Sol
A branco, as zonas com um declive entre 0%-4%. Imagem retirada do Ecoblogue.
Estas postas do maradona têm suscitado o notório agradado de meia blogosfera. Compreende-se. A ideia de que é impossível usar a bicicleta como meio de transporte na capital deve ser mais antiga que a própria cidade. Parece que as características topográficas e meteorológicas de Lisboa tornam impensável uma rede de bicicletas partilhada como meio de locomoção, uma solução crescentemente utilizada um pouco por toda a Europa.
O maradona exemplifica: “sem ser eu, duvido que haja alguém na blogoesfera que consiga subir de bicicleta dos Restauradores ao Príncipe Real sem parar para respirar”. É certo que, por muitas voltas que se dê, deve ser difícil ligar esses dois pontos da cidade sem ter que transpor algumas ruas com 6 ou 7% de inclinação longitudinal (um valor muito pouco recomendável para quem não tenha as “pernas espectaculares” do maradona). O mesmo acontece em quase todo a zona histórica da cidade, da Graça à Mouraria, do Cais do Sodré ao Chiado. Mas também não é menos certo que 65% de Lisboa - e onde mora, trabalha e estuda a quase totalidade dos seus habitantes - apresenta um declive longitudinal a inferior 5% (como se pode ver no mapa). Não é preciso ser nenhum atleta para se conseguir deslocar de bicicleta, sem nenhum esforço por aí além, de Telheiras ou Alvalade até ao Rossio, ou de Benfica até às Avenidas Novas.
De acordo com os padrões internacionais para a definição de redes cicláveis nas cidades, declives até aos 5% são aceitáveis. Foi esse, de resto, o critério seguido pela equipa do Instituto Superior de Agronomia quando elaborou um plano para uma rede ciclável em Lisboa, deixando o centro histórico, com as tais ruas íngremes e estreitas de que fala o maradona, de parte. Quer isso dizer que Lisboa é ciclável para o cidadão comum? Depende do percurso. Não sendo de esperar a criação de postos de troca de bicicletas no Bairro Alto ou na Bica, é claramente possível utilizar a bicicleta numa parte muito significativa da cidade, não havendo nenhuma razão para que estas tenham que ser acantonadas à condição de instrumento de lazer.
O outro argumento já tinha sido utilizado pelo PSD na Assembleia Municipal. Havendo poucas pessoas a andar diariamente de bicicleta em Lisboa, não se deve "hipotecar a já pouca largura da maior parte das nossas ruas a um capricho ecológico ridículo". Em rigor, as ruas e os passeios de Lisboa já estão hipotecados: ao estacionamento caótico de carros em filas sucessivas, transformando artérias de quatro vias em ruas de sentido único. Não são as hipotéticas ciclovias a criar, mas os 600 mil carros que circulam diariamente em Lisboa, que “torna esta cidade tão mal preparada para fazer circular com a prioridade e conforto necessários a merda de um autocarro”.
Numa cidade onde, quando vou de bicicleta, consigo fazer em 20 minutos o percurso de seis quilómetros que liga a minha casa ao meu local de trabalho, mas onde nunca me despacho em menos de 30 quando vou de táxi, gostava de perceber onde é que o maradona foi buscar a ideia de que a promoção das bicicletas indica que “não há qualquer sinal de que se pense nas pessoas, na vida que as pessoas levam e na relação delas com a cidade, apenas um vago desejo de progresso”.
O que o maradona entende como um modelo escandinavo, que torna normal andar de bicicleta em Amesterdão ou Estocolmo, tem muito menos a ver com as condicionantes morfológicas das cidades do que com os condicionalismos económicos e políticos da II Guerra Mundial. A redescoberta da bicicleta na Europa, e que começa a ter lugar no outro lado do Atlântico em cidades tão planas como São Francisco, é agora impulsionada pelas preocupações ecológicas e de controlo do tráfego. A julgar pelo sucesso que está a conseguir em cidades como Barcelona ou Paris – que também tem Montmartre - parece que as pessoas de que fala o maradona não se têm importunado muito.