Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Arrastão: Os suspeitos do costume.

O nojo

Daniel Oliveira, 30.07.06
Na minha penúltima manhã na Síria e em Damasco, encontro o dono do hotel de olhos raiados de raiva, pregado na televisão. Olho e vejo corpos empilhados, de adultos e crianças. A Al-Jazeera mostra-os. Cada um mostra os seus. Foram 56 esta noite, 34 crianças. Lamentáveis e necessários danos colaterais, dirão os que sem vergonha apoiam este nojo. Não dirão o mesmo noutros momentos os fanáticos que nos países islâmicos apoiam a Al Qaeda? Se eu dissesse aos que por aqui vou conhecendo, gente normal e sem grandes conhecimentos políticos, que me pergunta com alguma ingenuidade porque é que a Europa nada faz, que, no meu país, não falta quem apoie esta loucura, olhariam para mim com o mesmo espanto que nós olhamos quando vemos que há nos países árabes gente que parecendo normal apoia Ben Laden.

Sem tirar os olhos da televisão, o dono do hotel diz só "Líbano", "crianças" e aponta para a televisão para eu ver. Um amigo dele, de olhos cerrados de raiva, acrescenta: "Israel". Eu pergunto se os sírios se vão manifestar. Ele responde: "Para quê? Eles não vão parar por causa de nós, pois não?" E, como um idiota, eu respondo: "Talvez a Europa..." Ele sorri e encolhe os ombros. Volta a olhar para a televisão com aquela cara que todos temos quando o choque se mistura com a indignação. Não é nem nunca será um suicida, não é um fanático, não espuma da boca quando fala dos ocidentais. é apenas dono de um hotel para jovens europeus e americanos. Podia ser qualquer um de nós, como nunca por essas bandas se imaginam os árabes. Desumanizar o outro é sempre o primeiro passo para o ódio. Mas os olhos dele, geralmente serenos, são de raiva. Quanto mais vejo as imagens, mais os meus ficam como os dele. E acabo por ser eu a dizer: "filhos da puta!"

De Alepo olhando para o Líbano

Daniel Oliveira, 25.07.06

Souq de Aleppo

Escrevo de Alepo, no norte da Síria. A poucos quilómetros a sul, um país é destruido, num acto de selvajaria consentido pelo Mundo. Mais de 150 mil libaneses estão na Síria, esperando o dia do regresso que pode ser daqui a umas semanas ou meses. A maioria em Damasco. Muitos aqui em Alepo. Os sirios e todos os árabes vivem suspensos no que se passa no Líbano. Mas sem espanto. Há cerca de oito mil anos que o espaço que hoje é ocupado por Alepo é habitado, sem interrupções. Há milénios que é conquistado, reconsquistado, atacado e reconstruido. Aqui sente-se a história toda, em camadas, nas igrejas e nas mesquitas, nos bairros cristãos e muçulmanos. A história nunca passou. Repete-se sempre hoje. E todos os disparates simplistas que por ai se vão escrevendo sobre o Islão, lidos daqui, deixam de irritar. Fazem pena, como faz toda a ignorancia. E ver, ao olhar para os jornais portugueses na Internet, que não falta por aí quem defenda o que está a ser feito no Líbano deixa-me de sem palavras. E ver que não falta quem fale da história recente do Líbano sem falar da sua guerra civil, da anterior ocupacão israelita, de Sabra e Shatila, revela-me como o revisionismo historico tem as mais insuspeitas das faces.

Daqui, de Alepo, na Síria, sente-se a história. O Mundo não vai chegar ao fim. São apenas os árabes - essa nova encarnação do mal, como outrora foram os judeus - que se sentirão cada vez menos deste tempo. A sua decadência faz-se com gritos, mas é uma decadência sem retorno. Perderam. E por isso, aqui cresce a raiva de quem já não tem mais nada para perder. Aqui, escrevendo de Alepo, terra de árabes e turcos e arménios e muçulmanos e cristãos de todo o tipo, sinto-me libanes. O Libano que, ao contrario de Israel, é um Estado multi-confessional e que não conta com uma ponta de ajuda de um Ocidente que se diz laico para o continuar a ser. O Libano reconstruido agora mesmo e de novo arrasado pela estupidez e pela arrogancia absolutas. Um Libano entregue por Israel as maos do Hezbolah. Daqui de Alepo, milénios de historia contam-me da esperança e da barbárie. E agora, mais a sul, so se ve barbárie sem qualquer esperança.

Regresso daqui a uma semana, com muitas fotos e algumas histórias de um pais deslumbrante. Desculpem a demora na aprovação de comentários e desculpem erros de escrita. O teclado árabe não facilita.

PS: Alguem que esteja mais perto e com um bom teclado que explique a Helena Matos o significado de "anti-semitismo" e, já agora, que lhe diga que quem confunde a oposição a politica do governo israelita com nazismo não é diferente de qualquer fundamentalista religioso. Também para o Hezbolah e para o Hamas não há diferença entre judeus e governo de Israel. Quem baralha religião com politica, estados com grupos religiosos, para diminuir aqueles dos quais discorda, baralha-se com quem diz combater.

Breve posta de Damasco

Daniel Oliveira, 18.07.06
Não me é fácil postar aqui de Damasco, de onde parto amanhã para Palmira e para o Eufrates. Apenas dizer, rapidamente, que a cidade está cheia de libaneses e turistas fugidos do Libano. Por aqui, fala-se de, no total, 75 mil, numeros superiores aos que li hoje na imprensa portuguesa. Sejam quantos forem, os hoteis estão a abarrotar.

Os damascenos não despregam os olhos da Al-JAzeera e em cada dia que passa há mais e mais bandeiras do Hezbollah nos carros, nas lojas e nas ruas. Mesmo na zona da noite - que aqui não pára – dominada por jovens estilosos e raparigas de cabelo destapado e com roupa tão provocante como a de qualquer ocidental e no bairro cristão as bandeiras amarelas do grupo libanes dominam a paisagem. A revolta é enorme e a ditadura siria tem sabido usa-la a seu favor.

Vista daqui, ouvindo e vendo a reacção dos árabes, do mais radical ao mais moderado, a estupidez e a insanidade desta ofensiva israelita não tem paralelo recente e é bem mais grave do que se imagina. E terá piores consequencias do que se imagina. Mais um contributo para a radicalizacão do mundo árabe. Claro que estamos a umas poucas dezenas de quilómetros das zonas bombardeadas. Mas se um jovem laico e semi-ocidentalizado de uma cidade cosmopolita e multi-religiosa como Damasco tem neste momento como heróis os lideres do "Partido de Deus", imagine-se o que se passa em mais sombrias paragens. Podemos agradecer tudo isto ao senhor Ehud Olmert.

Mais tarde, postarei mais com mais pormenores. Quando regressar contarei tudo, com as fotos que fui tirando. Mais uma vez, não prometo nada em relação a brevidade da aprovação de comentários. Sigo para Palmira, Eufrates, Allepo e regressarei daqui a uma semana a Damasco. Darei novas das ondas de choque que aqui chegam da guerra. Ate já.

Estarei por aqui

Daniel Oliveira, 14.07.06
Nos próximos 17 dias vou andar por...


align=center>Damasco,...
align=center>align=center>align=center>

align=center>Palmyra,...
align=center>

align=center>Deir Ez-Zur e ao longo do rio Eufrates...
align=center>align=center>

align=center>e Allepo.
align=center>align=center>

Também esteve planeada uma ida ao mais importante festival do Médio Oriente, em Baalbek, no Líbano, mas Israel anda a brincar na zona e as fronteiras foram fechadas. Terá de ficar para outra vez.

Se for possível, tentarei postar aqui sobre o que vou vendo, como fiz, há um ano, no Iémen. Até porque estou ali mesmo onde tudo, neste momento, ferve, pelas piores razões. Se não conseguir, mil perdões. Será difícil aprovar comentários, mas vão pondo que, pelo menos no meu regresso, todos serão publicados. Até já.

Eles são o caminho para a paz

Daniel Oliveira, 12.07.06
align=center>
«É um acontecimento raro: líderes religiosos muçulmanos, cristãos e judeus todos de acordo. O motivo é a realização de uma marcha do orgulho gay em Jerusalém. O objectivo de xeques, rabis e arcebispos é, por estes dias, o mesmo. "Impedir a parada da aberração em Jerusalém."» (Público)

A moda do rapto do soldado israelita

Daniel Oliveira, 12.07.06
O movimento Hezbollah capturou hoje dois soldados israelitas na fronteira israelo-libanesa, provocando o lançamento de uma ofensiva militar de Israel no sul do Líbano.

Viram que a graça resulta e imitaram a acção a norte, obrigando os israelitas a dispersar forças. E os israelitas não têm outro remédio. A retórica fanfarrona dá sempre maus resultados políticos e militares. Um dia destes as tropas israelitas estão mais espalhadas pelo Médio Oriente do que as norte-americanas.

Isto vai ajudar em alguma coisa a resolução do problema palestiniano? Não. Mas alguém está interessado nisso?

Pág. 1/6