Como escrevi na edição impressa do Expresso, na sexta-feira, qualquer ilação nacional dos resultados destas eleições não dependiam de metas simbólicas. Os votos não se comparam, porque há variação de coligações que tornam essas contas demasiado arriscadas. E o número de câmaras é indiferente, porque nem todas têm o mesmo valor político. O que interessa, como sempre em política, são as consequências práticas destes resultados. Há mais de trezentas eleições. Depois há a leitura nacional. E essa só faria qualquer sentido se as eleições, por si só, fossem capazes de alterar o contexto político. Todas as restantes contas morrem na própria noite eleitoral. Assim, os resultados teriam de ser de tal forma expressivos que pusessem em causa ou a liderança do PSD ou a do PS, dessem ao PCP um espaço de crescimento que não teve até agora e pusessem em causa o papel de João Semedo no Bloco.
Fiz um exercício: escrevi o excerto que se segue na tarde do dia das eleições, antes de se conhecerem os resultados. Para impedir que eles influenciassem aquilo que me pareciam ser as condições em que o cenário político poderia realmente mudar. Aqui vai:
Para que estas eleições tivessem efeitos na sobrevivência deste governo era preciso que a derrota do PSD fosse comparável à que Guterres sofreu em 2001. No seu limite máximo, significava perder Vila Real, Porto (de longe, o mais relevante), Gaia, Guarda, Coimbra, Santarém, Sintra, Faro, Ponta Delgada e Funchal, não conquistar Braga e Guarda, ter um resultado humilhante em Lisboa e, já agora, perder a presidência da Associação Nacional de Municípios.
Para que estas eleições pusessem em risco a liderança de António José Seguro, o PS teria de perder Guarda, Loures, Montijo, Évora e Beja. Perder bastiões como Braga e Matosinhos. Se os socialistas se tivessem mostrado ainda mais ambiciosos, não conquistar Vila Real, Porto, Gondomar, Coimbra, Santarém, Sintra, Faro, Ponta Delgada e Funchal. E, cereja em cima do bolo, António Costa ter um resultado esmagador em Lisboa que contrastasse com um desaire nacional.
Para o PCP se assumir como uma força em clara ascensão teria de manter as suas câmaras e conquistar Loures, Évora, Beja e os concelhos em falta no distrito de Setúbal (Montijo, Alcácer do Sal, Grândola - todas do PS - e Sines). Para a nova liderança do Bloco se aguentar sem mossa teria de eleger Semedo em Lisboa e manter a câmara de Salvaterra de Magos. Quanto ao CDS, à boleia do PSD em grande parte das câmaras, estas eleições eram irrelevantes. Bastava-lhe segurar Ponte de Lima. Quanto aos movimentos de cidadãos, pela sua natureza local e pela sua heterogeneidade, nunca poderiam ter vitórias nacionais.
Acaba aqui que escrevi antes de saber os resultados. Vamos então aos resultados e comparemos com estes objetivos.
As humilhantes derrotas no Porto e em Lisboa, que ultrapassaram os cenários mais radicais, chegariam para que o PSD entrasse em estado de choque. Junta-se a perda de Gaia e a humilhação em Sintra, e temos o desastre nos quatro concelhos mais populosos do País. Perdeu Coimbra, Portalegre e Funchal (coligação de toda a oposição, com excepção do PCP e CDS) e mais seis câmaras na Madeira. Perde muitas câmaras e muitos votos. Salvam-se as conquistas de Guarda e Braga.
Mas essas derrotas do PSD não chegam para dar uma vitória que reforce a posição de António José Seguro. Perdeu Braga, Guarda, Beja e Évora. Perdeu um bastião como Matosinhos. Perdeu Loures. Não ganhou o Porto, mesmo com a direita dividida. Não recuperou Faro. Ganhou Gaia, Coimbra, Vila Real e Sintra, mas perdeu os três dos seus mais importantes bastiões e ficou sem quatro capitais de distrito. Quem tem este resultado, no mesmo dia em que o PSD é arrasado pelo país fora, pode dizer que veceu, mas não pode fazer grande festa com isso.
Resumindo: a estrondosa derrota do PSD deu uma vitória pífia ao PS. Com a tal cereja em cima do bolo de que falei: António Costa esmigalha o PSD e dá aos socialistas a mais poderosa das vitórias. Ou seja, a derrota do PSD, em vez de reforçar Seguro, deu ao seu maior opositor interno um enorme capital político. É ele, e não Seguro, o vencedor socialista da noite.
A CDU é, com as listas independentes, Rui Moreira e António Costa, a maior vitoriosa da noite. Recupera Évora, Beja e Loures, fica com quase todos os concelhos do distrito de Setúbal e mais alguns concelhos no Alentejo. Volta a ser um partido de forte implantação autárquica a sul. Quanto ao Bloco de Esquerda, perdeu Salvaterra e não elegeu Semedo. É uma derrota total. O CDS ganhou em Ponte de Lima e mais quatro pequenos concelhos. Correu-lhe bem. Mas não chega a ser relevante.
Partindo destas condições e olhando para os resultados que já se conhecem, a conclusão é relativamente simples: a enorme derrota de Passos Coelho não se traduziu numa vitória de António José Seguro. Já que Rui Moreira não parece ter ambições fora do Porto, com o resultado do PS em Lisboa, é fácil identificar o vencedor nacional destas eleições. Agora é esperar para ver o que fará António Costa com isso.
Nota: as derrotas dos candidatos itinerantes e as vitórias de listas independentes merecem textos à parte. E também sobre a vitória da lista de um presidiário em Oeiras.
Publicado no Expresso Online