do ensino vocacional)"

Um bando de canalhas sem perdão (2)

Sérgio Lavos, 30.08.12

"Centro de refugiados em Loures transformou-se 'num depósito de pessoas'. (...)

 

«A partir de Setembro de 2011 é que foi o descalabro completo, quando a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa [SCML] deixou de apoiar e de receber estas pessoas. Também os processos na Segurança Social, daqueles que já têm o estatuto de refugiado, são muito morosos. A protecção destas pessoas não é só admiti-las. Implica dar-lhes condições de dignidade para refazerem as suas vidas e um apoio mais continuado», frisou, à agência Lusa, a presidente do Conselho Português para os Refugiados (CPR). (...)

 

Com capacidade, no máximo para 50 utentes, o Centro de Acolhimento de Refugiados da Bobadela, em Loures, tem actualmente mais de uma centena, entre adultos e crianças.

 

Alguns dormem em colchões colocados directamente no chão em salas de formação. A sobrelotação e a falta de condições criam uma situação potencialmente perigosa também no aspecto sanitário.

«Há aqui uma questão de saúde pública que é gravíssima. Com todas estas pessoas, não se pode assegurar as condições de salubridade e de saúde pública. Há crianças que adoecem, há adultos que têm um episódio mais complicado de saúde e que precisam de ir para o hospital. Além de serem vítimas de stresse pós traumático e de apresentam sinais de grande instabilidade e revolta», vincou Teresa Tito de Morais. (...)

 

Para Teresa Tito de Morais a sobrelotação do CAR da Bobadela poderia ser evitada ou reduzida, caso um equipamento que está pronto, estivesse a funcionar, e tivesse sido cumprida uma promessa do ministro Pedro Mota Soares.

 

«Temos um centro [para crianças refugiadas], inaugurado a 15 de Maio [em Lisboa], pronto para receber um conjunto de crianças, mas que por falta de verbas não está a funcionar. Poderíamos transferir as crianças que estão aqui para o novo Centro e aliviávamos a tensão do CAR da Bobadela», considerou.

 

Além disso, referiu, «o senhor ministro da Solidariedade prometeu ao CPR que iria dar ordens para que os centros de reabilitação espalhados pelo país, recebessem os mais velhinhos, com 16,17 anos. Até hoje nada foi feito», lamenta.

 

No CAR da Bobadela encontram-se 25 crianças acompanhadas pelos pais e mais 23 menores sozinhos, que perderam os familiares. Estes últimos, com idades entre os oito e os 17 anos."

Serviço público (7)

Sérgio Lavos, 29.08.12

 

As séries da idade de ouro da televisão americana têm sido exibidas na RTP2. Com uma ou outra excepção: por exemplo, House, que passou na TVI sempre depois da meia-noite, depois do enlatado de telenovelas; ou Lost, que passou pela SIC em horário mais agradável*. Lembremos que a maioria destas séries é exibida nos EUA em horário nobre - apesar de as melhores serem menos vistas, sendo produzidas pelos canais por cabo. É claro que podiam passar na RTP1, e quase que aposto que algumas das que têm passado no 2.º canal teriam audiências bastante razoáveis. No entanto, a aposta existe e é da estação pública. Para bem e para o mal, podemos ver o melhor da ficção produzida em território americano - e muitas destas séries são melhores do que a maioria do cinema que actualmente sai de Hollywood - graças a uma consciência de programação para além dos critérios comerciais. Mad Men, Sete Palmos de Terra, Dexter, Os Sopranos, Californication, etc. etc.

 

*Pelos visto, não passou na SIC, mas sim na RTP1. Enganei-me, porque confesso que nunca acompanhei a série, tendo apenas visto alguns episódios que me emprestaram em DVD. De resto, esta informação apenas reforça o que eu escrevi.

Serviço público (6)

Sérgio Lavos, 29.08.12

O Monty Python Flying Circus (Os Malucos do Circo na versão portuguesa) passava na RTP2, às 20h00, à hora do telejornal do canal 1. Lembro-me bem porque acabei por ver poucos episódios nessa passagem - havia apenas um televisor em casa, e o telejornal acabava sempre por ganhar nas preferências da família. Eu teria 11, 12 anos, mas um grupo de colegas na escola, fãs dos Python, levou-me a que tentasse também acompanhar a série. Ainda bem que fui pressionado pelo grupo. Se os mais geniais humoristas de sempre aparecessem agora, algum canal privado compraria a série? Resposta fácil: não. A britcom continua a passar na RTP2, agora como há 30 anos atrás. Poder-se-á dizer: mas agora há cabo e DVD's. Pois: um quarto dos portugueses* continua sem acesso à televisão por cabo - e muitos estão a desistir por causa das dificuldades financeiras - e os DVD's estão cada vez mais inacessíveis pelas mesmas razões.


(Dedico este sketch aos nossos governantes, em especial ao nosso querido ministro Miguel Relvas.)

 

*corrigido.

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