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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Quem paga a crise?

João Rodrigues, 13.03.10


A sempre atenta câmara corporativa mobiliza uma informativa análise de João Ferreira do Amaral: “a proposta de redução salarial no sentido de melhorar a competitividade não tem qualquer fundamento técnico-económico sólido e revela que quem a sugere não fez um mínimo de cálculos sérios sobre o assunto.” Rebate-se uma vez mais a tese de que a saída para a crise está na compressão dos salários para exportarmos para Marte. No entanto, fica a pergunta: será que na cc não se aperceberam ainda que a coerência do PEC é dada precisamente pela aposta na contracção dos salários e que isto é o que é defendido pelos economistas de Belém?  

Ao aceitar um desemprego duradouramente nos dois dígitos, ao cortar no investimento e no consumo públicos, o que nos enterra na recessão, claro, e pode levar a novas quebras de receitas, ao cortar nos apoios aos desempregados e aos mais pobres, o PEC reforça as condições, o contexto de que poucos falam, para que se generalizem as “transacções desesperadas” no que fraudulentamente se chama o “mercado de trabalho”: reforçam-se assim os mecanismos disciplinares para a intensificação da exploração laboral. Medo.

É claro que isto é parte de uma contraproducente jogada de classe à escala europeia. A Alemanha tem mostrado o caminho. O pormenor é que a situação alemã não é, como assinala Martin Wolf no FT, recorrendo a Kant, universalizável. Uma boa forma de tornar o argumento mais claro. Mudando, e bem, para Hegel, e como bom social-liberal pragmático que é – o pragmatismo é uma virtude em economia política – Wolf resume bem a situação: a tese alemã das virtudes dos excedentes comerciais tem a sua inevitável antítese portuguesa, espanhola ou grega nos défices. A síntese é o desastre europeu do défice de procura.

É impressionante como qualquer política europeia para evitar um desfecho trágico – da criação de fundos de auxílio ao combate à especulação – parece exigir mudanças no Tratado de Lisboa. Ainda é porreiro, pá?

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