Vamos ter de repetir cem mil vezes para que mais uma aldrabice não se transforme em verdade. No referendo, vota-se, como diz a pergunta, a despenalização do aborto. Pode haver quem se tenha convencido que se vota uma coisa diferente. Mas está lá, preto no branco, apovado pelo Tribunal Constitucional e promulgado pelo Presidente da República.Do ponto de vista jurídico, as interpretações diferentes valem zero.
Se 50% dos eleitores mais um for às urnas e a maioria deles votar sim, essa despenalização tem de acontecer. Se 50% dos eleitores mais um for às urnas e a maioria deles votar não, essa despenalização não pode acontecer. Independentemente da vontade dos que hoje apelam ao voto no não ou da vontade dos que hoje apelam ao voto no sim. Seria inconstitucional, para além de um desrespeito sem nome da vontade dos eleitores, fazer interpretações desse voto para lá do que está expresso na pergunta. "Não" será não à despenalização, seja ela às claras ou encapotada. "Sim" será sim à despenalização. Nem mais, nem menos. Quem estiver de um lado ou do outro não fica dono do voto de quem votou.
Por isso, quem diz que caso ganhe o "não" despenalizará, por portas travessas, o aborto até às dez semanas, está a mentir. Não o poderá fazer, mesmo que o queira. Eles sabem que não podem. E não querem. Se o quisessem teriam escolhido caminho claro: estariam a apelar ao voto favorável a despenalização do aborto até às 10 semanas. Ou teriam proposto outra pergunta. Agora, querem lançar a confusão. Apenas isso.
Também publicado no Sim no Referendo.