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Arrastão: Os suspeitos do costume.

A lei divina

Daniel Oliveira, 26.02.05
O PAPA João Paulo II, ou alguém por ele, resolveu lançar esta graça: comparar o aborto ao Holocausto. Já nem me dou ao trabalho de me indignar. Sobre o aborto já foi dita, pela Igreja mais conservadora, tanta barbaridade que até ignomínias deste calibre parecem banais. Resta-me, sobre esta matéria, destacar apenas uma diferença entre os dois incomparáveis fenómenos: enquanto sobre o Holocausto o Vaticano se manteve, quase sempre, num cómodo silêncio, sobre o aborto não há dia que não se indigne.

O mais importante vem depois. Diz a cúpula da Igreja Católica que Hitler chegou ao poder através de um Parlamento regularmente eleito e que foi a partir desta forma aparentemente democrática que se preparou a tragédia que se abateu sobre a Europa. E esclarece: «Basta trazer à memória estes acontecimentos para compreender claramente que a lei estabelecida pelos homens tem limites precisos». E dá finalmente o salto lógico que faltava: as leis que despenalizam o aborto, mesmo que democraticamente votadas, são um abuso. A conclusão causa um calafrio na espinha a qualquer defensor da laicidade do Estado: diz o Papa que os parlamentos estão a «ultrapassar as suas competências» e a «entrar em conflito com a lei de Deus e a lei da natureza».

E este infeliz episódio resume bem o pontificado de Karol Wojtyla: a tentativa de devolver à Igreja o papel político que perdeu, batendo-se de forma descarada por leis e estados confessionais. Para quem julgue que o perigo vem sempre do Islão, talvez seja altura de ficar atento ao que se passa dentro no Ocidente. A Arábia Saudita é só o que, se não resistíssemos sempre a estas ofensivas, poderíamos todos vir a ser.

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