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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Hecatombe laranja, vitória de Costa e Seguro a ver navios

Daniel Oliveira, 30.09.13

Como escrevi na edição impressa do Expresso, na sexta-feira, qualquer ilação nacional dos resultados destas eleições não dependiam de metas simbólicas. Os votos não se comparam, porque há variação de coligações que tornam essas contas demasiado arriscadas. E o número de câmaras é indiferente, porque nem todas têm o mesmo valor político. O que interessa, como sempre em política, são as consequências práticas destes resultados. Há mais de trezentas eleições. Depois há a leitura nacional. E essa só faria qualquer sentido se as eleições, por si só, fossem capazes de alterar o contexto político. Todas as restantes contas morrem na própria noite eleitoral. Assim, os resultados teriam de ser de tal forma expressivos que pusessem em causa ou a liderança do PSD ou a do PS, dessem ao PCP um espaço de crescimento que não teve até agora e pusessem em causa o papel de João Semedo no Bloco.

 

Fiz um exercício: escrevi o excerto que se segue na tarde do dia das eleições, antes de se conhecerem os resultados. Para impedir que eles influenciassem aquilo que me pareciam ser as condições em que o cenário político poderia realmente mudar. Aqui vai:

 

Para que estas eleições tivessem efeitos na sobrevivência deste governo era preciso que a derrota do PSD fosse comparável à que Guterres sofreu em 2001. No seu limite máximo, significava perder Vila Real, Porto (de longe, o mais relevante), Gaia, Guarda, Coimbra, Santarém, Sintra, Faro, Ponta Delgada e Funchal, não conquistar Braga e Guarda, ter um resultado humilhante em Lisboa e, já agora, perder a presidência da Associação Nacional de Municípios.

 

Para que estas eleições pusessem em risco a liderança de António José Seguro, o PS teria de perder Guarda, Loures, Montijo, Évora e Beja. Perder bastiões como Braga e Matosinhos. Se os socialistas se tivessem mostrado ainda mais ambiciosos, não conquistar Vila Real, Porto, Gondomar, Coimbra, Santarém, Sintra, Faro, Ponta Delgada e Funchal. E, cereja em cima do bolo, António Costa ter um resultado esmagador em Lisboa que contrastasse com um desaire nacional.

 

Para o PCP se assumir como uma força em clara ascensão teria de manter as suas câmaras e conquistar Loures, Évora, Beja e os concelhos em falta no distrito de Setúbal (Montijo, Alcácer do Sal, Grândola - todas do PS - e Sines). Para a nova liderança do Bloco se aguentar sem mossa teria de eleger Semedo em Lisboa e manter a câmara de Salvaterra de Magos. Quanto ao CDS, à boleia do PSD em grande parte das câmaras, estas eleições eram irrelevantes. Bastava-lhe segurar Ponte de Lima. Quanto aos movimentos de cidadãos, pela sua natureza local e pela sua heterogeneidade, nunca poderiam ter vitórias nacionais.

 

Acaba aqui que escrevi antes de saber os resultados. Vamos então aos resultados e comparemos com estes objetivos.

 

As humilhantes derrotas no Porto e em Lisboa, que ultrapassaram os cenários mais radicais, chegariam para que o PSD entrasse em estado de choque. Junta-se a perda de Gaia e a humilhação em Sintra, e temos o desastre nos quatro concelhos mais populosos do País. Perdeu Coimbra, Portalegre e Funchal (coligação de toda a oposição, com excepção do PCP e CDS) e mais seis câmaras na Madeira. Perde muitas câmaras e muitos votos. Salvam-se as conquistas de Guarda e Braga.

 

Mas essas derrotas do PSD não chegam para dar uma vitória que reforce a posição de António José Seguro. Perdeu Braga, Guarda, Beja e Évora. Perdeu um bastião como Matosinhos. Perdeu Loures. Não ganhou o Porto, mesmo com a direita dividida. Não recuperou Faro. Ganhou Gaia, Coimbra, Vila Real e Sintra, mas perdeu os três dos seus mais importantes bastiões e ficou sem quatro capitais de distrito. Quem tem este resultado, no mesmo dia em que o PSD é arrasado pelo país fora, pode dizer que veceu, mas não pode fazer grande festa com isso.

 

Resumindo: a estrondosa derrota do PSD deu uma vitória pífia ao PS. Com a tal cereja em cima do bolo de que falei: António Costa esmigalha o PSD e dá aos socialistas a mais poderosa das vitórias. Ou seja, a derrota do PSD, em vez de reforçar Seguro, deu ao seu maior opositor interno um enorme capital político. É ele, e não Seguro, o vencedor socialista da noite.

 

A CDU é, com as listas independentes, Rui Moreira e António Costa, a maior vitoriosa da noite. Recupera Évora, Beja e Loures, fica com quase todos os concelhos do distrito de Setúbal e mais alguns concelhos no Alentejo. Volta a ser um partido de forte implantação autárquica a sul. Quanto ao Bloco de Esquerda, perdeu Salvaterra e não elegeu Semedo. É uma derrota total. O CDS ganhou em Ponte de Lima e mais quatro pequenos concelhos. Correu-lhe bem. Mas não chega a ser relevante.

 

Partindo destas condições e olhando para os resultados que já se conhecem, a conclusão é relativamente simples: a enorme derrota de Passos Coelho não se traduziu numa vitória de António José Seguro. Já que Rui Moreira não parece ter ambições fora do Porto, com o resultado do PS em Lisboa, é fácil identificar o vencedor nacional destas eleições. Agora é esperar para ver o que fará António Costa com isso.

 

Nota: as derrotas dos candidatos itinerantes e as vitórias de listas independentes merecem textos à parte. E também sobre a vitória da lista de um presidiário em Oeiras.

 

Publicado no Expresso Online

O homem que conduziu Portugal a dois resgates consecutivos

Sérgio Lavos, 28.09.13

 

Neste santo dia de reflexão, o Público decidiu pintar a negro a sua primeira página e chamar finalmente os bois pelo nome, trazer para primeiro plano aquilo que toda a gente já sabe há alguns meses: Portugal vai precisar de um segundo resgate

 

Não foi por falta de aviso. Economistas desalinhados com o discurso único e a esquerda do BE e do PCP têm vindo a afirmar, desde há dois anos, que a política de austeridade iria conduzir inevitavelmente o país a um ponto em que a dívida se tornaria impagável. Como Portugal apenas reconquistaria a confiança dos investidores se conseguisse o crescimento económico que permitiria a sustentabilidade da dívida pública, chegámos a este ponto, de recessão imparável, com o PIB a encolher e com o país a produzir cada vez menos riqueza para pagar o que foi pedindo emprestado. Seria mais do que expectável.

 

Há muitos culpados desta situação, mas não iludamos o papel do principal protagonista da desgraça do nosso país: Pedro Passos Coelho, o líder político que vai ficar na História como o homem que conduziu Portugal a dois resgates consecutivos. O primeiro por sede de poder, o segundo por incompetência e cegueira ideológica. 

 

Os tempos acelerados que vivemos levam a que a maior parte das pessoas esqueça o que aconteceu nos últimos dois anos e meio, mas há registos escritos que mostram qual o papel de Passos Coelho em todo o processo de ruína do país. Como relata David Dinis no seu livro Resgatados, o actual primeiro-ministro, que apoiara os três planos de estabilidade e crescimento apresentados pelo Governo de Sócrates, viu-se confrontado pelo PSD de uma forma clara. É conhecida a ameaça feita por Marco António Costa - actual porta-voz oficioso do partido - a Passos Coelho: "ou há eleições no país, ou há eleições no partido". Colocado entre a espada e a parede por causa do apoio aos PEC's de Sócrates, Passos Coelho não hesitou. Contrariando as indicações dadas em reunião com Sócrates de que iria aprovar mais um PEC, o PSD acabou por chumbar no parlamento esse plano (em aliança com o BE e a CDU, que votaram contra o PEC como tinham feito aos PEC's anteriores), levando à demissão de Sócrates e à consequente instabilidade que provocou uma subida dos juros até a um ponto em que se tornou inevitável pedir o resgate. Como Sócrates não se cansa de repetir, esse PEC IV tinha o apoio de Merkel e do BCE, e seria uma espécie de programa de austeridade atenuada - se resultaria ou não, nunca saberemos - que evitaria o resgate e a entrada da troika em Portugal, à semelhança do que aconteceu em Espanha (e, até certo ponto, em Itália) - recordemos que Mariano Rajoy resistiu a um resgate oferecendo em troca medidas de austeridade que nem de perto nem de longe se aproximam das que têm sido implementadas em Portugal nos últimos dois anos. 

 

Depois da traição a Sócrates, Passos Coelho embarcou numa campanha eleitoral durante a qual prometeu fazer o contrário do que acabaria por ser feito quando chegou ao Governo. E a mentira foi deliberada: Passos Coelho prometeu não cortar subsídios a funcionários públicos, pensões, despedir pessoas, sabendo que a maior parte dessas medidas estavam inscritas no memorando da troika. Disse que bastaria atacar as "gorduras do estado" para reequilibrar as contas públicas. Todos sabemos agora a que gorduras ele se referia: os reformados, os pensionistas, os funcionários públicos com menos qualificações. 

 

Dois anos e meio depois, quase todas os objectivos que estavam no memorando não foram atingidos. As metas do défice têm vindo a ser sucessivamente alteradas pela troika, devido à incapacidade do Governo em cumpri-las; a dívida pública, que de acordo com o programa deveria estar no final deste ano nos 118%, já atingiu os 130%; o desemprego, que deveria estar nos 12%, está perto dos 17%; e até as exportações têm um crescimento menor do que o previsto, apesar da propaganda governamental querer convencer-nos do contrário. A data simbólica do regresso aos mercados, repetida pelo Governo, foi mais um fracasso: os juros ultrapassam o limiar aceitável, 7%, e as agências de rating ameaçam com descida da notação do país - já ninguém acredita que Portugal não precise de um segundo resgate. Irónica é também a principal razão que os investidores encontram para este fracasso: o próprio Governo. Não esqueçamos que Cavaco decidiu manter o executivo em funções depois da saída irrevogável de Portas em Julho passado em nome da estabilidade e de um hipotético regresso aos mercados. Na realidade, estes acham que o Governo deixou de o ser em Julho passado, com a saída de Gaspar e a demissão irrevogável de Portas. Cavaco Silva, o outro culpado da ruína portuguesa, não quis deixar cair um Governo morto, e a cada dia que passa a podridão é mais visível. Já ninguém - nem os portugueses, nem os mercados - acredita na competência e na credibilidade das pessoas que nos governam. 

 

Caminhamos então para o segundo resgate pela mão de Pedro Passos Coelho. Depois de ter provocado o primeiro, decidiu manter-se como chefe do Governo contra a toda a razão e o bom senso - "não me demito" -, recusando-se a aceitar o fracasso das suas políticas. Passos Coelho, o arrivista deslumbrado, é o cego que conduz Portugal por um mar repleto de escolhos. Com um político deste calibre, o desastre seria previsível. O homem que conduziu Portugal a dois resgates consecutivos - eis o que ficará para a História. 

Um eleitor indeciso

Daniel Oliveira, 27.09.13

 

Tenho por hábito falar de forma transparente do meu voto. A simulação de neutralidade de comentadores politicamente alinhados (como é natural que sejam os comentadores) sempre me irritou. Nada me obriga a dizer em quem voto. Mas prefiro assim. Tudo claro.

 

Fosse do Porto e a minha decisão estava tomada. Votaria, com toda a certeza, em José Soeiro e na lista do Bloco de Esquerda. Porque há ali uma forma diferente de olhar para a política e para o papel dos partidos na vida local. Fosse de Coimbra e faria mais do que votar: estaria seguramente envolvido na lista Cidadãos por Coimbra, onde se criou uma alternativa consistente à extraordinária mediocridade que uma cidade que produz inteligência tem tido como classe dirigente. Se fosse de Braga votaria na lista cidadãos e, acima de tudo, contribuiria para tirar da Câmara uma das mais vergonhosas gestões autárquicas do País, apadrinhada com afinco pelo Partido Socialista. Fosse de Loures e votaria no Bernardino Soares e na CDU, com uma candidatura sólida e capaz provocar uma mudança num dos mais maltratados concelhos limítrofes de Lisboa. Enquanto em Almada estaria provavelmente a votar contra a mesma CDU, que, do urbanismo à política fiscal, mais não faz do repetir os piores vícios da pior gestão autárquica. Muitas vezes com a conivência complexada da vereadora do Bloco de Esquerda. O que deixaria os dois partidos de fora da minha escolha. Já em Cascais, contribuiria, com o meu voto, para não permitir que o presidente da Associação Nacional de Farmácias, candidato do PS, levasse os seus negócios para a autarquia. Em Oeiras, onde quase todos parecem ter dificuldades em apresentar alternativas credíveis à trupe de Isaltino, votaria no Bloco e no seu candidato ecologista. E no Funchal, cidade com a qual tenho uma ligação emocional, votaria na candidatura liderada pelos socialistas, que junta grande parte da oposição madeirense e que pode retirar ao PSD a capital da Região Autónoma. E esgotaram-se aqui os concelhos sobre os quais tenho informação suficiente para imaginar como votaria. Só que não voto em nenhum deles e por isso a minha opinião vale muito pouco, podendo até estar a cometer algumas injustiças. Nasci, cresci, vivo, trabalho e voto em Lisboa. E conheço muito bem a minha cidade.

 

Serviu todo este exercício para tentar explicar, com exemplos práticos, o meu critério de voto. Nunca me abstenho. Raramente voto em branco ou nulo, porque me custa aceitar que, perante tantos candidatos, nenhum me mereça sequer o benefício da dúvida. A não ser numa situação absolutamente extraordinária, não voto em partidos contrários às minhas convicções políticas gerais. No atual contexto, com este governo, não votaria com toda a certeza. Bem sei que as eleições são autárquicas. Mas seria idiota ignorar as suas repercussões nacionais. Fora estas condições, e já não sendo eu militante de um partido, o meu voto decide-se tendo em conta a realidade local. Nem todas as listas independentes são livres, nem todos os candidatos da CDU são competentes, nem todos os candidatos do BE são inovadores, nem todos os candidatos do PS são uma opção aceitável. E sim, as pessoas, e não apenas os seus programas e as siglas partidárias que os apoiam, também contam.

 

Tal como aconteceu há quatro anos, decidi não participar em nenhuma campanha para a Câmara Municipal de Lisboa. Nada teve a ver com qualquer tipo de autolimitação imposta, por ser comentador. Considero isso um absurdo. Não sou nem nunca quis ser ou parecer neutral. Por isso até participei na campanha dos Cidadãos por Coimbra e numa outra, o Move Alcântara, um movimento de cidadãos a uma freguesia lisboeta. Correspondem as duas ao que entendo que devem ser as listas independentes. Tenho três votos e dois já estão destinados. É para a Câmara e para a sua presidência que não me decidi. Acho que, em toda a minha vida, é a segunda vez que me encontro, tão próximo das eleições, nesse limbo deprimente onde habitam os indecisos (a outra foi na reeleição de Soares).

 

Como o voto no autarca profissional itinerante não é uma possibilidade e, nos pequenos partidos, não vislumbro nada com qualquer interesse, sobram três candidatos: João Ferreira, da CDU, João Semedo, do Bloco de Esquerda, e António Costa, do PS. Desculpem falar dos candidatos, mas as câmaras tem uma estrutura fortemente presidencialista. Ignorar os candidatos a presidentes é absurdo.

 

Quanto a João Ferreira, sei que foi eurodeputado e, ao que parece, razoavelmente competente. Mas desconheço em absoluto o seu pensamento sobre Lisboa. Ao ler as entrevistas que deu fiquei a achar que não sou o único. E com a leve sensação que a sua candidatura tem como único objetivo dar-lhe a notoriedade suficiente para que ele encabece a lista da CDU às próximas eleições europeias. Seja como for, não tenho ouvido da CDU, em Lisboa, um discurso alternativo consistente. A maior campanha que a coligação fez foi contra a redução de freguesias em Lisboa, assunto sem qualquer eco nas aspirações dos lisboetas (que me parece que até acharam muito bem, tendo em conta a absurda quantidade de freguesias na capital e o facto da Câmara se ter antecipado a burocráticas imposições externas) e que tinha como principais destinatários os próprios eleitos da CDU. De resto, concordando com várias críticas que fez à gestão de António Costa, a oposição foi permanente e sem critério, sem que, ao fazê-lo, se tenha demarcado do PSD e do CDS. Daqui a quatro anos logo se verá o que mudou e se estou a ser injusto na minha avaliação. A minha dúvida está, por isso, entre António Costa e João Semedo (para a Assembleia Municipal já reservei o meu voto para a Ana Drago).

 

Confesso que o meu voto em António Costa seria o natural. Foi, genericamente, um bom presidente de Câmara. Foi seguramente, com Jorge Sampaio, o melhor que Lisboa conheceu (tarefa relativamente facilitada). O seu trabalho é desigual e, em áreas como o urbanismo, deixa a desejar. Como nunca votei em candidatos perfeitos, o facto de ter resolvido os problemas financeiros da autarquia (o buraco de Santana e Carmona foi colossal) sem reduzir drasticamente serviços, mantendo a cidade a funcionar e até avançado com novos projetos, não despedindo trabalhadores e ainda integrando os que estavam a recibos verdes, seria mais do que suficiente para o meu voto. Em tempo de crise, António Costa mostrou que há formas de a contornar. E, quando tudo no País está pior, o que não depende do poder central em Lisboa está genericamente melhor. A esmagadora votação que as sondagens preveem e o apoio alargadíssimo que Costa conquistou, da direita à esquerda, resultam disso mesmo.

 

Teria boas razões para não votar no Bloco de Esquerda. Não me esqueço do seu comportamento no processo Sá Fernandes. Sou alfacinha apaixonado, daqueles que acham que ter nascido em Lisboa é uma sorte comparável a ganhar o totoloto. A política local diz-me muito. Foi aí que começaram as minhas divergências mais profundas com o Bloco. E que se confirmaram pelo comportamento dos eleitos na Assembleia Municipal, que, nos assuntos mais inacreditáveis, se puseram ao lado do PSD. Mas também não desconheço que a escolha de João Semedo (assim como a de Ana Drago) corresponde a um virar de página. E que o próprio já assumiu a vontade de ter o Bloco a participar no executivo, com pelouro. Uma mudança na política local pela qual batalhei, sem sucesso, durante anos. E que tem, nestas eleições, os protagonistas certos.

 

Felizmente, a minha indecisão não nasce da falta de escolha. É entre um presidente que merece o meu voto e um candidato que eu gostaria de ver como vereador, pelas enormes qualidades que lhe reconheço e para desembruxar de uma vez as convergências que se podem fazer à esquerda sem que ninguém seja obrigado a violentar-se. Dum lado, o que é justo, tendo em conta o passado: um bom presidente e um comportamento errático do Bloco. Do outro, o que posso esperar do futuro: uma maioria absoluta esmagadora que se pode tornar autista e um vereador capaz de assumir responsabilidades. É entre o que sei e o que espero que me decidirei. Sem nenhum apelo ao voto que não seja este: tudo menos Seara. Nem precisam de mais: passeiem por Sintra e vejam como se pode governar durante tanto tempo um concelho sem fazer seja o que for. Lisboa dispensa o regresso à mediocridade.

 

Publicado no Expresso Online

A democracia estará à altura

Sérgio Lavos, 27.09.13

 

A três dias das eleições, as sondagens para as autárquicas têm vindo a mostrar que as pessoas parecem estar a acordar da letargia. Há dois meses, parecia que o PSD poderia reclamar vitória no próximo domingo, apostando apenas na inércia e na fraca oposição do PS. Mantendo as expectativas muito baixas - com a ajuda da maioria dos comentadores e da opinião publicada -, bastaria ao Governo perder por pouco e conquistar duas ou três câmaras importantes para sair das eleições reforçado. Mas as últimas semanas têm vindo a mostrar que as coisas podem não correr exactamente como o PSD esperava.

 

O que terá mudado? Primeiro, António José Seguro. Andou um pouco por todo o lado e apostou em tudo menos falar de política local, transformando a campanha num referendo ao Governo - a eleição possível depois de Cavaco Silva ter decidido manter em funções a moribunda coligação. A dramtização terá sido uma táctica acertada. Pedro Passos Coelho parece mais perdido do que nunca, num dia acenando com o fantasma de um terceiro resgate, no outro afirmando sem se rir que o país está no bom caminho. Paulo Portas, afastado das feiras e das praças, onde se sentia como submarino dentro de água, é, e será para sempre, o irrevogável, o homem sem nenhuma cara. No fundo, os dois líderes dos partidos do Governo não passam de mortos-vivos a comandar um Governo que já acabou em Julho passado.

 

Mas o que mudou, sobretudo, foi a percepção geral das pessoas. A boa campanha de Seguro ajudou, mas houve algo que poderá ter contribuído ainda mais para esta ideia: o desastroso início de ano lectivo. Pode parecer um assunto de menor importância, mas na realidade não é. Ao tocar naquilo que qualquer cidadão tem de mais sagrado - os filhos - o Governo, pela mão de Crato, cometeu um erro crasso. É que toda a gente sabe o que está a acontecer nas escolas diariamente. Mesmo tendo o assunto desparecido das televisões e dos jornais, a verdade é que ainda há milhares de horários sem professor, confusões gigantescas, escolas com falta de funcionários. E as pessoas já não engolem as falinhas mansas do ministro do rigor e da exigência.

 

Um exemplo, apenas: na turma do meu filho, ainda não há professor de inglês (6.º ano). Hoje, na primeira reunião de encarregados de educação, havia indignação geral por esta situação, e também pela falta de funcionários - reformaram-se seis e não foram substituídos - que leva a que o bar não esteja aberto durante a hora de almoço. A directora de turma, que tinha estado todo o dia a entrevistar professores candidatos à disciplina de Educação Musical, pôs as coisas como estão efectivamente a ser sentidas por professores, funcionários e pais: este está a ser o pior início de ano lectivo em muito, muito tempo. Uma mãe, a meu lado, mostrava-se incrédula com o discurso de negação de Crato, que continua a afirmar que tudo está a correr normalmente. As pessoas podem ser ingénuas durante algum tempo, mas não são parvas para sempre. 

 

No próximo domingo, assistiremos a uma derrota do PSD um pouco por todo o país. Mesmo que o PS não conquiste as câmaras com que sonha, a esquerda no seu todo sairá fortemente reforçada. A CDU "corre o risco" de reconquistar autarquias que não ganhava há décadas e o BE deverá crescer no total de votos. No final da noite, certamente que os partidos do Governo não assumirão a derrota. Muito menos irão tirar consequências dos resultados, como se depreende do que disse Pedro Passos Coelho, prometendo não sair mesmo que o PSD seja derrotado. Essa promessa, sabemos muito bem, é uma maldição para o país. Mas a força do povo, mais cedo ou mais tarde, fará cair este Governo de perdição nacional. Com a democracia não se brinca. 

Que se lixem as eleições

Sérgio Lavos, 26.09.13

A campanha para as autárquicas vai decorrendo sem sobressalto, Passos Coelho num dia diz que Portugal vai a caminho do segundo resgate e no outro afirma que está a dar a volta, Paulo Portas deixou de visitar praças e mercados mas acha que o país já bateu no fundo e está a subir uma escada (para o paraíso), e as eleições, afinal, não é assunto para o qual o Coelho se esteja a lixar. Quem se está a lixar somos nós, portugueses. Uma das heranças deixadas por Vítor Gaspar foi a possibilidade do fundo de reserva da pensões ser usado para comprar dívida pública. A provisão do fundo, que serviria para dois anos de pensões, já foi reduzida para valores que permitem apenas o pagamento durante oito meses. Se, como tudo indica, não houver possibilidade de Portugal atrair investidores para a sua dívida, o fundo servirá para manter a ilusão de um regresso aos mercados que já se tornou uma miragem há muito tempo. Aquilo que foi descontado ao longo de uma vida de trabalho pelos portugueses servirá para pagar aos vampiros da banca nacional e internacional. O princípio da confiança será traído pelo Governo e ainda ouviremos - já ouvimos - governantes a dizerem que o sistema de pensões não é sustentável - não será com certeza se os fundos forem usados para pagar a credores, como estão a ser. No fim de tudo, Portugal ficará insolvente, com uma dívida pública imparável e impagável e sem haver sequer a possibilidade de garantir o pagamento das reformas aos nossos pais e avós durante algum tempo. E quando chegar a inevitável reestruturação da dívida pública, o dinheiro investido pela segurança social nessa dívida será perdido. É este o Governo de salvação nacional, não duvidemos. 

As listas independentes e a demissão dos portugueses

Daniel Oliveira, 26.09.13

 

Chegam-me diariamente aos ouvidos os protestos de quem contesta, provavelmente com alguma justiça, contra a partidocracia dominante na sociedade portuguesa. E que clamam por mudanças legais que deem aos cidadãos independentes, que são a larga maioria do país, a possibilidade de terem acesso aos órgãos de representação democrática sem terem de passar pelo crivo partidário. Também ouço e leio os mais tenebrosos retratos da classe política nacional. Ser "político" passou a ser sinónimo de tudo o que de pior pode haver na sociedade. E eles são os responsáveis por todos os nossos males e, curiosamente, por nenhuma das nossas conquistas nos últimos 40 anos.

 

Há uns anos a lei eleitoral autárquica foi alterada. E passou a permitir a candidatura de listas de cidadãos. Fui um defensor entusiasta desta alteração, e defendo que ela seja alargada às eleições legislativas e europeias. Não porque tenha qualquer sentimento antipartidos. Pelo contrário, penso que será difícil existir democracia sem eles. Mas porque acho que mesmo a democracia representativa não se deve esgotar nas lógicas partidárias.

 

A verdade é que as listas independentes nasceram como cogumelos nas últimas eleições autárquicas. E, este ano, são ainda mais. Com a possibilidade de vencerem em importantíssimos concelhos como Porto, Matosinhos, Gaia ou Sintra (estão aqui três dos quatro concelhos mais populosos do País), a que se junta Oeiras. Não tivessem ficado pelo caminho por irregularidades processuais, as listas independentes a Gondomar e Guarda teriam vitória quase certa.

 

Seria uma boa notícia não fosse o caso de grande parte destes fenómenos não ser mais do que a repetição da lógica partidária, quase sempre em pior. A maioria das pessoas que animam estas listas são militantes partidários e autarcas que, preteridos pela sua própria estrutura, se revoltaram contra elas e foram a votos. Ou seja, são um tira-teimas de contendas internas. Fossem esses autarcas afastados por meros jogos internos (Sintra, Matosinhos e Gaia) ou por se ter tornado insustentável acompanhar as suas tropelias (Oeiras).

 

Para não ser injusto, quero deixar de fora várias candidaturas de cidadãos que realmente o são (tenham eles ou não militância partidária). Entre algumas, estão as de Braga, Coimbra, Santarém e Beja, para além de outras em concelhos menos populosos. É pelo menos seguro que não nasceram de ajustes de contas dentro dos partidos. A meio caminho está o Porto, onde ninguém ignora que Rui Rio apadrinha a candidatura de Rui Moreira e a importância desta contenda na vida interna do PSD. Ainda assim, não é comparável às de Gaia, Sintra ou Matosinhos.

 

O que me interessa aqui é isto: num país que se queixa tanto da partidocracia, porque acabaram as listas de cidadãos por se transformar numa forma de combate interno nos partidos por outros meios? Não haverá massa crítica fora dos partidos para organizar listas que correspondam a uma forma diferente de exercer o poder local? Não, em geral não há. Porque a partidocracia que domina a nossa vida democrática não resulta, ao contrário do que é habitual dizer-se, de um cerco feito pelos partidos às instituições e às organizações da sociedade civil (sejam elas sindicatos, ONG ou movimentos sociais). Essa é a consequência e não a causa de uma sociedade civil frágil e de uma cidadania pouco ativa. Os partidos tomam conta de quase tudo porque quase tudo o que pode ser ocupado está vazio de cidadãos.

 

Portugal não tem vida partidária a mais. Tem sociedade civil a menos. Porque há, em Portugal, uma cultura de demissão cívica, que começa no bairro e na empresa e acaba no País. Há exceções, seja no associativismo cultural e desportivo, seja nos bombeiros ou no voluntariado social. Mas raramente correspondem ao desejo de uma participação política cidadã. Não, os portugueses não estão apenas fartos dos políticos. A prova é que depositam neles, sem hesitar, todo o poder. Do que os portugueses estão há muitos anos distantes é da política. Porque não querem saber da pólis. Porque têm um baixíssimo sentido de pertença a uma comunidade. E por isso têm tido tão maus governantes. Quem não exerce a cidadania democrática no quotidiano dificilmente pode fazer escolhas acertadas de 4 em 4 anos.

 

Publicado no Expresso Online

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