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Arrastão: Os suspeitos do costume.

É pioritário dizer que isto não é prioritário

Daniel Oliveira, 30.10.09
Hoje, no “Público”, lá estava um artigo de opinião sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Era de Jorge Bacelar Gouveia. Começava da mesma forma que tantos outros: que, perante uma crise económica, o tema não é prioritário. Mesmo que aceitasse que a igualdade de todos perante a lei não é sempre prioritária, este argumento deixar-me-ia perplexo. Permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo não exige recursos financeiros, não exige grandes esforços do Estado, não exige grande mobilização da sociedade. É questão que se resolve em duas horas, no Parlamento. Ora, as prioridades só são relevantes quando se tem de escolher e por isso hierarquizar. Tal não sucede neste caso. Alguém me explique em que é que a aprovação de um projecto que anula uma expressão na lei do casamento atrasa o combate à crise económica. A verdade é que o argumento da crise é de uma enorme preguiça intelectual e de uma razoável demagogia. Usa-se a crise para impedir a aprovação de qualquer coisa que nos desagrada sem ter de trocar argumentos sobre ela. Diz-se às pessoas: não gaste os seus neurónios com isto que há assuntos mais importantes na vida.

Claro que há um argumento possível, para quem acha que os portugueses, sendo pobres de cabeça, só conseguem discutir um assunto de cada vez: que perdendo tempo com o debate público deste tema a sociedade se distrai do que é fundamental. Mas então fica uma perplexidade: não perdeu o senhor Bacelar Gouveia o seu precioso tempo a escrever sobre um tema para explicar que ele não era prioritário? Não distraiu ele os leitores do importante combate à crise económica para falar de um assunto irrelevante? Pior: não o fez só para explicar que o assunto era irrelevante? Ou seja, não confessou o colunista que o assunto é para ele suficientemente importante para que nele gaste tanto latim e nos faça gastar a nós o tempo de o ler?

Mas o que é mais extraordinário é que, tendo como principal argumento o facto do assunto não ser prioritário, o senhor Bacelar Gouveia, que acha que os deputados não têm legitimidade para cumprir o programa com o qual foram eleitos há dois meses, propõe a realização de um referendo. Ou seja, propõe que o país se mobilize todo para um tema que ele próprio acha, por causa da crise económica, secundário.

Talvez seja altura destes activistas assumirem que este assunto é para eles tão prioritário como é para as associações LGBT. Só que no seu caso a prioridade vai para o chumbo da proposta. A dos outros vai para a sua aprovação. Por isso, talvez fosse melhor abandonar este recurso pouco sério à crise económica e assumir que, sendo contra ou a favor, se dá prioridade ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Se chegarmos a acordo sobre isto e deixarmos de tomar quem nos ouve e lê por parvo talvez seja possível fazer um debate sem truques.

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