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Arrastão: Os suspeitos do costume.

As razões do sobe-e-desce do petróleo

Daniel Oliveira, 28.05.08

O João Miranda pede que alguém lhe explique do que se fala quando se fala de especulação no preço do petróleo. Ficam aqui excertos de um artigo de Beat Balzli e Frank Hornig, jornalistas do Der Spiegel, publicados no Estado de São Paulo a 5 de Março. Desde então tudo piorou.

«Desenvolvimentos espectaculares parecidos já ocorreram quatro vezes nas últimas décadas: em 1973, quando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) impôs um embargo pela primeira vez; em 1979, após a revolução iraniana; um ano depois, quando o Iraque invadiu o Irão; e em 1990, quando o Iraque invadiu o Kuwait.

O que nos leva a uma das perguntas mais provocadoras feitas hoje sobre a economia mundial: Por que os preços do petróleo estão a subir de novo? É tudo especulação?

São muitas as respostas. Alguns responsabilizam a crise no Médio Oriente e a procura sempre crescente na China. Outros culpam os países produtores por manterem a torneira do óleo meio fechada.

Mas nada disso é muito convincente. “A oferta e a procura não podem explicar os preços altos”, diz Fadel Gheit, da Oppenheimer & Co., um importante analista de commodities. Como muitos no seu ramo, Gheit acredita que os investidores estão a empurrar os preços para cima. Lembra a bolha da Internet na viragem do milénio. Segundo Gheit, o petróleo também é objecto de uma “especulação exagerada” neste momento.

O excesso de oferta causaria normalmente uma queda do preço por barril. Mas os dealers romperam o limiar mágico de US$ 100 pela segunda vez em apenas algumas semanas.

O clima é festivo entre os barões do petróleo, que não parecem muito preocupados com os temores de recessão global. A Exxon Mobil reportou recentemente seus lucros para 2007: US$ 40,6 bilhões, um recorde para a maior empresa de energia do mundo.

Quantias enormes de dinheiro estão a mudar de mão nos negócios de petróleo. Com a crise imobiliária americana infeccionando segmentos cada vez maiores dos mercados de capitais, os investidores estão em busca de alternativas. E o petróleo parece uma ferramenta perfeita para distribuir o risco e maximizar o lucro. Mas muitos investidores terão um difícil despertar quando perceberem que investir em petróleo, embora possa parecer diferente, não é menos arriscado que outros tipos de investimentos.

(...) O mundo consome 86 milhões de barris de petróleo por dia, mas o volume negociado é 15 vezes maior. A diferença são as apostas nos desenvolvimentos do preço futuro.

A consequência é que os especuladores agora detêm até 45% de todos contratos de petróleo - três vezes o que tinham na viragem do milénio. “Os preços estão a ser distorcidos”, diz o senador democrata Carl Levin, da Subcomissão Permanente de Investigações. Se a oferta e a procura fossem os únicos factores, o preço estaria pelo menos US$ 20 mais baixo.

Como pode isso acontecer? Uma das dez maiores companhias de trading de energia do mundo, a Mercuria, tem sua sede na Place du Molard em Genebra, Suíça. O seu presidente-executivo Daniel Jaeggi, um ex-trader de futuros do Goldman Sachs, sabe como o negócio mudou no fim dos anos 1990. Os fundos de pensão, segundo ele, tornaram-se o “factor motriz no mercado”.

Os bancos de Wall Street ficaram mais que felizes de atender a essa prcura, com o Goldman Sachs à frente do grupo. “Eles inventaram um novo índice de commodities que também inclui o petróleo”, diz Jaeggi. O novo índice foi extremamente bem-sucedido, e quanto mais dinheiro os grandes investidores puseram nele, mais contratos de petróleo o Goldman comprou e mais os preços subiram.

Criou-se uma enorme força de mercado. Toda a gente entrou no jogo. Morgan Stanley, Deutsche Bank e muitos outros gigantes financeiros expandiram seu volume de trading em contratos de petróleo. Bancos de investimento como o Goldman estabeleceram suas reservas de petróleo, agindo como se fossem empresas de energia como a BP. Eles esperam ganhar uma melhor percepção dos acontecimentos no mercado.

Por consequência, o volume de trading em petróleo bruto quase triplicou nos últimos cinco anos, enquanto a procura cresceu apenas 1,9% por ano.

Adeus oferta e procura. Era uma vez uma época em que tudo o que contava no negócio de petróleo era volume de produção e consumo nas nações industrializadas. Essa época passou. O petróleo hoje faz parte de todo portefólio bem-estruturado - como foi o caso, até recentemente, daqueles títulos abstractos para permitir que cada investidor tirasse uma lasca do boom imobiliário americano.

(...) Gheit está no negócio há 30 anos. Trabalhou na Mobil Oil e no JP Morgan antes de ir para a Oppenheimer. Ele se recorda de preços do petróleo a US$ 9 o barril. Nas audiências do Congresso americano, serviu como testemunha especial, atestando a loucura dos especuladores. “Os traders usam qualquer desculpa para elevar os preços”, diz ele. “É pura histeria.”»

Outra vez as vítimas da fome

Daniel Oliveira, 10.05.08
Pedi ao meu amigo José Manuel Pureza, professor na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e especialista em Relações Internacionais (podem ver o currículo aqui), para escrever um pequeno texto para o Arrastão sobre a crise alimentar no Mundo. E ele simpaticamente assim o fez. Aqui fica:


Pois, os chineses e os indianos mudaram a sua dieta alimentar. Mas isso não é uma boa notícia? E depois há as colheitas catastróficas, resultado das alterações climáticas. E isto é dito como se as ditas alterações do clima fossem culpa do clima, ele próprio. Não, que hoje regressem as sublevações da fome no Egipto, no México, na Índia, em Moçambique ou no Haiti não é obra do divino espírito santo; que mais de 30 países estejam à beira do colapso alimentar não é um “desastre natural”. E muito menos uma realidade inexplicável.

Veja-se o caso do Haiti. Há 20 anos era um país auto-suficiente em arroz, a preços razoáveis. Em 1995, o FMI impôs um plano de liberalização económica, com desarmamento alfandegário drástico. O mercado haitiano foi invadido por arroz proveniente dos Estados Unidos e altamente subsidiado. Resultado: hoje o Haiti importa 80% do arroz que consome e ao dobro do preço anterior.

Este é, por isso, um tempo para aprender lições e não as esquecer.

A primeira é que sempre esteve errado o credo desenvolvimentista assente na destruição da pequena e média agricultura de subsistência e na sua substituição pela produção intensiva para exportação. O dogma do comércio livre que, na prática, funciona como liberalização unilateral a adoptar pelos mais pobres e exportação em massa dos excedentes subsidiados pelos mais ricos só ajudou a pôr essa falência em evidência, se necessário era.

A segunda lição é que, de facto, o capitalismo não tem fronteiras. Só que, desta vez, as fronteiras que desapareceram foram as da decência mínima: se for preciso condenar milhões à fome para obter ganhos na bolsa, não há que hesitar. Sobretudo se esses ganhos forem suficientemente tentadores para o capital financeiro poder compensar as perdas do subprime.

Terceira lição: é claro que a fome exige medidas de urgência. Quando o Presidente do Banco Mundial avisa que os preços dos produtos agrícolas vão continuar a subir durante os próximos 7 anos, ele sabe que não será nunca em menos do que isso que se corrigirão as causas profundas da dinâmica galopante da vulnerabilidade alimentar no mundo, sobretudo no mundo pobre.

Mas atenção às armadilhas: foi sempre em nome da urgência – e da salvação dos pobres, pois claro – que se decretaram os choques liberalizadores, a extinção das agriculturas tradicionais e outras modernizações civilizadoras. Como é alegadamente em nome da urgência – e da salvação do planeta, pois claro – que Sócrates quer ser o campeão europeu da incorporação de bio-combustíveis nos transportes, mesmo que à custa do incentivo perverso dado – prometeu ele – a Angola e a Moçambique para serem os nossos fornecedores.

Se algo de positivo há nesta ameaça de catástrofe é ela forçar-nos a repensarmos a pequena e média agricultura como uma prioridade e não como um anacronismo. Talvez esteja na altura de percebermos que a luta pela preservação das hortas no centro das nossas cidades e a luta contra a liberalização mundial do comércio dos produtos agrícolas nos termos em que a quer a OMC não são lutas simétricas mas gémeas.

José Manuel Pureza

Chicken Madness

Daniel Oliveira, 09.12.07
As relações com África e a globalização assimétrica explicada através de galinhas. Ao que parece, os europeus gostam do peito do frango. Por isso, exportam ao resto (as pernas) para África a preços imbatíveis. Resultado: os avicultores africanos nada podem fazer para competir. Um exemplo, a partir de uma história de galinhas nos Camarões, de como uma economia africana pode ser dizimada. Dirão: sendo mais barato os africanos ficam a ganhar. Não. Porque vendo as suas actividades económicas desfeitas, sem fundos para as financiar (como fazem os europeus) e impedidos de se protegerem pelas regras impostas pelos países ricos ou pela corrupção nos seus países, pagam a diferença de preço com a miséria. Uma demonstração de como o mercado livre é selectivo.
Uma reportagem de Marcello Faraggi. Pode ler mais aqui.