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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Cavaco vintage

Daniel Oliveira, 28.03.13

 

"É estimulando, apoiando e dando visibilidade a empresas como estas, e não através de uma retórica inflamada e vazia de conteúdo, que se defende o interesse nacional e se contribui para a recuperação económica e para o combate ao desemprego." Assim, no facebook, como de costume e ao seu melhor estilo, o Presidente responde a Sócrates fingindo que não lhe está a responder. Nunca de frente, porque a frontalidade nunca fez o seu género. Sempre fingindo ao debate, sempre confundido a Nação com a sua pessoa, os seus interesses com os interesses do País. Sempre dissimulando as respostas. Quando o insulto, a calúnia e a acusação servem os seus interesses, não hesita em mandar outros, às escondidas, tratar do assunto. Quando é ele que está lem causa, lembra-se das empresas e do emprego, como se a sua inimputabilidade política fosse condição para o crescimento económico.

 

E sempre apelando à ausência de debate político. Um homem que acha que “duas pessoas sérias com a mesma informação têm de concordar" será sempre incapaz de compreender a essência da democracia. Porque, para ele, que nunca se engana e raramente tem dúvidas, o debate é uma perda de tempo. Mas, num país tão longe da cultura democrática que valoriza o confronto como forma de chegar às melhores opções, habituado ao sebastianismo político e amante de pais tiranos, está longe de ser o único.

 

No entanto, lembro-me de alguma vezes em que Cavaco Silva cedeu à retórica inflamada que agora, quando tem as respostas que não queria, o incomodam. Na sua tomada de posse, quando ainda achava que os sacrifícios tinham limites. No dia em que foi reeleito, em que mostrou como lhe é incompreensível a ideia de que para ocupar um lugar tem de passar pela humilhação de se confrontar com outros. No prefácio que escreveu quando a ausência do adversário que atacava impedia qualquer resposta. Este é o mesmo homem que mandou o seu ajudante de campo Dias Loureiro carregar em quem se manifestasse contra ele mas fugiu de pequenas manifestações à porta de escolas secundárias. O mesmo que sempre recusou, enquanto primeiro-ministro, participar, no Parlamento, em qualquer debate com os seus opositores. Este é o drama de Cavaco: toda a vida foi e será um cobarde. E não há defeito que mais me incomode num homem ou numa mulher do que a cobardia. E num político, ele é especialmente insuportável.

 

Confesso que a parte que realmente gostei na entrevista de Sócrates foi a que dedicou a esta personagem. Sócrates pode ser um aldrabão, um incompetente, um cata-vento. O que quisermos. Mas pelo menos, justiça lhe seja feita, sempre os teve no sítio (se me desculpam a brejeirice que alguns poderão considerar sexista).

Cedo demais

Daniel Oliveira, 28.03.13

FOTO DE ENRIC VIVES-RUBIO/PÚBLICO


Quando a Europa se prepara para deixar que o insignificante Chipre cumpra o papel que a Grécia desempenhou no início desta crise e quando o Tribunal Constitucional se prepara para, no cumprimento das suas obrigações, tornar todas as previsões do governo numa derradeira anedota, dando o pontapé de saída para uma crise política, o País parou para falar do passado.

 

Independentemente das responsabilidades que cada um pense que tem na situação do País, compreende-se que José Sócrates tenha sentido a necessidade de se defender. Mas essa defesa, na situação em que estamos, serve-nos de pouco.

 

Sim, a entrevista de Sócrates acabou por ter alguma utilidade. Ao rever o que se passou há dois anos, poderia ter contribuído para desfazer alguns lugares-comuns que o primarismo que domina a política e o jornalismo portugueses transformaram em verdades feitas que não resistem ao mínimo de objetividade. Até o fez, do ponto de vista argumentativo, com alguma eficácia.

 

Mostrou o absurdo de tentar explicar a crise com um suposto despesismo. Exibiu a aldrabice dos números que se apresentam sobre o défice e o endividamento público, que juntam o período de 2005 a 2007 ao da crise internacional, em 2008, a que correspondeu perda de receitas fiscais e aumento dos juros. Não deixou que o PSD continuasse a fingir que as Parcerias Público-Privadas não lhe dizem respeito. Conseguiu mostrar porque é que a austeridade nos deixa ainda mais longe dos objetivos que diz pretender. Lembrou o comportamento irresponsável de Passos Coelho em 2011. Denunciou, no seu melhor momento na entrevista, a inenarrável falta de sentido de Estado do Presidente da República. Desse ponto de vista, Sócrates poderia dar lições da António José Seguro.

 

Deixou muito por explicar: o congelamento por dois anos dos ordenados da função pública para os poder aumentar em ano de eleições; a nacionalização do BPN; a falta de discurso europeu que o manteve até ao chumbo do PEC4 numa posição acrítica e servil; a política de austeridade que ele próprio começou com os PEC e que agora considera errada. E foi criativo na cronologia da crise, fingindo umas vezes que nada sabia em 2009 e outras que tudo já estava a acontecer no início de 2008.

 

Na argumentação, Sócrates esteve bem. Mas o problema é que Sócrates é Sócrates. O ódio que deixou em muita gente seguramente sentiu-se de novo em cada frase agastada, num homem que, no seu estilo, nada mudou. E o ressentimento de muitos portugueses não está preparado para argumentos, números e factos. Qualquer racionalidade no seu discurso esbarra com a irracionalidade de quem o ouve.

 

Ao concentrar, neste preciso momento, o debate político no seu legado, acabou por prestar um bom serviço à narrativa que queria contrariar: quando o presente lhe dá razão, põe o País a falar do passado. Quando estamos prestes a fechar um ciclo, Sócrates fez tudo começar de novo. O passado é demasiado próximo para ser analisado com justiça. O reaparecimento de Sócrates, no momento ajudou a confundir o que já devia ser claro: o clamoroso falhanço deste governo e da troika que Passos Coelho tanto desejou.

 

Publicado no Expresso Online




O animal feroz

Sérgio Lavos, 28.03.13

1) O PSD, o CDS e Cavaco Silva (aquele que hoje denunciou, sem se rir, colocando a sua melhor cara de pau, a "intriga política") tinham razão para estarem preocupados com o regresso de Sócrates. Sobretudo o CDS, que reclamou contra a sua escolha pela RTP.

 

2) Dois anos depois, Sócrates conserva todas as suas qualidades e todos os seus defeitos. Continua a preparar-se de forma superior para as aparições em público, estuda os dossiers, sabe conduzir a entrevista e controlar o seu ritmo, falando apenas do que quer que seja falado, e nos seus termos. Também continuam presentes a arrogância e a crispação - Paulo Ferreira foi quem mais sofreu com isso.

 

3) Tudo somado, olhando para Sócrates percebemos por que razão António José Seguro nunca se conseguirá afirmar como líder da oposição. E percebemos também que ao estilo untuoso e bem colocado de Passos Coelho - perigoso na sua essência porque as mentiras passam de forma mais açucarada e agradável - terá de se opôr um estilo combativo e truculento, capaz de se afirmar fugindo ao ramerame da moleza da actual oposição.

 

4) Todos sabíamos que Cavaco Silva é o sonso mais bem sucedido da vida política portuguesa. O político profissional há mais tempo no activo, sem nunca deixar de se fazer passar por não político; o intriguista que tece na sombra as sombras do seu poder; e o egocêntrico inseguro que tenta pairar acima da sujeira da política. José Sócrates fez muito bem em atacá-lo directamente, afirmando num palco bem visível o que já se vinha sendo dito em surdina há muito tempo. Cavaco conspirou para fazer cair o Governo de Sócrates. E não foi apenas em 2011. Antes das eleições de 2009, já o tinha tentado. Nunca deixou de fazer letra morta do dever de isenção a que a sua função obriga, tentando derrubar os dois governos de Sócrates, mas também continuando a manter este Governo em funções, apesar do descalabro do país. Cavaco não só não está acima da política, como não está, de modo algum, acima dos partidos. E demonstrar esta evidência terá sido o maior contributo desta entrevista. 

 

5) Daqui para a frente, o Governo não vai poder dormir descansado com os comentários semanais de Sócrates. Hoje já deu a entender o que aí vem, querendo falar dos erros de governação que estão a ser cometidos. Foi pena que os dois entrevistadores - uma vez mais, com uma prestação fraca - não o tenham deixado desenvolver esse tema. Dificilmente regressará à política activa, mas será muito importante na definição do debate público. Se a sua contratação foi uma jogada do Dr. Relvas, o tiro terá saído pela culatra. Mais um, de resto. A continuar assim, o Governo não durará muito. E não cairá; sairá com benzina, porque é uma nódoa.

Sebastianismo de pernas para o ar

Daniel Oliveira, 27.03.13

 

Regressado de uma ausência de dez dias, contava encontrar o País a descutir a situação no Chipre (assunto que se debatia e que eu próprio tratei no "Expresso" quando parti) ou a situação em que Portugal ficará quando o Tribunal Contitucional tornar este Orçamento inviável (que só pode ser resolvida com a queda do governo). Afinal a excitação erao regresso de José Sócrates pela mão da RTP de Miguel Relvas. Sobre as razões de Sócrates para aceitar tal convite e os efeitos que este terá no PS já demasiadas teorias da conspiração floresceram. Prefiro concentrar-me nas reações a esta notícia e nas suas razões profundas. E de caminho fazer um último (seria bom que fosse o último) balanço da governação socrática.

 

Morais Sarmento, ministro do governante que abandonou um País porque lhe ofereceram um melhor lugar na Europa, definiu o regresso de Sócrates como sinal de ser um "homem sem vergonha". Medina Carreira, que grita hoje exatamente o oposto do que antes gritava sobre a austeridade, acompanhou o coro. Esther Mucznik veio mesmo comparar a contratação de Sócrates pela RTP com a exibição de um cartaz de Hitler numa escola, usando a pornografia argumentativa para apelar à censura. E há até uma petição, lançada por um líder local do CDS, contra a contratação de Sócrates como comentador político.

 

Tenho todas as dúvidas sobre as vantagens desta nova moda de ex-líderes partidários serem comentadores políticos. Mas esta absoluta originalidade nacional parece ter aceitação pública. Se assim é, não vejo porque sejam as opiniões de Marques Mendes, Marcelo Rebelo de Sousa ou Francisco Louçã mais merecedoras de atenção do que as de José Sócrates. Se houvesse alguma dúvida sobre a relevância das opiniões de Sócrates ela estava respondida pela excitação que tal anúncio provocou. Alguém perdeu cinco segundos a debater o facto de Santana Lopes ser comentador televisivo? A televisão pública podia ter Marcelo a fazer comentário político e não pode ter Sócrates? Agora a censura faz-se através de petições? Só temos direito a ouvir quem um determinado grupo de pessoas aprecia?

 

Opus-me ao governo de Sócrates e não me arrependo de o ter feito. O seu estilo autoritário; a sua falta de consistência política, que tantas vezes o fez ziguezaguear; a sua táctica de dividir para reinar, transformando, à vez, funcionários públicos, professores, profissionais liberais, juízes e sindicatos em culpados pelos males do país, isolaram-no. Teve, no entanto, uma vantagem sobre a maioria dos seus antecessores: foi a votos e aceitou os custos da sua derrota. Ao contrário de Soares, Cavaco, Guterres ou Durão Barroso, não deixou para outros o papel de cordeiros para sacrifício. Se há virtude que valorizo é a coragem. E essa ninguém consegue negar a José Sócrates.

 

Os seus PEC's foram os preliminares da política que está a esmagar o País. E só tarde demais parece ter percebido como a política de austeridade só nos poderia enfiar num buraco. Não, o seu erro não foi aumentar a dívida, que, como qualquer pessoa informada e séria sabe, resultou do aumento dos juros a partir de 2008, fruto da crise internacional. As leituras simplistas sobre a crise portuguesa ainda poderiam ser toleradas há dois anos. Agora, com tudo o que sabemos sobre o que se passa na Europa e sobre os efeitos da austeridade em Portugal, elas só podem ser repetidas por má-fé.

 

Como quase todos os governantes, Sócrates fez coisas boas e coisas más. É ele o principal responsável pela abertura de novos mercados para as nossas exportações, que o atual governo usa como a única bandeira que sobra de alguma esperança para o País. Foi ele que, por impreparação ou cegueira, foi incapaz de ver, a partir de 2008, os sinais do que aí vinha. Foi ele que, nas negociações com a troika, ainda deu alguns sinais de querer defender alguns interesses nacionais, enquanto Passos e Catroga jogavam tudo na intervenção externa, que inevitavelmente levaria a uma crise política que lhes daria acesso ao "pote". Foi ele que fez tudo para enfraquecer a sociedade civil e degradar o ambiente democrático que agora tanta falta fazem para resistir aos abusos de poder de quem nos governa. Sócrates foi, na minha opinião, um mau primeiro-ministro. Mas não foi o responsável pela crise económica portuguesa, grega, cipriota, italiana...

 

A minha dúvida é esta: porque causa José Sócrates tanta urticária? Ao ponto de tanta gente, passados dois anos do início de um massacre social levado a cabo pelos que diziam que já chegava de sacrifícios, nem o querer ver na televisão. Três razões.

 

A primeira: foi com ele que a troika entrou em Portugal, que a crise desabou sobre os portugueses e que chegámos a um beco sem saída. Esta é a razão respeitável e compreensível.

 

A segunda: Sócrates tem um estilo que os portugueses não apreciam e que, no centro-esquerda, é raro. É direto, truculento e combativo. Esta é a única razão porque tenho, apesar de nunca ter votado nem alguma vez me imaginar a votar nele, alguma admiração pela figura. Antes um Sócrates desagradável do que vinte Cavacos sonsos e trinta Passos melosos. Sócrates semeou, por boas e más razões, muitos ódios e paixões. E isso apenas quer dizer que existiu. Deus nos livre de políticos consensuais ou indiferentes.

 

A terceira: com o PS dominado pela moleza de quem o dirige e a indecisão de quem gostaria de o dirigir, o regresso de Sócrates assusta.  Por concentrar o debate num passado que se quer esquecido ou por mostrar a ineficácia do atual líder do PS e dos seus supostos opositores internos. Tanto faz.

 

Fui opositor de Sócrates. Foi a sua paixão pela "terceira via" de Tony Blair (o suicídio ideológico da esquerda), o seu entusiasmo acrítico pelo Tratado de Lisboa (a última machadada no projeto europeu), o seu estilo autoritário (um pecado em democracia) e os seus PEC's (que aceleraram a crise) que me levam a não simpatizar com o seu legado. Masnão faço coro com os que o criticam por supostamente ter defendido o investimento público (que a União Europeia aconselhou aos Estados membros até à 25ª hora) ou por alegadamente ter tentado adiar a intervenção externa que se adivinhava trágica. Seria, da minha parte, uma desonestidade política.

 

Não faço coro com o antisocratismo dos que sempre sonharam com a revolução neoliberal que está a destruir este País. Porque sei que a demonização do anterior primeiro-ministro apenas dá jeito a quem não quer assumir as responsabilidades das decisões que agora toma.

 

Escrevi, quando Sócrates era primeiro-ministro: "E tudo se resume a livrarmo-nos de Sócrates. São sempre tão simples os dilemas nacionais: encontra-se um vilão, espera-se um salvador. Sócrates foi um péssimo primeiro-ministro? Seria o último a negá-lo. Mas, com estas opções europeias e a arquitetura do euro, um excelente governo apenas teria conseguido que estivéssemos um pouco menos mal. Só que discutir opções económicas e políticas dá demasiado trabalho. Discutir a Europa, que é 'lá fora', é enfadonho. É mais fácil reduzir a coisa a uma pessoa. Seria excelente que tudo se resumisse à inegável incompetência de Sócrates. Resolvia-se já amanhã". Não retiro uma palavra. Até porque o presente mostra como tinha razão.

 

Publicado no Expresso Online

O bom filho à casa torna

Sérgio Lavos, 26.03.13

Jorge Silva Carvalho, o ex-espião que passou documentos secretos a empresas privadas, espiou jornalistas, enviou clippings ao Dr. Relvas e deu sugestões para o programa de Governo, vai voltar a trabalhar directamente com o Dr. Relvas, seu confrade maçónico. Certamente que esta "contratação" terá a aprovação de maçons como Nuno Magalhães, líder da bancada do CDS-PP, e Carlos Zorrinho, líder da bancada do PS. E de certeza que tem o beneplácito do seu irmão da loja Mozart, Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD. Até pode acompanhar o irmão Relvas dando um jeitinho nas reuniões com João Proença, outro irmão de avental que tudo fará para manter este Governo em funções. O bom filho à casa torna.

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