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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Desvario e loucura

Sérgio Lavos, 26.03.13

Sabemos que a direita opinativa bateu no fundo quando compara o espaço de comentário oferecido a José Sócrates na RTP com a tolerância de uma escola perante um cartaz com Hitler. Quem é a autora de tal feito? Esther Mucznik, a propagandista da causa israelita que anda há anos a defender o apartheid palestiniano e que comete a proeza de, numa penada, desvalorizar os crimes do nazismo, ao compará-los com as políticas (certas ou erradas) dos governos socialistas, e equivaler Hitler e Sócrates, produzindo um dos mais absurdos argumentos reductium ad hitlerum de sempre. E sugerindo ainda a censura de Sócrates - de resto, repetindo uma ideia que outros comentadores de direita têm vindo a defender. Tudo isto numa crónica que pretendia ser uma denúncia justa dessa tal situação ocorrida numa escola. O desvario da direita perante o regresso de Sócrates é tão surreal que começo a achar que Sócrates fez bem em voltar à política neste momento. Afinal, esta direita neocon está com medo de quê?

O comentário político e a idiotia

Sérgio Lavos, 24.03.13

António Guerreiro (no Ipsilon de sexta passada) sobre a nova febre alienadora nacional, o comentadeirismo:

"Um dos paradoxos do nosso tempo pode ser formulado desta maneira: ao mesmo tempo que os géneros  jornalísticos tradicionais estão em crise e os jornais entraram numa fase de estertor, o jornalismo triunfa por todo o lado. Ele devorou grande parte da literatura – essa grande prostituta, por conta da “reportagem universal” – e engole como um ogre a política. Segundo um novo hábito em expansão, quem saiu de cena como político reentra e recicla-se como comentador. A esta legião de comentadores frenéticos e eloquentes, juntou-se esta semana, depois de uns anos sabáticos na gestão empresarial, a figura de Jorge Coelho. O ritual reiniciático que a SIC lhe proporcionou começou com um anúncio promocional que o coloca em pose de pensador, ornado de espírito e de interioridade reflexiva, sublimado por uma nauseabunda estetização. Lateralmente, noticia-se que “Jorge Coelho volta à política”, o que significa: sub specie commentatoris. E o próprio comenta, em preâmbulo a todos os seus comentários futuros: “Está a saber-me bem”. A televisão – e todo o jornalismo de largo espectro a que ela passou a servir de modelo – acredita que pode fabricar um intelectual do comentário político a partir de matéria-prima tão escassa como é a cabeça pensante de Jorge Coelho (que, não sejamos injustos, está à altura de grande parte dos seus colegas de ofício). Temos de concluir que a actualidade do vienense Karl Kraus, na sua luta contra os processos jornalísticos de fabricação da “opinião pública”, se mantém intacta, um século depois. E a estes processos chamava ele “corrupção”, que é uma palavra hoje reservada para aquilo que os media denunciam, mas não para o que eles realizam, por exemplo ao iludirem – e eludirem –  a incompatibilidade fundamental (sobretudo quando é praticada em larga escala) entre o exercício do comentário político e a função que, fora dele, desempenham os seus oficiantes. Mas o que é, afinal, essa “ciência” do comentário político, tal como ele é praticado? Trata-se de um discurso parasitário que reduz a política a mera gestão (isto é, que a confirma e conforta naquilo em que ela de facto se tornou), onde se fazem análises e profecias que não saem do jogo das tácticas e das estratégias. É tudo um jogo, no qual os comentadores falam de um lugar em que se representam como detentores do monopólio da objectivação pública. A resposta a dar-lhes deve consistir em tornar a lógica deles reversível, isto é, em objectivar os detentores do monopólio da objectivação. Devemos então começar por verificar que aquilo a que eles se dedicam e a que chamamos comentário tem o alcance de uma estereotipada fraseologia. A fraseologia define-se pela elaboração de um discurso vazio, mas  que “pega”, como se costuma dizer, por via de um certo uso da frase: o comentário político tem na frase ( e não na elaboração argumentativa mais longa) a sua unidade linguística de “pensamento”. Por isso é que os comentadores fornecem sempre frases para serem citadas no dia seguinte (veja-se o caso de Marcelo Rebelo de Sousa). Sabemos, pelo menos desde Flaubert e do seu Dictionnaire des idées recues, que aquilo a que ele chamou a bêtise, e que podemos traduzir por “estupidez”, reside na frase, no modo como ela se presta à repetição vazia. E foi a pensar precisamente na frase (a proferição eufórica que, em última análise, se traduz sempre por um “aqui estou eu”), enquanto modalidade essencial da estupidez, que Marx escreveu uma vez que esta é o direito consuetudinário de uma opinião."

A crise portuguesa em 10 minutos

Miguel Cardina, 24.03.13

 A ATTAC atualizou o documento "A crise portuguesa em 10 minutos". Vale a pena ler e partilhar. Como diz a ATTAC no seu site,

 

Sucedem-se diariamente as explicações para os problemas das finanças nacionais, dadas pelos economistas do costume. As teorias que levaram Portugal ao abismo económico são reproduzidas diariamente.

 

Por isso surge este documento. Porque a crise económica portuguesa não tem origem num «Estado gastador», não é só da «responsabilidade deste Governo» nem dos cidadãos «que vivem acima das suas possibilidades».

 

Para compreendermos as verdadeiras causas dos problemas do país temos de recuar no tempo e analisar o conjunto de decisões políticas, tomadas nos últimos anos, justificadas por teorias económicas bastante em voga e enquadradas por premissas ideológicas que têm sido hegemónicas nas últimas décadas.

 

Este documento identifica igualmente os impactos da política de austeridade, finalizando com a apresentação de alternativas que podem e devem ser seguidas.

 

Estamos empenhados no ATTAC À CRISE!

Estado da arte

Sérgio Lavos, 23.03.13

 

[...] Hoje temos a pouca sorte de assistir à "criação ao vivo", como se a literatura fosse uma matança do porco, em directo. Temos, enfim, poetas muito mediáticos, gente deveras talentosa e os cagalhões ampliados da Joana Vasconcelos. Uma colorida tristeza, se virmos bem. [..]

- Manuel de Freitas, em CÓLOFON,
Lisboa: Fahrenheit 451, 2012

 

Foto tirada ontem, num palácio nacional perto de si.

Tristeza e Esperança

Miguel Cardina, 23.03.13

 

A última vaga de manifestações originou uma mudança no discurso relativo ao modo como a população vive o seu embate com a realidade. O 2 de março, para além de ter dado lugar a um obcecado exercício de contagem de cabeças, serviu também para que alguma opinião desenvolvesse a narrativa da tristeza: os portugueses protestam, mas protestam tristes.

 

É verdade que existem muitas razões para a tristeza. O desemprego atinge índice nunca vistos, a precariedade torna-se natural, a emigração parece roçar os valores da década de 1960. Jovens e menos jovens regressam a casa dos pais. O espaço de autodeterminação dos indivíduos encolhe brutalmente. E, do “lado de lá,” o governo continua no seu posto e os “donos de Portugal” - de Fernando Ulrich a Belmiro de Azevedo, passando por Alexandre Soares dos Santos - não se cansam de propagandear, impunemente, as virtudes do empobrecimento generalizado.

 

Essa vida declinada no concreto não deixou, naturalmente, de se fazer sentir nos protestos. Por outro lado, estes têm vindo a adquirir formas menos “enquadradas” e expressões reivindicativas mais consentâneas com as múltiplas subjetividades que descem à rua. Também por isso, é um exercício arriscado pretender aferir um sentimento comum que atravessaria a multidão a 2 de março: muitos estariam infelizes, outros zangados, outros tristes, outros contentes. Uma coisa é certa: ninguém estava ali resignado. Todas aquelas pessoas decidiram voluntariamente participar no protesto, inscrevendo o seu corpo e a sua voz naquele rio coletivo. O que significa, por si só, uma vontade clara de um presente diferente.

 

Não pretendo voltar aqui ao debate sobre um suposto ânimo dominante no 2 de março. Mas é relevante regressar ao tema da tristeza, na medida em que se tem vindo a instalar um discurso que a declara como uma espécie de incontornável “espírito do tempo”. Afinal, diz-se, os portugueses dos “brandos costumes”, o país do fado e do destino, o povo resignado, manifesta-se. Mas manifesta-se como um autómato que reage às difíceis circunstâncias em que está mergulhado. Logo, é necessário “compreender” a massa triste e sonâmbula que – precisamente por ser massa, triste e sonâmbula - é incapaz de dominar os complexos raciocínios que nos dizem que tudo isto é, no essencial, inevitável. Como explicou cinicamente Belmiro de Azevedo, na mesma entrevista em que defendeu salários de miséria, “enquanto o povo se manifesta, a gente pode dormir mais descansada. O pior é quando não se manifesta.”

 

O que a narrativa da tristeza não pode obliterar é que este povo que se indigna faz uma escolha. E essa escolha não é, predominantemente, entre a alegria ou a tristeza. É entre a resignação e a esperança. Uma esperança magoada, em tantos casos. Mas que não deixa de estar aberta aos futuros possíveis a partir da recusa do existente. O filósofo alemão Ernst Bloch dedicou o seu monumental O Princípio Esperança a explicitar a esperança, não apenas como um estado de ânimo individual, mas como um efetivo princípio gerador do processo histórico. A busca de um lugar-outro, mais belo e feliz, é o mais básico impulso humano. Nas suas palavras, “nem só de pão vive o ser humano; sobretudo quando o não tem”.

 

Vivemos num tempo em que o conflito entre expectativas e realizações se agudiza enormemente. Um tempo em que nos dizem que viveremos (quase) todos pior e que isso é uma fatalidade. Ou seja, que é necessário esquecermos as expectativas, o futuro desejado e sentido como justo, e focarmo-nos nas realizações, o presente tal como surge diante de nós. Este bloqueio das expectativas é triste, sem dúvida. A sua recusa é esperançosa.

 

Publicado inicialmente no esquerda.net

Óscar Lopes (1917-2013)

Sérgio Lavos, 23.03.13

 

Escreveu, com António José Saraiva, a História da Literatura Portuguesa que acompanhou várias gerações de estudantes (e também professores) portugueses. Num meio académico muitas vezes pouco inclinado para a divulgação ao grande público, essa obra tornou-se uma marcante excepção à regra. Mas todo o seu percurso académico, como linguista e historiador da literatura, fez dele um dos intelectuais mais importantes do século XX português - e também um dos últimos que ainda resistiam, num tempo em que os intelectuais perderam toda a importância que tiveram em tempos. Foi também um empenhado combatente político, militante do PCP e perseguido pela ditadura salazarista. Que descanse em paz.

Sócrates, o Gungunhana de Passos Coelho

Sérgio Lavos, 21.03.13

Faço minhas estas palavras de Rui Rocha:

"Devo ser claro. Não acredito na neutralidade política da RTP. E, se alguém por aí acredita, que levante o braço. Alguém? Pois. Ora, é à luz deste ponto de partida e do actual contexto político que deve ser analisado o regresso de Sócrates à RTP. O que temos então? Temos uma televisão pública dependente do poder político. E uma contexto de degradação das condições políticas do actual governo. Olhemos por um momento para o executivo, para percebermos melhor. O primeiro-ministro está, desde o princípio, prisioneiro de promessas eleitorais que foi quebrando, uma a uma. E de um discurso politicamente imberbe ao qual foi adicionando, nos piores momento, uma boa dose de  hostilidade em relação aos portugueses (as alusões à pieguice, ao desemprego como oportunidade, etc.), ao mesmo tempo que mostrava uma intolerável complacência com todas as distorções instaladas. O seu putativo braço direito, Miguel Relvas, revelou-se, pelas razões que todos conhecemos, o seu pé esquerdo. Alguma dignidade que restasse, ficou irremediavelmente comprometida quando entendeu partilhar com o país os dotes de barítono, entoando a Grândola. O ministro das finanças está completamente descredibilizado. Chegámos ao ponto de a Ordem dos Cartomantes, na pessoa do bastonário Marcelo Rebelo de Sousa, se permitir mandar o ministro ver se chove. O ministro da economia, por seu lado, é a nulidade que se conhece, perfil aliás absolutamente alinhado com a intenção governativa inicial de estabelecer um diktat das finanças. O resto do governo, bem, é o resto do governo, com Paulo Portas sempre fora, mesmo nas poucas ocasiões em que está cá dentro. No mais, temos uma situação económica e financeira insustentável, uma dívida impagável, e terminaremos, mais cedo ou mais tarde, por embater (ainda mais) violentamente com a realidade. Ora, sendo tudo isto assim, o regresso de Sócrates ao espaço público e mediático só pode ser entendido como um facto ao qual o actual governo não só não se opõe como, na verdade, deseja. À falta de factos relevantes de governação, de reformas estruturais, de presente e, sobretudo, de futuro, nada melhor do que a exposição periódica do responsável pelo passado. Sócrates, completamente descredibilizado pessoal e politicamente, coisa que só os apaniguados mais veementes e o próprio não entendem, é a cortina de fumo ideal para lançar sobre a situação do país, recordando em permanência aos portugueses quem é o principal responsável pela situação. Que o governo participe nesta manobra de diversão, diz bem da sua fraqueza. Que Sócrates se preste a ser exibido publicamente como o Gungunhana de Passos Coelho só será surpreendente para alguns: aqueles que esquecem a sua imensa vaidade, o seu desproporcionado autoconceito e a entranhada falta de vergonha que sempre ostentou."