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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Enquadrar o debate orçamental

João Rodrigues, 29.01.10


Congelamento dos salários dos funcionários públicos, cortes no investimento público orçamentado, novas privatizações, continuação do aumento do peso dos regressivos impostos indirectos, caso do IVA (isto num país onde o seu peso no total dos impostos arrecadados é dos mais elevados da UE), novo adiamento de promessas eleitorais em matéria de taxação das mais-valias bolsistas. Um orçamento negociado à direita é assim. Um orçamento de uma democracia limitada pela pressão dos mercados financeiros ainda liberalizados é assim. Um orçamento na periferia europeia é assim. Por que é que é assim? Dou a palavra a Joseph Stiglitz, que acabou de publicar um livro sobre as origens intelectuais e políticas da actual crise sistémica, em artigo no The Guardian:

“Se a Europa tivesse um melhor quadro de solidariedade e de estabilização, então os défices na sua periferia podiam ter sido menores e mais fáceis de gerir. As crises económicas têm um maior impacto nas periferias (…) Uma das razões para o sucesso do ‘mercado comum’ norte-americano é a existência de um sentido de coesão social e de um orçamento federal significativo para o suportar: quando uma parte do país tem dificuldades, a despesa federal pode ajudar os que estão com dificuldades.”

O euro, tal como foi instituido, é uma utopia monetária, construída para favorecer políticas liberais e que corre o risco de se autodestruir: uma moeda sem um orçamento central digno desse nome – o orçamento da UE representa menos de 1% do produto – é coisa nunca vista. Os resultados estão à vista e a irresponsabilidade dos dirigentes europeus, que insistem em atiçar os especuladores contra as periferias europeias, também.

Podemos vislumbrar três saídas: (1) criar rapidamente um sistema de apoio às zonas periféricas, o que implica mudar as prioridades do BCE e da Comissão; (2) criar um qualquer mecanismo cambial dual (reintroduzir uma espécie de escudo para as transacções internas e manter o euro para as externas), na linha desta proposta, que tem por objectivo replicar os efeitos de uma desvalorização cambial (haja imaginação…); (3) deixar tudo como está e assistir aos efeitos perversos das políticas de austeridade assimétrica mais ou menos assumidas: cortes na despesa e no investimento públicos, quebra da actividade económica, desindustrialização e crescimento do desemprego, perda de poder de compra dos salários, diminuição das receitas fiscais e assim sucessivamente (até à saída do euro?), ao mesmo tempo que se mantêm os insustentáveis desequilíbrios de que fala o Ricardo (estas coisas têm de ser vistas à escala global).

Enfim, é bom que mais tarde ou mais cedo comecemos a falar em refragmentar, de forma controlada, a economia global, como já aqui defendi. É que isto como está é insustentável. No entanto, os pesados constrangimentos externos, que resultam da configuração neoliberal da economia mundial, não eliminam totalmente as escolhas políticas. Ainda somos uma democracia, uma democracia muito limitada, mas uma democracia.

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