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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Gritar para o lado

Daniel Oliveira, 16.03.08


Defendo a avaliação dos professores. Mesmo sabendo que, já agora, a maior parte das experiências de avaliação de professores nos países europeus incide mais sobre os conhecimentos dos docentes do que sobre o seu desempenho; tem como primeiro objectivo identificar fragilidades na matéria leccionada e melhorar e muito menos definir a progressão na carreira; e só muito parcialmente é uma avaliação individual.

Ainda assim, defendo, em geral, a avaliação de todos os profissionais, começando sempre, para dar o exemplo, pelo topo da hierarquia. Defendo que essa avaliação só pode ser séria se depender de objectivos claros. E sei que isso só acontece em empresas ou instituições organizadas e exigentes, coisa rara no nosso país.

No caso dos professores, uma avaliação justa e adequada só pode acontecer com mais autonomia das escolas. Porque se a avaliação depende (só pode depender) de objectivos, e se os objectivos e metas dificilmente podem ser os mesmos em escolas completamente diferentes, é difícil acreditar na eficácia de avaliações burocráticas nacionais.

Mas, como bem disse aqui um comentador, tenho uma dúvida: quantos dos que gritam pela avaliação dos professores e os chamam de privilegiados e de incompetentes são, no seu trabalho, avaliados de forma objectiva, com grelhas e critérios escritos e definidos previamente? Quantos têm um colega seu a assistir a um dia de trabalho e a avaliar a forma como o desempenham? Quantos fazem exames frequentemente para saber dos seus conhecimentos? Quantos são sujeitos à avaliação da qualidade do que produzem? Quantos são promovidos tendo exclusivamente estes critérios em conta? Vou mais longe: em quantos dos locais de trabalho o salário que cada um recebe é público e conhecido de todos os seus colegas e a razão de ser esse e não outro o seu salário é explicita e clara?

Num país onde nem os gestores são realmente avaliados (como se vê pelos resultados que obtêm e os salários que recebem, quando comparados com os seus colegas europeus); num país onde a objectividade nos critérios de contratação é a excepção e a regra é a referência que veio do primo da tia de um amigo; num país onde um aluno mediano de boas famílias arranja com muito mais facilidade emprego do que um bom aluno sem berço; num país onde os critérios salariais dos quadros das empresas é quase uma ciência oculta; num país em que, nas empresas, os critérios objectivos de avaliação são desvalorizados porque tiram às hierarquias os seus pequenos poderes discricionários, tão ao gosto da cultura nacional; num país onde a maior parte das empresas relaciona-se com os seus funcionários ao sabor de humores e simpatias pessoais; é salutar ver esta agitação em defesa da exigência. Mas neste país, onde toda a gente se mata a trabalhar e os outros são todos uns mandriões, uns incompetentes e uns privilegiados, podíamos começar a mudar de registo para ver se chegávamos a algum lado.

Sou a favor da avaliação de todos os profissionais. Mas começo a ficar cansado destes linchamentos de vítimas selectivas: primeiro os funcionários públicos, depois os professores... Que tal começarmos a defender uma cultura de exigência antes de mais no lugar onde trabalhamos. Porque quem só leia os jornais e os blogues fica com a sensação que vive num país com empresas e serviços de excelência onde sobrevive uma ilha de desorganização: o Estado. Pois eu, que praticamente toda a minha vida trabalhei no sector privado, sei bem como isso é falso. O nosso Estado é apenas um excelente retrato do resto do país. Sente-se mais porque é mais centralizado e mais pesado. Mas a cultura é a mesma.

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