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Arrastão: Os suspeitos do costume.

E então, João?

Daniel Oliveira, 29.08.08


O meu amigo João Teixeira Lopes levanta, no Esquerda.net, o problema da relação da esquerda com a segurança. Ou seja, o da sua insegurança perante o tema. A insegurança é verdadeira mas para o afirmar de forma tão taxativa teremos de ser um pouco mais rigorosos. Na realidade, a esquerda não tem dificuldade nenhuma em falar de segurança. Nem de segurança no sentido mais lato (na velhice, na doença, no trabalho, etc.), nem no sentido mais restrito (criminalidade). A esquerda fala sem qualquer problema da criminalidade fiscal, da criminalidade de colarinho branco, da violência doméstica, da violência no desporto, do crime rodoviário, etc. Aliás, de grande parte do tipo de crimes que deixam a direita muito insegura, coisa que, curiosamente, raramente lhe é apontada. A esquerda tem, sim, dificuldade em falar da criminalidade de rua: assaltos ou roubos. A que é associada a fenómenos de marginalidade social, económica ou apenas cultural. E que é, muitas vezes erradamente, relacionada com a pobreza.

Se aceitarmos este ponto podemos passar para o seguinte: perceber de onde vem este desconforto.

Antes de mais, porque a esquerda associa a criminalidade comum à exclusão e a exclusão à desigualdade social. E a esquerda tem dificuldade em aceitar que o Estado lide com os fenómenos que ela associa à desigualdade usando preferencialmente meios repressivos.

E aqui, de facto, teremos de fazer uma reflexão um pouco menos simplista. Se é verdade que há um tipo de criminalidade que está ligada à crises sociais e económicas, não é menos verdade que em momentos de crescimento e abundância assistimos a um tipo de criminalidade habitual nas sociedades de consumo: não para conseguir o mínimo mas para aceder a bens que estão longe de ser de primeira necessidade.

Depois, por causa da sua tradição anti-autoritária (e aqui estamos a falar apenas de uma parte da esquerda, aquela que, diga-se em abono da verdade, tem dificuldades neste tema), a esquerda libertária desconfia do Estado. E desconfia ainda mais da polícia. As motivações da cautela são, na minha opinião, as melhores. É o melhor e não o pior da sua história que a condiciona. Só que tem de haver um limite. A polícia, sendo considerada, nas perspectivas revolucionárias mais radicais, como representante da "classe dominante", do "sistema vigente" ou coisas deste género, é, seguramente, uma conquista das sociedades democráticas. A centralização das funções de segurança no Estado, dando a ele o monopólio da violência, é uma garantia de controlo democrático. A alternativa, a partir de um determinado alarme social, é a privatização da segurança. Seja por empresas (já transmitiram o seu interesse nesta oportunidade de negócio), seja por milícias populares sem regras nem lei.

Por fim, a esquerda enumera, quando fala de segurança, algumas das causas da criminalidade: o urbanismo socialmente estratificado (que explica grande parte do que aconteceu na Quinta da Fonte), a exclusão social, as sociedades de consumo que valorizam a propriedade acima de todas as outras coisas, etc. Faz bem em fazê-lo e nem toda a pressão e histeria a deve inibir de continuar a repetir estas evidências. Uma verdade, por ser impopular, não passa a ser mentira. Só que quando se esgota esta discussão mais estrutural, ficam apenas as questões de curto prazo. E aí, a esquerda nada tem a dizer de diferente da direita. E é isso mesmo que se nota no texto do João. Depois de defender tudo aquilo que a esquerda defende, diz que se tem de dizer mais. Mas não diz. Porque não sabe o que há de dizer.

O que tem a dizer é simples: a polícia tem de ser eficaz e tem de ter meios para garantir a segurança dos cidadãos. Até porque a insegurança não afecta todos de igual forma. Os excluídos são os mais frágeis perante o caos. Nota-se alguma diferença em relação ao que a direita tem para dizer? Não. Há uma nuance: a esquerda, mesmo quando diz isto, continua a valorizar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos perante as funções repressivas do Estado. E aqui é que a porca torce o rabo. Se a esquerda escolhe os momentos de alarme social e de histeria mediática (fundada ou infundada, é indiferente) para fazer este debate nunca consegue passar mensagem nenhuma. Ou entra na espiral ou ninguém a ouve. Se o João disser que a polícia tem de ser eficaz (uma lapalissada) mas que é inaceitável que, no meio da histeria generalizada, se resolva mudar a lei para aplicar a pena de prisão preventiva (que deve ser excepcional) a todos os crimes que envolvam arma (uma norma geral muito pouco ponderada), o que ficará no ouvido é apenas a segunda parte. Ou então diz só a primeira e não está a dizer nada. Ou então diz mais para se fazer ouvir. Pode dizer uma coisa como esta, por exemplo:



Compreendo a ansiedade do João. A esquerda fica ansiosa nestes momentos. Não porque desconheça que existe criminalidade. Não, como é evidente, porque esteja do lado dos criminosos. Não porque acredite na infinita bondade humana e no "bom selvagem". Nem sequer porque nada de diferente tenha a dizer sobre o tema do que diz a direita. Apenas porque o que tem a dizer de diferente (e, por isso, será aí se centrará a polémica) não passa nestes momentos. Para ser ouvida terá de acompanhar a histeria e aumentar a parada.

Estes são os piores momentos para discutir a segurança. E o tema só é perigoso porque envolve medo. E o medo é sempre o pior conselheiro num debate político. É o tempo da propaganda. E, neste caso, de uma propaganda que nos leva para caminhos que podem ser bastante assustadores.

Resumindo: o João está ansioso e eu também. Fora isso, chegado ao fim do texto do João, não encontro respostas. Só o desabafo da ansiedade. Porque há momentos maus para defender boas razões, mesmo as mais equilibradas. Temos de viver com isso.

Vídeo roubado ao Pedro Sales

Primeiro em tragédia, depois em farsa

Daniel Oliveira, 29.08.08

Para além da pertinência deste artigo sobre o Bloco de Esquerda, de quatro páginas inteiras, publicado no "Avante!", vale a pena analisar o seu conteúdo. Não por o que lá está escrito, já que se trata de qualquer coisa que só pode ser classificada bem abaixo da mais triste indigência teórica (se é que se pode sequer falar de tanto), mas pelos termos usados, sempre a fugir para chinela. Ele diz muito do estado lamentavel em que está a reflexão política e ideológica no PCP. Nem uma tese, a contestação de uma ideia, a reflexão sobre um espaço político. Nada, a não ser umas citações sortidas e uns insultos escolhidos ao acalhas. E para isto, quatro páginas inteiras. O artigo não quer convencer ninguém de nada. Basta lê-lo para o perceber. Quer apenas fazer o costume: erguer um muro mais alto contra a contaminação para tornar mais segura a fortaleza.

O título também é interessante: "Bloco de Esquerda - Um neo-reformismo de fachada socialista". Ao parafrasear o título de um livro com quase quarenta anos, escrito por Álvaro Cunhal na ressaca do Maio de 68, para definir um espaço político em 2008, o PCP demonstra que não percebeu nada do que tem acontecido pelo mundo nas últimas décadas e o que mudou desde 1971 e, sobretudo, depois da "grave derrota sofrida pelo socialismo a nível mundial, após a restauração do capitalismo na Europa de Leste e na ex-URSS"". Com uma agravante: a cópia é uma desgraça quando comparada com o original. Quem assina este artigo, o ultra-ortodoxo José Manuel Jara, é autor de obras significativas para o debate político à esquerda como "A farsa dos pseudo-radicais em Portugal".

Vindo a despropósito e não acrescentando nada ao vazio do artigo, tenho a honra de ser referido: "Veja-se o estilo do comentador do BE, Daniel de Oliveira, no Expresso, onde não perde pitada para zurzir no PCP, do alto do seu posto na imprensa burguesa." Desagradável para o camarada Ruben de Carvalho, que costuma escrever na página ao lado, ocupando assim também o "seu posto na imprensa burguesa".

O Pedro lá no Eixo

Daniel Oliveira, 28.08.08
Só agora noto que já é público que eu ando a guardar isto para mim há semanas. Saiu no JN. O Pedro Marques Lopes vai passar a fazer-me companhia no "Eixo do Mal", passando o programa a ter um digno representante do imperialismo yankee. Um gajo de direita que, para além de ser um grande amigo, gosta, como eu, de discutir. Mas não, não fui eu que o escolhi. Quem o escolheu conhecia-o da escrita e da rádio. Por mim, fiquei agradavelmente surpreendido. Para o José Júdice, que abandonou o plantel, já seguiu um grande abraço. Vou ter saudades.

...

Daniel Oliveira, 28.08.08
O João Teixeira Lopes escreve que

Na verdade não dicordo do que o João diz. Mas também não sei bem que conclusão quer ele tirar daí.

Diz a muda ao calado

Daniel Oliveira, 27.08.08

No Expresso desta semana, no único espaço onde podemos confirmar que Manuela Ferreira Leite existe (a sua coluna de opinião), a líder do PSD faz uma crítica a José Sócrates: que ele tem estado calado sobre as questões de segurança. Diz, no título, que se trata de um "silêncio alarmante". Ferreira Leite está preocupada com o silêncio do primeiro-ministro sobre um assunto. É indiscutível que a líder do PSD é mais consequente: está calada sobre todos os assuntos.

Porquê?

Daniel Oliveira, 27.08.08
Que se saiba, só este ano morreram 31 mulheres às mãos dos seus companheiros. É provavelmente o homício mais comum em Portugal. Está o país mobilizado para o combater? Abre noticiários? O CDS faz conferências de imprensa e propostas?

Respostas

Daniel Oliveira, 26.08.08
Neste post fiz, a propósito do caso da juíza com doença bipolar, várias perguntas. Dois portadores da doença deixaram comentários. Um deles, o de Miguel Pinto, por ser especialmente esclarecedor e pedagógico, deve ser destacado. Aqui fica, na integra, com os devidos agradecimentos:

"Como doente bipolar penso poder responder a algumas perguntas. Em primeiro lugar a doença bipolar é uma designação ultrapassada. Agora fala-se do expectro bipolar, pois existem vários tipos de doença bipolar e cada um dele com intensidades diversas.

Em segundo lugar, eu não falaria de alternância entre estados eufóricos e depressivos (devido à possibilidade de más interpretações). Escolho a expressão “destabilização de humor”.

Para quem invocou o Lítio, posso dizer que existem no mercado uma gama variada de estabilizadores de humor, como por exemplo o valproato de sódio (que controla o pólo da mania ou euforia, porventura o mais problemático seja na sua manifestação positiva ou negativa).

Bom, eu sei que sou bipolar e sei que tenho de tomar medicação para ter os “humores controlados”. Percebi também, como medida preventiva, que seria ideal a procura de mecanismos paralelos de relaxamento. Comecei a fazer meditação.

A linha de fundo é que nunca fui tão ponderado, nem tão centrado como desde que sei ser um doente bipolar. Colaborei. Desde que percebi os mecanismos da doença as crises não chegam a concretizar-se porque reconheço o seu começo e posso combatê-las. Posso aborrecer-me às vezes ou ficar triste, mas quem não o faz?

Profissionalmente sou conhecido pela minha objectividade e pela minha capacidade de análise, penso que mais desenvolvida devido a esta nova necessidade de estar centrado. Por isso:

- A avaliação que uma pessoa bipolar vai fazendo do seu próprio estado de saúde é muito boa.
- Um doente bipolar não necessita de interrupções de trabalho, a partir do momento em que aceita a doença e cumpre a medicação.
- Ser bipolar não impede o juízo e/ou a objectividade de ninguém, a partir do momento que é um estado conhecido do paciente e que este sabe quais os métodos de controle do mesmo.
- O stress permanente é um problema para qualquer pessoa. Confesso que hoje me deixo stressar menos porque sei que não posso fazê-lo. É como não gastar o dinheiro que não se tem.
- Quando é o próprio que se reconhece incapaz de cumprir as suas funções, não sei se isso será suficiente para cessar as funções. Há que provar se é um juízo altruísta (por auto-vitimização ou por desconhecimento de si enquanto pessoa bipolar com o distúrbio controlado) ou um juízo utilitário de quem quer ir para a reforma."

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