É pioritário dizer que isto não é prioritário
Claro que há um argumento possível, para quem acha que os portugueses, sendo pobres de cabeça, só conseguem discutir um assunto de cada vez: que perdendo tempo com o debate público deste tema a sociedade se distrai do que é fundamental. Mas então fica uma perplexidade: não perdeu o senhor Bacelar Gouveia o seu precioso tempo a escrever sobre um tema para explicar que ele não era prioritário? Não distraiu ele os leitores do importante combate à crise económica para falar de um assunto irrelevante? Pior: não o fez só para explicar que o assunto era irrelevante? Ou seja, não confessou o colunista que o assunto é para ele suficientemente importante para que nele gaste tanto latim e nos faça gastar a nós o tempo de o ler?
Mas o que é mais extraordinário é que, tendo como principal argumento o facto do assunto não ser prioritário, o senhor Bacelar Gouveia, que acha que os deputados não têm legitimidade para cumprir o programa com o qual foram eleitos há dois meses, propõe a realização de um referendo. Ou seja, propõe que o país se mobilize todo para um tema que ele próprio acha, por causa da crise económica, secundário.
Talvez seja altura destes activistas assumirem que este assunto é para eles tão prioritário como é para as associações LGBT. Só que no seu caso a prioridade vai para o chumbo da proposta. A dos outros vai para a sua aprovação. Por isso, talvez fosse melhor abandonar este recurso pouco sério à crise económica e assumir que, sendo contra ou a favor, se dá prioridade ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Se chegarmos a acordo sobre isto e deixarmos de tomar quem nos ouve e lê por parvo talvez seja possível fazer um debate sem truques.