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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Aprender com a Alemanha?

João Rodrigues, 06.09.10


A recuperação económica alemã, depois da abrupta quebra em 2009, está a suscitar apressadas análises comparativas que é possível resumir na seguinte fórmula: os EUA definham porque seguiram políticas keynesianas, assentes no aumento da despesa pública; a Alemanha recupera porque não foi nesta cantiga. Verdadeiro? Falso. O economista Dean Baker, do Center for Economic and Policy Research, fez as contas e concluiu que o consumo público aumentou, nos últimos dois anos e meio e em termos reais, mais na Alemanha do que nos Estados Unidos.

Uma coisa é a retórica política, outra é o que acontece no volúvel terreno da conjuntura - para já não falar no da estrutura: o Estado social alemão tem um peso maior, apesar de todas as restruturações neoliberais.

A Alemanha desenvolveu um esquema de protecção do emprego em épocas de recessão que assenta na redução pactuada e subsidiada publicamente do horário de trabalho, o que obviamente é facilitado pela tradição de negociação colectiva e pelos seus sindicatos mais fortes. Este modelo de partilha tem sido responsável pela menor destruição de emprego neste país.

Já em Portugal, e em linha com o objectivo de replicar o modelo selvagem de relações laborais norte-americano, os patrões querem que os funcionários trabalhem mais horas com o mesmo salário, num dos países onde mais se trabalha na Europa. Em altura de desemprego de massas, esta é uma prescrição para o desastre, só possível porque cheira a medo na economia.

O modelo alemão também tem características negativas: o crescimento antes da crise, apesar de tudo medíocre, assenta demasiado nas exportações e numa compressão do crescimento dos salários reais muito abaixo do crescimento, reduzido, da produtividade.

Isto contribuiu para acentuar os desequilíbrios económicos, com a acumulação de excedentes comerciais pela Alemanha a corresponder inevitavelmente à acumulação de défices nas periferias e a fluxos de capitais privados descontrolados para os financiar, fluxos esses que geraram demasiadas bolhas especulativas nas periferias, já que a Alemanha escapou a uma bolha imobiliária. Os problemas, graves, no sistema financeiro alemão devem-se ao apetite dos bancos, dado o reduzido endividamento germânico, pelo lixo tóxico produzido, do outro lado do Atlântico, por um capitalismo mais disfuncional.

A vontade alemã de controlar o sistema financeiro, de que são exemplo as últimas propostas sobre a taxação dos bancos para que se crie um fundo a accionar em períodos de crise, oferece, neste contexto, uma boa pista.

Se a recuperação alemã beneficiou do euro mais fraco para exportar para fora da Europa, duas combinações que ajudaram à recuperação das exportações portuguesas, também é verdade que a compressão continuada do mercado interno europeu, devido às irracionais políticas de austeridade nas periferias, e as dificuldades dos Estados Unidos, onde a política de estímulos e de reforma não esteve ainda à altura da dimensão do colapso económico e do New Deal que se exigiria, minam a prazo o sucesso limitado da Alemanha.

Crónica i

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