Balanço de 2010 - Acontecimento Internacional: Wikileaks
Com a libertação do vídeo “Collateral Murder” já tinha ficado patente o poder do modus operandi da Wikileaks para quebrar a inimputabilidade dos governos que, peritos em manigâncias de toda a ordem, sistematicamente recorrem ao secretismo como abrigo do escrutínio democrático. O vídeo em causa, bem vistas as coisas, não acrescentava muito ao que julgaríamos saber sobre uma guerra, que os civis são alvos fáceis, que é tremendo o arbítrio dos militares sobre a vida dos outros, que a crueldade no campo de batalha é frequentemente resignificada como estratégia pragmática. No entanto, o visionamento do vídeo é outra coisa, ao vermos a leviandade com que os tripulantes do Apache atiram sobre um civil que, a caminho da escola para onde transportava crianças, pára para socorrer um homem ferido, somos confrontados como uma prova que traz novas ordens de indignação, dá pasto à insurgência de uma incomodidade.
Em 28 de Novembro de 2010, a wikileaks, juntamente com 5 publicações tradicionais (El País, Le Monde, Der Spiegel, The Guardian e o The New York Times), iniciou a publicação de telegramas diplomáticos confidenciais enviados por 247 embaixadas americanas. O impacto foi tremendo, porque vieram a público informações que eram desconhecidas, e porque assistimos à expressão material dos expedientes e ilegalidades pelos quais os poderes procedem. Por polémicos que sejam, a Wikileaks e os seus métodos cumprem um papel crucial como agentes da transparência democrática, tornando os cidadãos mais informados e mais preparados para exercerem uma “hermenêutica da suspeita” sobre as afirmações morais tão frequentes no discurso político, e sobre as omissões e mentiras que servem de justificação aos processos de tomada decisão. Numa época em que o jornalismo de investigação parece manietado pelo desinvestimento e pelos interesses dos grupos económicos que tutelam os media tradicionais, a Wikileaks emerge como a grande acontecimento internacional do ano de 2010. É muito provável que o seu impacto perdure com a publicação de mais documentos, mas também com o efeito de dissuasão que possa vir a ter nos inimputáveis do costume.
"Escolhido pelos autores do Arrastão"