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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Documentário: “Between the Walls” (actualizado)

Daniel Oliveira, 23.12.06
Aqui, descrevi a minha viagem a Gaza, Cisjordânia e Haifa. Agora, fica o documentário, feito nos principios de Novembro. Feito por mim e por Nino Alves. Sem grandes pretensões, foi feito em poucos dias, sem condições técnicas e humanas. É um registo de conversas. Uma contribuição que ajuda a perceber o que se passa neste preciso momento na Palestina.

Foi realizado como instrumento de trabalho do Grupo das Esquerdas Europeias. Resulta de uma visita de vários deputados europeus (de quase todo o espectro político), a Israel e Palestina, com encontros com deputados, activistas de ONG’s e pacifistas dos dois lados. A visita teve uma agenda carregadíssima de reuniões, quase todas elas impossíveis de concentrar em poucos dias, não fosse o enorme conhecimento que a eurodeputada Luísa Morgantini tem do terreno e dos principais protagonistas políticos e sociais na Palestina e no movimento pacifista israelita.

Este vídeo, partido em seis partes e com a duração de 45 minutos, traduz uma posição política sobre o conflito. As condições de filmagem estiveram longe de ser as melhores, sobretudo em Gaza, onde os israelitas não permitiram a entrada do material de filmagem e de som e tivemos de nos contentar com uma câmara de mão.

Na primeira parte, ouvimos israelitas (judeus e árabes) pacifistas de Haifa ainda a recompor-se da guerra do Líbano. Na segunda, para além de um resumo da sucessiva perda de território pelos palestinianos, fala-se das reprecursões (sobretudo económicas) da construção do muro. Na terceira, trata-se da situação económica resultado do embargo à Palestina. Na quarta parte, continua-se a falar da situação económica e da difícil situação política que levou ao conflito a que agora assistimos. Na quinta, trata-se da situação em Gaza. E na sexta e última parte visita-se o principal hospital de Gaza e refere-se a utilização de armamento químico por Israel.

Duas correcções: o reconhecimento de Israel por parte da OLP, feito em 1988 e confirmado em 1993, não aconteceu, como é evidente, em Camp David – que foi muitos anos antes e alguns anos depois – como é por lapso de revisão referido no off; e a última intervenção é de um deputado do PPE (do Partido Conservador inglês) e não de um deputado do GUE.

VERSÃO COMPLETA LEGENDADA EM PORTUGUÊS AQUI.

OU POR PARTES:

Parte 1 - Formas de Guerra
Parte 2 - A história de um muro
Parte 3 - O Muro
Parte 4 - Terra onde não há pão
Parte 5 - O gueto de Gaza

Parte 6 - O hospital de Al-Shifa

Ver no Esquerda.net

Conto de Natal

Daniel Oliveira, 23.12.06
O tomate que o senhor Suzuki trocou por dinheiro, que a senhora Anete comprou com o dinheiro que consegui a vender profumes extraídos das flores, estava em mau estado para o molho do porco que a sua família iria comer e foi por isso para o lixo que foi para a Ilha das Flores para os porcos comerem, mas estando em mau estado mesmo para os porcos, acabou por ser comido por uma família sem dinheiro da Ilha das Flores. A história do ser humano, que se distingue dos demais mamíferos por ter encéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor.

Filme em duas partes.





Video via Blocomotiva e 5 Dias

Arquivo: Maria José Morgado e Dias da Cunha

Daniel Oliveira, 21.12.06
Aqui em baixo pode ler a transcrição de uma mesa redonda com Maria José Morgado e Dias da Cunha sobre os bastidores do futebol. Foi organizada pela revista "Manifesto" em Maio de 2004 e, perante a escolha de Morgado para investigar o Apito Dourado, voltou a fazer sentido le-la.


Os Bastidores do Jogo

Mesa Redonda com Dias da Cunha e Maria José Morgado
moderada por Heitor Sousa e José Neves



Manifesto – As declarações que ambos proferiram há já alguns meses pareciam ter algo de ‘profético’. Na verdade, se é certo que pairava em torno do mundo do futebol um ambiente de suspeição, as vossas palavras foram talvez as primeiras – no caso do Dr. Dias da Cunha vindas do universo do futebol, no caso da Dr.ª Maria José Morgado vindas do universo da justiça – que fixaram com clareza alguns pontos que, actualmente, com o caso Gondomar e afins, se tornam particularmente nítidos. Então era já claro, para vocês, a importância do triângulo ‘poder político – futebol - construção civil’?

Dias da Cunha – Eu diria que as minhas declarações não tinham nada de profético. Quem estivesse no meio conhecia. Simplesmente, é daquelas realidades com que todos estávamos confrontados, mas sobre as quais, por uma razão ou por outra, se evitava falar. Eu devo dizer que cheguei ao dirigismo desportivo recentemente. Foi uma aprendizagem que tive que fazer. E houve uma circunstância que me abriu muito os olhos. O que na gíria se chamou o ‘Movimento dos Presidentes’. Mas, por agora, fico-me por aqui. Adiante voltarei a essa história.
Maria José Morgado – Também acho que não havia nada de profético no que disse. Havia uma análise de uma determinada realidade, análise que resultava de algum esforço de tratamento de determinados sectores da sociedade portuguesa que envolviam aspectos muito opacos. Quando investigamos essa opacidade e as suas razões deparamo-nos com uma malha muito densa e estreita de acumulação de cargos em autarquias e em clubes de futebol; depois, através dessa acumulação de cargos em clubes e autarquias, deparamos com a ligação a determinados sectores da economia, mormente a construção civil, tendo isso muitas vezes como esquema, de forma muito repetida, o recurso à ‘política de solos’. A acumulação de cargos permitia uma série de negócios insindicáveis que circulavam das autarquias para clubes e empresas. Paralelamente, encontravam-se sinais, como patrimónios injustificáveis, conflitos de interesse, favorecimento de certas empresas em detrimento de outras, etc.. A malha torna-se de tal forma apertada que, em determinados sectores económicos, quem viesse de fora daquele circuito não conseguia obter ou licença de construção ou adjudicação de serviços, por exemplo. Portanto, havia aqui um diagnóstico de conflitos de interesse, acumulação de cargos, falta de fiscalização e o resvalar para uma espécie de articulação entre determinados titulares de cargos no futebol e um certo mundo da economia paralela – o mundo dos que não se submetem às regras da livre concorrência e da lealdade.
O fenómeno dos resultados desportivos e da sua manipulação, relacionado com a verdade desportiva, é outra questão. Eu referi-me apenas aos negócios que rodeiam o jogo. Não sendo esse um problema específico a Portugal, sucedia simplesmente que, entre nós, o drama era o medo. Havia uma inversão de valores. O crime quase que era falar destas questões e não o contrário. O grande problema é o facto do futebol ser um negócio – e não tenho posições moralistas quanto a isso – e, portanto, ter de adoptar as regras das empresas normais – auditorias jurídicas, contas transparentes, financiamento transparente. Acontece que a acumulação de cargos cria oportunidades tentadoras e tem por base conflitos de interesses. E isso envolve uma tendência que leva à utilização do estatuto de ‘utilidade publica’ como biombo para determinados negócios pouco transparentes. Há uma tendência para utilização da ‘utilidade publica’ para permitir a quem está, ao mesmo tempo, numa câmara e num clube doar um determinado terreno ao clube. E entra-se num plano inclinado incontrolável... Mas, antes de mais, há pois que distinguir práticas que coloquem em causa a verdade do resultado desportivo – que também tem que ver, por exemplo, com o doping – e, depois, o crime económico associado ao desporto.

M – Há a sensação de que o caso que agora vivemos – o caso Gondomar – é apenas a ponta do icebergue. Para lá da manipulação de resultados, há uma dimensão criminal que passa por assuntos como os referentes aos processos de Vale e Azevedo e de Pimenta Machado, dimensão que terá mais que ver com práticas de branqueamento de capitais e semelhantes...

DC – Deixemos o Dr. Pimenta Machado de lado. É mais fácil. Eu fui atraído para o problema que aqui debatemos, a principio, quando assumi a responsabilidade que tenho, pela questão da ‘verdade desportiva’. E ela tem que ver com a concorrência entre empresas, como refere a Dr.ª Maria José Morgado. No mercado do futebol, os dinheiros sujos, que servem para facilitar práticas a diferentes níveis, são um factor de concorrência desleal. Eu nesse aspecto tive sorte. O Sporting, quando assumi funções, estava já num caminho de correcção em matéria de contas. O Dr. Roquette impôs no Sporting a obrigatoriedade de uma contabilidade que traduzisse a realidade com que íamos vivendo.
Percebi, por outro lado, que havia forma de influenciar os resultados dentro de campo. Apanhei o fim de um tempo em que isso acontecia não tanto por que se pagava aos árbitros para conseguir certo resultado. A verdadeira forma de influência era o sistema de classificação dos árbitros. A classificação é atribuída por uns senhores escolhidos – e foram sempre escolhidos – para acompanhar as prestações dos árbitros. Como, por exemplo, chegar a árbitro internacional – ponto alto na carreira de um árbitro – está dependente do lugar na classificação, esta tem uma enorme importância. Assegurar, antes da performance do arbitro, que ele saiba quem o observa – “veja lá, vamos estar atentos” – era uma maneira de controlar o que se passava dentro de campo.

M – O Dr. Dias da Cunha referiu-se, há pouco, à questão do ‘Movimento dos Presidentes’. Foi aí que começou a perceber estas práticas?

DC - Eu percebi que o comportamento que seguíamos no Sporting quanto à necessidade da contabilidade registada estar exactamente de acordo com os compromissos do clube não era um comportamento generalizado. E isto percebi ainda antes do ‘Movimento dos Presidentes’. E só é possível não registar a realidade, a totalidade do que se paga a um jogador – e este é um dos grandes problemas –, se houver ‘sacos azuis’. Não é possível de outra forma. E, aqui, há um grande perdedor de quem normalmente não se fala. Esse perdedor é o Estado, pelos impostos. Baixar intencionalmente a tabela de remunerações tem como objectivo não pagar os impostos. Para isto poder funcionar tem que haver dinheiro livre, não contabilizado. Quando comecei a falar nestas coisas pela primeira vez, o que verdadeiramente preocupava era a questão da arbitragem, que eu já percebera que não era tanto uma questão de dinheiro como do sistema de classificação dos árbitros. Nessa altura, os árbitros eram designados por sorteio. Era um sorteio com bolas. Em que simplesmente, ao contrário do que sucede em sorteios internacionais, ninguém tinha a possibilidade de ter a certeza de que em cada uma das bolas, de um pote donde sairia uma com o nome de um árbitro para um certo jogo, haveriam nomes diferentes e não um mesmo nome. Quando eu referi esta questão, na minha segunda presença televisiva, choveram processos em cima de mim. Foi quando usei a expressão “À mulher de César não basta ser séria...”.
Depois do escândalo que envolveu isto, houve um jogo no estádio do Sporting. Antes, há um almoço. Há um presidente convidado – vamos deixá-lo na sombra – e estão também dois ministros. Um dos ministros tinha responsabilidade no desporto, o outro já lá tinha estado. A praxe destes acontecimentos é que o dono da casa diga umas palavras de circunstância, que o presidente convidado responda e que, na presença do governo, o seu membro encerre. Eu, em vez das palavras de circunstância, dirigi-me ao meu interlocutor e disse-lhe: “Olhe, estão muito escandalizados porque eu usei a palavra ‘sistema’ para falar da arbitragem. Gostava de deixar claro. O Sistema não é mais do que a história do Monstro que fugiu ao Criador. Lembro-me, na minha juventude, de ver a história do Frankenstein que fugiu ao sábio. O Sistema não é quem o domina neste momento, e não interessa agora quem o criou (o meu interlocutor sabia que eu estava a referir-me a ele). Agora há que dominar o Monstro”. O meu interlocutor respondeu-me com grande frontalidade. Disse que andava nisto há muito tempo, há muitos anos (já então era, de facto, um número muito grande). E disse-me, em seguida, que houve apenas um período em que as coisas no futebol não estiveram muito mal. Falou de um período em que os presidentes se encontravam uns com outros, discutiam os problemas e, depois de dizerem uma série de coisas entre si, dificilmente viriam a público dizer outras coisas. Dos ministros presentes, recordo que um chegou a falar e não terá dito nada de muito diferente do tradicional assobiar para o ar do governo. Tal como acontece hoje. Eu tinha dito uma brutalidade, uma monstruosidade, mas tal não provocou reacção nenhuma. Passado algum tempo fui à terra desse presidente e pôs-se de pé, então, esse ‘Movimento dos Presidentes’.
MJM – Retomando algumas das ideias do Dr. Dias da Cunha, gostava de sublinhar que a necessidade da gestão transparente não é apenas a necessidade de um futebol limpo e sério. É também uma questão de ganhar o melhor, um problema de mérito. Veja-se, por exemplo, a questão fiscal. A questão da evasão fiscal tem uma grande exuberância entre nós. Por volta de 2002, por exemplo, o Expresso referiu a correcção de declarações fiscais de empresários de futebol na ordem dos milhões. Há vários aspectos inexplicáveis e contraditórios entre si. Muitos clubes têm despesas superiores às receitas, estão tecnicamente falidos e fazem-se contratações milionárias. De onde vem o dinheiro?

M – As SAD foram criadas procurando um novo financiamento aos clubes e, todavia, domina o espectro da falência...

MJM – Se não há fiscalização devida, em qualquer parte da economia e do mundo, quem tem proventos de actividades desonestas pode canalizar os seus lucros para lá e assim lavá-los. A evasão fiscal é aliás um crime precedente do branqueamento de capitais. Havendo evasão fiscal, o dinheiro subtraído aos impostos tem que ira para qualquer lado e tem que ir lavado. Não pode estar ligado ao crime que lhe deu origem. Eu não me quero referir agora a determinadas práticas existentes no interior do futebol. Que também me dizem que, se não são utilizadas, os clubes sufocam. Mas, então, o mal vem de muito longe... Com isto não digo que não há clubes interessados em gestões transparentes. Eu não tenho qualquer paixão clubística, mas não me custa reconhecer que o Sporting tem tido, pelo menos, um discurso de defesa da transparência. Mas há, cada vez mais, novas situações à margem da lei. Em Itália, por exemplo, onde o fenómeno será ainda mais sofisticado – porque a fiscalização será também mais apertada –, há o caso da Parmalat/Parma. Aí, as acções da empresa eram insufladas artificialmente para cotação na bolsa através de compras e vendas artificiais de passes de jogadores. Por vezes eram mesmo compras fictícias. Chama-se a isso o ‘doping contabilístico’. Tudo estoirou agora. Com falências brutais, levando ao desemprego de famílias e prejudicando gravemente a economia. Com estas práticas sucede que os próprios clubes de futebol se transformam num buraco negro da economia, num offshore, algo subtraído à fiscalização normal. Isso é cada vez mais prejudicial para o próprio futebol em si. A certa altura ninguém sabe muito bem onde está o mérito. Neste contexto, o que é espantoso é que a classe política tenha um fototropismo em relação a esse mundo.

M – Neste universo, com estes laços entre economia real e economia informal, não está uma SAD condenada a viver sem transparência?

DC – As SAD foram inicialmente criadas para trazer a transparência ao futebol profissional. É claro que depende das pessoas que as liderarem. A questão está em haver fiscalização. A Dr.ª Maria José Morgado fala nas coisas de um ponto de vista da observação teórica, sem conhecimento directo. Mas, de acordo com o meu conhecimento directo, ela tem toda a razão.
A certa altura, as remunerações dos jogadores dispararam, aquando do acórdão Bosman. Na medida em que os jogadores ficaram muito mais livres, muito menos dependentes dos clubes, eles passaram a ser muito mais transaccionáveis, o que favoreceu o desenvolvimento da actividade do empresário, que passou a ser um agente activo da transferência. Isto sucedeu a um nível global. Num fenómeno mundial, com a globalização, com a queda das barreiras, como referiu o Stiglitz, assistimos à integração das economias e, não sendo esse processo acompanhado de controlo, ele favorece os mais fortes. E os mais fortes são os que são capazes de se impor neste mercado usando quaisquer meios. Esse é o grande problema. O negócio intensificou-se brutalmente. As equipas passaram dificilmente a ter continuidade. O interesse dos empresários é claramente esse, pois ganham à medida das transferências. Este multiplicar das transações foi acompanhado pelo crescimento das receitas resultantes da televisão. Aqui em Portugal dá-se a ideia de que as receitas televisivas pagariam, com os direitos de amanhã, o que hoje se gasta. É a partir daí que o futebol profissional se desequilibra de forma muito peculiar. O grande mérito do Dr. Roquete foi perceber que ou se interrompia esta precipitação ou o abismo chegaria, mais tarde ou mais cedo.

M – Como se amenizam estes desequilíbrios?

MJM – Há os que procuram o apoio político e os que procuram seguir as regras. Há quem viesse invocar numa campanha eleitoral o apoio de um determinado partido...
DC – A não contabilização da realidade do encargo começou a intensificar-se. O que é remuneração do jogador é parcialmente substituído pela questão dos direitos de imagem, direitos do jogador vendidos a uma offshore que depois negoceia. E isto abre imediatamente a porta à associação de outro tipo de dinheiros. Outra forma é partilhar os direitos de passe dos jogadores. E, face a isso, o Sporting exige que se saiba, quando os direitos não são detidos na totalidade pelo clube, quem detém a outra parte. Quando isto for claro, então se verificará que, em relação a um conjunto de jogadores, para lá do clube, há um determinado indivíduo, um determinado empresário, que detém esses direitos. Então os sócios perguntarão quem manda verdadeiramente na equipa que joga.
Todo este fenómeno de compra e venda de jogadores, associado a uma rede fechada, foi facilitando o surgimento destas práticas. Por isso eu falo da importância da ‘contabilidade criativa’. E tendo sempre o Estado como perdedor...

M – O problema do Estado é o da falta de vontade política em assumir esse combate à fraude e à evasão fiscais?

DC – É o medo. Há um mito quanto ao número de simpatizantes dos clubes principais. Quando se fala em 6 milhões, por exemplo, implica que estar nas eleições legislativas contra 6 milhões de adeptos será estar contra 6 milhões de eleitores... Para quem funciona neste tipo de cálculos...

M – Nesse sentido, por exemplo, a vitória de Rui Rio sobre Fernando Gomes nas últimas eleições autárquicas do Porto foi de algum modo desmitificadora dessa relação entre filiação clubística e comportamento eleitoral...

DC – O que só mostra que felizmente o povo separa as coisas, ao contrário do se pensa. O medo que os políticos têm do futebol tem muito que se diga. Não há estádio único em Lisboa por causa disso. Sabia-se que a medida era à partida impopular. Num dos clubes, todavia, os responsáveis estavam dispostos a ir por diante com a hipótese do estádio único, condicionando somente o acordo à assembleia geral do clube, onde defenderiam o estádio único sabendo que tal era contra a vontade da maioria dos sócios, mas sabendo também que, explicando – tornando transparentes as questões – encontrar-se-ia uma solução. A nossa aposta era considerar os sócios do Sporting como responsáveis. E não tenho dúvidas de que a solução se concretizaria. Mas, a ideia morreu porque quem politicamente tinha que advogar o estádio municipal temeu perder votos.

M – Mas, para lá do medo do poder político, não se jogaram também interesses a nível das construtoras?

DC - Na verdade, o outro clube desistiu do projecto de um só estádio. Mas não tenho motivos, dados ou informações que me levem a ter razões para entender que o lobbie do betão tenha actuado, como então se referiu.

M – A propósito dos estádios e dos apoios públicos, como se pode defender que clubes transformados em empresas, que visam antes de mais os seus lucros, beneficiem do estatuto de ‘utilidade pública’, estatuto esse que permite as referidas ‘políticas de solo’ ou os benefícios fiscais?

MJM – A questão é a hipocrisia e a opacidade. É claro que se usa o estatuto de utilidade pública para benefícios fiscais, doações de terrenos ou para subsídios. Como por exemplo sucedeu em relação ao ‘Euro 2004’, com a criação de empresas ligadas ao negócio do ‘Euro 2004’. Se, por causa disso, mais tarde, até se vier a descobrir que se praticaram determinadas fraudes, descobriremos que o estatuto de utilidade pública foi mais uma facilidade, mais uma cortina. Mas, também, se tirarmos o estatuto de utilidade pública, tudo continuará a acontecer na mesma. As questões centrais são a contabilidade paralela, a promiscuidade com o poder político, a acumulação de cargos com conflitos de interesse.
DC – Com contabilidade cristalina, se houver um benefício, ele será conhecido. A questão não é tanto a da utilidade pública, mas a dos dinheiros públicos. Eu já disse muitas vezes: não é por o Sporting ter um determinado número de simpatizantes, de um determinado meio social e económico, a pagar contribuições, que o Sporting deve ter melhor equipa que um clube com 10 mil sócios. A questão é a da transparência. Que a política de um senhor candidato a presidente de Câmara passe por entregar solos ou dinheiro a um clube, então ele tem é que fazer votar o seu programa.
MJM – Tratam-se sempre de formas de financiamento. Há casos que serão legítimos, outros que começam por ser legítimos e que derrapam, outros que pareciam uma coisa e depois outra... A questão é a das contrapartidas políticas relativamente a todos esses processos.
DC – Eu creio que a questão que se coloca é a de saber se faz ou não sentido haver dinheiros públicos nos clubes. Em relação a isso, lembro que há um serviço inestimável que é prestado ao país pelos clubes. Mas nem é pelos grandes clubes que ele é principalmente prestado. Trata-se de uma rede nacional de clubes e de associações que orienta os jovens numa primeira fase da prática desportiva. Um dos problemas é o facto de serem precisamente esses clubes que menos recebem da parte do Estado. No âmbito do ‘Movimento dos Presidentes’, essa foi uma questão que o Sporting procurou discutir. Como redistribuir. Olhar para o problema, quantificá-lo e ir à procura das respostas. Por exemplo, o Sporting tem defendido que, uma vez terminado o período de formação de um jogador, e quando ele é transferido, a mais-valia seja repartida pelos clubes da formação.

M – Como vê a Lei de Bases que agora será proposta?

DC – É necessária a definição de padrões de contabilidade. O poder político, o governo, podia, até junto das empresas de auditoria, constituir uma comissão – um auditor – que durante um certo período acompanhasse os clubes. Isto era um grande passo.
MJM – Isto seria fácil. Sendo que há grupos instalados que se opõem a fiscalizações. Porque a fiscalização é o seu fim.
DC – É verdade que todos conhecemos o que sucedeu com a Enron e com a Arthur Anderssen, nos EUA. Mas, veja-se também como em Itália estão a ser duramente punidos os auditores envolvidos no caso Parmalat. Eu não conheço outra forma. Há que levar as coisas a sério e até ao fim. No caso do futebol português, precisa-se de um Plano Oficial de Contabilidade.

M – Há também um problema que tem que ver com a concertação de gestões. Quando a direcção de um clube é a mesma que a de um canal televisivo, por exemplo, as relações entre as entidades tornam-se progressivamente invisíveis...

MJM – Essa é a natureza da questão dos conflitos de interesse. É a acumulação de cargos e o abuso de posições dominantes que dá a hegemonia no mercado.
DC – Os norte-americanos perceberam isso na transição do século XIX para o XX. Nos EUA, tomaram-se então as primeiras medidas de controlo do abuso de posições dominantes, o que passa por uma certa obsessão quanto à livre concorrência a nível interno. Acontece que, simultaneamente, todavia, os EUA foram sempre o país que mais se protegeu. Através do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, seus fiéis seguidores, impõe-se aos países mais pobres a abertura das suas fronteiras. Defendendo-se as fronteiras norte-americanas.
O futebol português precisa de uma transparência naquela dimensão da livre concorrência. E, a outro nível, necessita de transformações na arbitragem. O Sporting defende a profissionalização dos árbitros. Por cima, defendemos a criação de algo semelhante ao Conselho Superior de Magistratura. Eu via aí uma estrutura formada com uma maioria de juizes. Não escolhidos pelos clubes, mas, porque não, pelo próprio CSM.
MJM – Finalmente um ponto de divergência com o Dr. Dias da Cunha. Mesmo com a estrutura que referiu, não concordo. A minha palavra de ordem, neste momento, seria: magistrados e juizes fora do futebol.

M – Defende então que a justiça desportiva se integre na justiça civil?

MJM – Sim, defendo uma normalização. A participação em estruturas desportivas amolece – para não dizer coisas piores – a consciência dos magistrados. Nunca achei bem. É um ponto de vista pessoal que tenho há muito tempo.
DC – Quanto aos acontecimentos que vivemos presentemente, para terminar, e sem entrar directamente no caso, manifestava apenas que, sinceramente, tal não me interessa. Tenho mesmo receio que isto leve o poder político a continuar a dizer que nada tem que ver com a situação, afirmando apenas que é um caso de polícia e que a polícia resolve. E o poder político não se pode continuar a refugiar.

Só se perdem as que caem no chão, não é?

Daniel Oliveira, 21.12.06
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A Associação Sindical de Juízes decidiu dar um parecer contra um pormenor da revisão do Código Penal: o que inclui no crime de violência doméstica aquela que aconteça em casais de pessoas do mesmo sexo.

Não sei qual das razões apresentadas é a melhor: que «a protecção da família enquanto composta por cônjuges do mesmo sexo tem um notório – e apenas esse – valor de bandeira ideológica, uma função, por assim dizer, promocional»; que não existe «relação de superioridade física do agente em relação à vítima»; que não havendo casamento entre pessoas do mesmo sexo não se pode falar de violência doméstica e que faze-lo seria deixar «entrar pela janela aquilo que não entrou pela porta»; e que «não está minimamente demonstrado que essas situações existem – o legislador deve legislar sobre o que geralmente acontece, não sobre o que pode acontecer».

Tudo errado. Desde a primeira à última linha. A não descriminação segundo orientação sexual está na Constituição e por isso a questão é constitucional e não ideológica. A tipificação do crime de violência doméstica não serve nem para defender a família nem para a promover, mas para defender individuos. A lei já prevê a violência doméstica em uniões de facto, que estão legalizadas para os casais de homossexuais, e até fora dela. A violência doméstica inclui violência psicológica e prevê que os homens possam apresentar queixa de violência por parte das mulheres. A «superioridade física» (?) não é uma questão. A Associação de Apoio à Vitima tem queixas registadas de violência doméstica em casais de pessoas do mesmo sexo.

Perante o disparate, um dos doutos juízes que deu este parecer admitiu não ter pensado, quando o redigiu, «na situação dos heterossexuais em uniões de facto» que já podem apresentar queixa por violência doméstica. E reconheceu que assentar a sua posição no argumento na existência de uma relação de superioridade física «pode ser redutor». A questão é se chegou a pensar em alguma coisa. Se ao dar o parecer fez algum trabalhinho de casa. Ou se é ele que é movido, não digo por bandeiras ideológicas, mas por reflexos pavlovianos.

Ele há armas e armas

Daniel Oliveira, 20.12.06
Israel reconheceu o que todos sabíamos: que tem armamento nuclear. Claro que a "comunidade internacional" pode ficar descansada e continuar a aplicar os seus rigorosos princípios de defesa de não proliferação deste tipo de armamento apenas a países perigosos. Com Israel tudo é, obviamente, diferente. Todos sabemos que se trata de um país pacífico, incapaz de atacar os seus vizinhos ou destabilizar o Médio Oriente.

É a economia, estúpido!

Daniel Oliveira, 19.12.06
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Nas eleições municipais do Irão Ahmadinejad teve uma derrota eleitoral. Não é só no Ocidente que a retórica e a provocação valem de pouco quando a economia corre mal. Os iranianos começam a perceber o evidente: o inimigo externo serve quase sempre para disfarçar a incompetência interna.

É a política, estúpido!

Daniel Oliveira, 19.12.06
«Embora 44 por cento dos europeus considerem que os casamentos entre homossexuais deviam ser autorizados em toda a Europa, o barómetro indica uma enorme divisão entre os blocos Norte e Sul e Leste. Os holandeses (82 por cento), os suecos (71), os dinamarqueses (69) e os belgas (62) são os mais favoráveis. (…) A maior relutância em aceitar estes valores encontra-se nos novos estados-membros: Letónia (12 por cento), Chipre (14), Grécia (15), Lituânia e Polónia (17), Malta e Hungria (18) e Eslováquia (19). De um modo geral, os europeus do Leste e do Sul são mais conservadores. A República Checa (52 por cento) é o único novo estado-membro a aceitar o casamento gay. E a Espanha o único do Sul (56). » (“Público”)

No que toca aos valores da liberdade individual e aos direitos dos homossexuais Portugal está ao nível de Malta, Chipre, Itália e da Europa de Leste profunda (países marcados pelo conservadorismo católico e comunista), enquanto a Espanha se aproxima da Europa do Norte. Um bom barómetro do que está a acontecer em Espanha e não está a acontecer em Portugal. É que nem tudo se explica pela pela religião. Mesmo em países muito católicos o desenvolvimento económico e a política podem fazer milagres.

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