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Arrastão: Os suspeitos do costume.

O desamparo aprendido dos portugueses

Daniel Oliveira, 23.12.13

Nas aulas de psicologia aprende-se o conceito de "desamparo aprendido", que, trocado por miúdos por alguém que é menos do que leigo na matéria, corresponde ao processo que leva um humano ou qualquer outro animal aprender a não responder às oportunidades que surgem para sair duma determinada situação ou vita-la, ganhando a convicção da sua própria impotência.

 

O psicólogo Martin Seligman desenvolveu, no final dos anos 60, uma experiência um pouco sádica mas muitíssimo interessante. Para ela usou dois grupos de cães. Explicado de forma tosca, o primeiro grupo de cães recebeu choques elétricos, tendo a possibilidade de se livrar do sofrimento, coisa que rapidamente aprendeu a fazer. Um segundo grupo foi sujeito ao mesmo tratamento doloroso. Com uma diferença: aos cães era retirada a possibilidade prática e evitar essa dor. Naturalmente, porque têm capacidade de aprender com a repetição, a dada altura os animais deixavam de tentar fugir. Limitam-se a aguentar, estoicamente, o sofrimento que lhes era infligido.

 

Numa segunda fase, os mesmíssimos cães, depois de sujeitos a esta aprendizagem - a de se libertarem cos choques elétricos e a de aguentarem sem reação esse inevitável sofrimento -, são postos nas mesmas condições: ambos se podem livrar do sofrimento. O primeiro grupo faz o que fazia antes: reage de forma a deixar de ser torturado. O segundo grupo, apesar das novas condições, também faz o que fazia antes: aguenta, apesar de poder fugir, a dor que poderia, afinal, evitar. E fica a apanhar os choques eléctricos como se não tivesse alternativa. Porque foi isso que aprendeu.

 

Não me quero dedicar às minudências científicas da matéria, assunto sobre o qual nada sei, nem desenvolver em pormenor o poder metafórico que esta experiência tem para a atual situação do país. Penso que há coisa que se perdem se forem demasiado explicadas. Sendo este o último texto que escrevo em 2013, fica um desejo para o próximo ano: que, ao contrário do que aconteceu durante meio século, passe a ser claro que não é inevitável sermos, como nos chamou um senhor da troika, um "povo bom". A submissão é, neste momento, uma escolha. O problema é que aprendemos a senti-la como uma inevitabilidade.

 

Publicado no Expresso Online

Com chumbo do TC Passos fica sem pio

Daniel Oliveira, 19.12.13

Não vou discutir aqui os aspetos técnicos da inconstitucionalidade da convergências das pensões. Muito mais do que o ataque aos salários da função pública, onde as decisões anteriores do Tribunal Constitucional deixam implícita uma decisão futura, esta dependia dum debate jurídico em que não me arrisco a entrar. Sei o que penso desta proposta, independentemente de qualquer consideração constitucional: que não é convergência alguma, mas um assalto aos pensionistas. Sobre isso, não me vou repetir. Já aqui escrevi sobre o assunto .

 

Correu, pelas redações e sedes partidárias, que o TC iria passar a coisa. Daí o entusiasmo em que o governo andaria. Correu depois, pelos mesmos ambientes, que, pelo contrário, o chumbo do TC ia ser esmagador e quase unânime. De tal forma expressivo que não deixaria grande espaço para manobras de propaganda governativa depois da decisão. E que era isso que explicava o regresso das pressões externas, sempre apadrinhadas e desejadas pelo governo, ao Tribunal Constitucional. E explicaria também porque deixou o governo para esta sexta-feira a sua remodelação, que, sendo uma das saídas a de Rosalino, dificilmente pode ser chamada de "mini". No meio do barulho, talvez o embaraço fosse menor. Parece ter-se confirmado a segunda versão, com votação por unanimidade.

 

Resta, portanto, discutir o que irá o governo fazer perante este chumbo. Trata-se duma medida que, só em 2014, vale 388 milhões. Sabemos que o governo não tem por hábito, e faz muito mal, usar as decisões do Constitucional para conseguir vantagens negociais com a troika. Pelo contrário, usa a troika para conseguir pressões sobre o Constitucional. Por isso, para além do problema financeiro, que o governo tentará resolver com medidas de austeridade pelas quais responsabilizará, já sem grande suceso, os juízes do Constitucional, tem um problema político nas mãos. É que a verificação de constitucionalidade foi pedida, em termos muito firmes, pelo Presidente da República. E atirar-se ao seu único aliado para as horas mais difíceis não é uma possibilidade.

 

Claro que o governo tentará atirar umas farpas ao TC, responsabilizando-o, com este ou com outro chumbo (falta o segundo round do orçamento), por não regressarmos aos sonhados mercados. Mas, azar dos Távoras, Mario Draghi estragou esse argumento, dizendo, ainda antes de qualquer má notícia, que o nosso destino já estava marcado. Não sobra, portanto, nada para dizer. Apenas baixar a cabeça e esperar que as rabanadas façam o resto na redução dos danos políticos. Sendo certo que a semana dos "sinais positivos" e do "relógio de Portas" (que o presidente do BCE já mandou parar) foi sol de pouca dura. Voltam todas as dores de cabeça a São Bento.

 

Feita a análise da "baixa política", engana-se quem acha que nestes assuntos o que está em causa é um braço de ferro entre o Tribunal Constitucional e o governo. O que está em causa é muito mais sério do que isso. É uma incompatibilidade entre imposições externas, decididas por burocratas à margem de qualquer mandato democrático (nacional ou europeu), e a lei dum Estado soberano que só pode ser alterada pelos eleitos. Quem julga que isto é irrelevante não se pode considerar um patriota. Mas, muitíssimo mais importante, não se pode considerar um democrata.

 

Publicado no Expresso Online

A política do preconceito

Sérgio Lavos, 19.12.13

Um artigo de Valter Lemos, antigo secretário de Estado da Educação, sobre a derrota do anti-eduquês e a desonestidade intelectual do rigoroso Crato:

 

"O ministro Crato pertence a um grupo de pessoas que passou diversos anos a perorar contra o que chamaram de “eduquês”, afirmando que os alunos aprendiam cada vez menos nas escolas e que, quer as políticas de educação, quer os programas de ensino, quer os métodos pedagógicos, quer as práticas dos professores, estavam erradas e eram “facilitistas”.

 

Os expoentes deste pensamento até escreveram livros sobre o assunto. Curiosamente nunca apresentaram qualquer estudo ou dados que sustentassem o que diziam, ou seja, apesar de defenderem uma educação com “maior rigor” (o que quer que isso seja) não mostraram muito rigor na defesa da sua tese. Limitaram-se a explorar os sentimentos de incerteza da classe média face à democratização do acesso à escola e a fazer acusações indiscriminadas a políticos, professores, psicólogos, sociólogos, etc., assentes, somente, em meros preconceitos sem qualquer sustentação minimamente séria.

 

O simplismo da abordagem e a sua filiação conservadora e neoliberal não deixou de conquistar alguns políticos, de tal forma que o grupo conseguiu chegar onde queria: ter um ministro da Educação.

 

A partir daí foram só más notícias. Em vez da propalada destruição do ministério da educação, começou a constatar-se a destruição da educação ela-mesma, numa política de terra queimada, onde, à semelhança das conquistas medievais, se destroem as estruturas, se violam as pessoas e se queimam os livros. Foi rompido o acordo social sobre a escola pública em Portugal, que começou a construir-se com a reforma Veiga Simão e atravessou praticamente todos os governos constitucionais, sem grandes distinções, quer liderados pelo PSD, quer pelo PS. E o desprezo pelos professores, que aquela abordagem sempre conteve, lá acabou finalmente por vir à tona.

 

A divulgação recente dos resultados do PISA 2012 veio mostrar, com dados seguros, não só o primarismo daquela abordagem, como a sua falsidade. Afinal enquanto o “anti-eduquês” vociferava que os alunos estavam a aprender menos, eles aprendiam mais. De 2000 a 2012 os resultados dos alunos portugueses no PISA melhoraram em todas as matérias testadas! Face a tais dados veio o ministro, ou algum dos seus correligionários, explicar porque é que os dados mostravam o contrário do que os próprios haviam dito durante vários anos? Vieram dar uma explicação aos que neles haviam acreditado?

 

Não. Afinal venderam um produto avariado e esconderam-se quando isso começou a notar-se.

 

Quando se baseia uma política na crença e não no conhecimento, mais tarde ou mais cedo a realidade mostra os preconceitos subjacentes. Como se prova, uma vez mais. com a declaração do ministro Crato sobre as “dúvidas dos professores formados nas escolas superiores de educação”. Esperar-se-ia que uma afirmação destas, que ataca gravemente a imagem e o estatuto público desses largos milhares de professores, as escolas que os formaram, os seus professores e os seus responsáveis, fosse fundamentada em dados que permitissem sustentá-la. Mas tal não aconteceu. Aparentemente o Ministro da Educação ter-se-á pronunciado levianamente, assente somente nos seus preconceitos. Se assim foi, mostrou, mais uma vez, que as suas decisões são meramente voluntaristas e portanto não devem merecer a confiança dos cidadãos. Mas, mostrou também uma enorme irresponsabilidade.

 

Um governante não pode fazer acusações de tal gravidade e consequência sem dados absolutamente seguros e objetivos, como se fosse um mero comentador. Porque arrisca-se a que os visados o considerem ignorante ou charlatão e percam qualquer respeito pela personagem e pelas suas afirmações e decisões.

 

Espera-se, assim, que o ministro Crato apresente rapidamente os estudos que sustentam a sua afirmação, pois, numa democracia, os governantes devem merecer respeito.

 

E, já agora, que extinga a Agência Nacional de Acreditação do Ensino Superior, porque os seus preconceitos serão critério suficiente para avaliar os cursos."

O que eu tenho a dizer sobre o Manifesto 3D

Daniel Oliveira, 19.12.13

Este texto é pessoal e intransmissível. Escrito em meu nome e apenas traduzindo, como aliás é meu costume, os meus pontos de vista. É assim que eu vejo o manifesto  em que participei. Outros poderão vê-lo doutra forma. E escrevo com um aviso óbvio: sou um interessado direto no assunto, já que fui um dos promotores iniciais deste manifesto. Todo o texto deve obviamente ser lido nessa perspectiva.

 

Da mesma forma que a obsessão nacional pelo consenso nada me diz, não tenho um especial fascínio pela "unidade da esquerda". Há esquerdas diferentes, que defendem coisas diferentes e não vem grande mal ao país e ao mundo que estejam divididas. O meu problema é outro: se, sendo incapazes de se entenderem na hora de tomar algumas decisões fundamentais, isso inviabiliza que alguma vez se governe com a justiça social como prioridade fundamental do Estado. É isso, e não qualquer fetichismo pela "unidade" e pela "esquerda" que me interessa.

 

Para não ficar pelos rótulos da "esquerda" e da "direita", posso ir um pouco mais longe. E para isso vou socorrer-me do que foi escrito no Manifesto "Pela Dignidade, pela Democracia, pelo Desenvolvimento: Defender Portugal"  (de que sou, para que fique feita a devida declaração de interesses, um dos promotores iniciais): "A prioridade é o respeito pela democracia e pela Constituição, impedindo que os interesses da finança se sobreponham aos direitos dos cidadãos. Estamos de acordo quanto à necessidade de pôr travão à austeridade e renegociar a dívida. De impedir o sufoco de novos resgates e memorandos, com esse ou outro nome. De devolver dignidade ao trabalho, começando por atualizar o salário mínimo e garantir a negociação colectiva. De combater as injustiças na distribuição do rendimento e da riqueza, moralizando o sistema fiscal. De erradicar a pobreza. De reafirmar que a saúde, a educação e as pensões não são mercadorias e que o Estado Social não está à venda. De preservar o carácter público da água, dos serviços postais e dos transportes colectivos. Também convergimos na vontade de impedir que a União Europeia seja um espaço não-democrático, baseado na relação desigual entre ricos e pobres, credores e devedores, mandantes e mandados. Na necessidade de defender Portugal das exigências de um tratado orçamental, que impõe o empobrecimento, a dependência e o declínio."  Se concorda com isto, tanto me faz se se considera de esquerda ou não. Queremos o mesmo dum governo. E a isto chamam-se "bases programáticas". O programa - a forma como isto se consegue - é outra coisa e depende de muito mais do que dum manifesto.

 

Tenho assente que as convicções são importantes mas não chegam para contrariar aquilo que no jargão comunista se foi definindo como "correlação de forças". O tempo nunca se encarrega de nada, muito menos de dar razão a quem a julga ter. As circunstâncias é que determinam quase tudo e também somos nós que fazemos as circunstâncias. É com essas circunstâncias que me preocupo, porque o que me interessa não é apenas ter razão, mas que essa razão que julgo ter se converta em ação governativa. Perante o saque e a venda deste país, o que quero é um governo capaz da coragem de resistir, contrariar e encontrar alternativas ao protetorado eterno que nos é imposto. Isso tem riscos. E os portugueses só correrão esses riscos se tiverem razões para não apenas confiar no governo do país, mas sentir que são parte dele. Com o atual panorama político e os seus equilíbrios isso nunca acontecerá.

 

Como as coisas estão, o mais provável é termos, depois desta desgraça de governo, o atual líder do PS como primeiro-ministro. Ou seja, pelo menos teoricamente, estão criadas as condições para haver um primeiro-ministro de esquerda (não tenho um "esquerdómetro", por isso aceito que seja cada um a definir para si mesmo o espaço em que se considera integrado). Também sei que, se se mantiverem as atuais circunstâncias, o PS não terá maioria e muito provavelmente governará com o PSD, com o CDS ou com os dois (de que a aprovação do Tratado Orçamental ou o acordo para dar prioridade à descida do IRC em relação à do IRS e do IVA são um prelúdio). É isso que uma certa elite do regime, que se habituou a ver os seus interesses protegidos de qualquer crise, quer. E fará todas as pressões para que tal aconteça. E isso corresponde a continuar a lógica que nos está a afundar. E, de caminho, degradará ainda mais a nossa democracia, como se percebe com a experiência de bloco central de gestão da crise. na Grécia. Só que, com o resto da esquerda dispersa e pouco apelativa para o seu próprio eleitorado, o preço que o PS teria de pagar por um bloco central seria muito mais baixo do que se se arriscasse às rupturas com a lógica do memorando que entendimentos à sua esquerda obviamente exigiriam. Se não fosse por outra razão, a inércia levaria o PS para o bloco central. 

 

É por isso que nenhum polo político que queira determinar a forma como sairemos desta crise se pode relegar apenas para o protesto e para a resistência (indispensáveis) ou pode querer esperar pelo dia em que governará sozinho. Para ter força, terá de ter a capacidade de mobilização e a amplitude que permita representar um espaço político que poderia valer hoje muitíssimo mais do que vale. Para isso, a sua plataforma programática tem de ser clara (e naturalmente distinta da dos socialistas) mas capaz do compromisso e de se dirigir à cultura dum eleitorado mais moderado, mas não menos fustigado por esta crise.

 

Só acredito numa convergência de governação contra a austeridade se este polo político, forte, credível e com grande potencial de crescimento, existir e for determinante para, com o PS , o PCP e muitos sectores que, não estando tradicionalmente à esquerda, pura e simplesmente defendem a dignidade deste pais, governar. Mas não estou disposto a esperar que a "unidade da esquerda" ou coisa semelhante com outro nome aconteça por milagre. Que se junte agora o que se pode juntar agora para que haja um novo factor político que contribua para uma convergência mais larga.

 

É legitimo perguntar porque não incluo aqui o PCP. Porque tem sido o PCP a deixar claro não fazer parte da sua estratégia fazer acordos pré-eleitorais para além dos seus aliados tradicionais. É uma postura legitima que deve ser respeitada. Nunca deixando de recordar que as convergências para uma alternativa para o país contam com todos os que nela queira participar, incluindo, como é evidente, o PCP.

 

Os que resumem a política à aritmética (ignorando as profundas alterações políticas e sociais que se estão a dar em Portugal e na Europa) concluíram que se estava a propor uma aliança entre o Bloco, o Livre e uns independentes. Como os envolvidos não têm espírito de casamenteiros, o que propõem não é obviamente isso. É uma nova candidatura política, que se estreia nas eleições europeias, que recebe o contributo de várias forças partidárias existentes, do ativismo de muitas organizações sociais e politicas, mas, acima de tudo, duma enorme massa de cidadãos sem partido que quer agir politicamente. Entre esses cidadãos estarão aqueles que se disponibilizam (e, pela primeira vez, não se limitam a fazer apelos) para participar num projeto inclusivo, novo nos seus modos de fazer as coisas e credível. Foi isto que 65 promotores e, até agora, cerca de dois mil subscritores (que a eles se juntaram em menos de 48 horas) disseram, através deste manifesto. Como não são possíveis listas de cidadãos ao Parlamento Europeu (com apoio, por exemplo, de cidadãos, partidos e organizações), a solução jurídica para isto será a última barreira a vencer. O que se quer saber é se há vontade para tanto. A julgar pela rapidez com que este manifesto está a recolher assinaturas, muitos cidadãos já estão a dar a resposta.

 

Concentrar esta vontade de tanta gente apenas no nome deste ou daquele candidato não é apenas redutor. É repetir o mesmo erro de sempre. Os candidatos interessam aos eleitores e a mim também. Mas não acredito, nunca acreditei, que as mudanças que contam se façam seguindo iluminados. Pelo menos eu, que não tenho dimensão para ser seguido nem espírito bovino para seguir alguém, só estarei onde quem se candidata a quê, sendo obviamente uma questão, nunca seja a mais relevante. Vivemos tempos extraordinariamente difíceis. Temos mesmo de voltar à política. À que interessa.

 

É difícil vencer os hábitos mediáticos, sempre conservadores, em relação a novas dinâmicas políticas. Só as percebem, sempre com espanto, quando elas já se impuseram. Será difícil vencer os naturais temores de organizações já implantadas ou em momento de afirmação. Mas sei uma coisa: pela primeira vez um conjunto tão alargado de independentes se disponibilizou para ajudar a fazer nascer uma coisa destas. Pela primeira vez desde que esta crise começou, tenho, como mero cidadão (e é apenas com este estatuto e não mais do que esse que me envolvi neste manifesto) a esperança de que pode acontecer qualquer coisa diferente. Porque desta vez não se trata de criar mais um partido. Mas de mudar a tal "correlação de forças" para dar alguma esperança a este país desgraçado. Tenciono contribuir para isso. Não com mais apelos à unidade, mas com atos concretos para fazer crescer um espaço político que possa contar na determinação dos destinos de Portugal.

 

Publicado no Expresso Online

E Crato continua

Daniel Oliveira, 18.12.13

Recuso-me a comentar a frase de Nuno Crato, que diz que as suas “dúvidas são sobre a formação obtida nas Escolas Superiores de Educação" pelos professores. Um país que tem este irresponsável, sem qualquer sentido das suas obrigações institucionais, como ministro é um país que não está mesmo bem.

Mario Draghi concorreu por que partido?

Daniel Oliveira, 18.12.13

 

 

O presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, afirmou que Portugal vai ter um programa para o período de transição após a conclusão do atual programa de resgate da troika. E responsabilizou as decisões do Tribunal Constitucional, e não o programa da troika, por este desfecho, pois elas terão tido reações "dramáticas" dos mercados, "penalizado as obrigações portuguesas".

 

Primeiro: Mario Draghi não é primeiro-ministro ou chefe de Estado português. Consta que nem sequer é cidadão nacional. Não é ele que decide ou anuncia se Portugal terá ou não terá um programa de transição. É Portugal e os seus eleitos que o decidem e o tornam público. Ou o governo está a negociar o programa cautelar, Pedro Passos Coelho anda a mentir aos portugueses e Draghi é um irresponsável ao anunciar o que apenas ao governo cabe tornar público (o mais provável, como já se tinha percebido com anteriores declarações de Pires de Lima), ou o governo não o está a negociar e Draghi é um mitómano, ou, como explicam os sempre simpáticos jornalistas portugueses em Bruxelas, Draghi estava fazer meras especulações teóricas para um qualquer país imaginário prestes a acabar o período de reshate e é um idiota político. Só não apostaria nesta última.

 

Segundo: Mario Draghi mentiu para se livrar das responsabilidades e para pressionar, mais uma vez, o Tribunal Constitucional português. Como mostram todos os números, não houve qualquer relação entre as decisões do TC e as variações mais relevantes das taxas de juro. Só para pegar num exemplo: a decisão do Tribunal Constitucional sobre o orçamento de 2012 (a que mais repercussões financeiras teve) foi em abril de 2013. E, no entanto, os juros continuaram a cair mais um mês. Quando voltaram a subir, em maio de 2013, isso aconteceu também em Espanha e Itália que, ao que consta, não foram grandemente afetadas pelas decisões tomadas pelo Tribunal Constitucional português um mês antes.

 

A razão porque Portugal não regressará aos mercados é porque esse regresso sempre foi uma ilusão, assim como é uma ilusão o retrato idílico que nos andam a pintar há umas semanas, em que nem os próprios governantes nem o senhor Draghi alguma vez acreditaram. Porque Portugal tem uma dívida impagável que se recusa a renegociar e porque a receita da troika não só não resolveu um único problema financeiro do país como, apesar de tantos sinais de recuperação vistos pelo governo, os piorou a todos.

 

Mais uma vez, um responsável europeu pressiona um órgão de soberania nacional, desta vez socorrendo-se duma mentira, e substitui-se aos dirigentes eleitos dum Estado independente para comunicar o que esse Estado fará do seu futuro. Mais uma vez, não parece haver neste país nenhum responsável político que dê um murro na mesa. Suspeito mesmo que, perante o anúncio próximo da decisão do Tribunal Constitucional sobre a convergência das pensões, o governo até agradeça este tipo de declarações e pressões públicas. Um estilo de declarações europeias que, aliás, começa a ser comum em vésperas de decisões do TC.

 

Entretanto, Draghi tentou emendar a mão e esclarecer que "cabe exclusivamente às autoridades portuguesas decidir sobre um possível novo programa". Isso sabemos nós. Sintomático é o senhor Draghi ter-se esquecido de tal evidência por cinco minutos que fosse. Felizmente para ele, este tipo de deslizes só lhe acontecem com países com o reduzido peso político de Portugal, governado por quem não se dá ao respeito.

 

Publicado no Expresso Online

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