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Arrastão: Os suspeitos do costume.

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Daniel Oliveira, 03.02.09
O Pedro Adão e Silva faz aqui um paralelo entre o caso Casa Pia e o Freeport. Algumas diferenças: o caso Casa Pia entrava no domínio mais íntimo dos sentimentos das pessoas. Do público, das vítimas e dos visados pela investigação. O que está em causa no licenciamento do Freeport está no dominio da acção política. No caso Casa Pia era praticamente impossível alguém convencer o país da sua inocência sem expor todos os pormenores da sua vida privada. O país teve, durante meses, a escrutinar a vida pessoal de várias pessoas que, sendo inocentes, a viram por isso devassada em todos os seus domínios. No caso do Freeport a única coisa que tem de ser escrutinada é a forma como foi desempenhado o cargo, o que, diga-se de passagem, é excelente que o seja, com ou sem ilicito.

Eu posso, como cidadão, perguntar ao ex-ministro José Sócrates, independentemente dele ser arguido, suspeito ou coisa nenhuma, porque licenciou determinado projecto de determinada maneira. E ele tem obrigação de me responder, porque o fez no exercício de um cargo público. Se estivermos a falar de um crime, suspeita de crime ou boato infundado de crime do domínio pessoal, as respostas só têm e só devem ser dadas perante as autoridades judiciais. Porque, sendo a pessoa inocente, não a podemos obrigar a abrir a sua vida para a opinião pública.

Já nem falo das consequências de uma e de outra suspeita para o que de mais pessoal há na vida de cada um. São casos de natureza diferente e que tiveram contornos em nada comparáveis. Foi, aliás, a sua excepcionalidade e brutalidade que chocou tantas pessoas tão distantes do PS e dos seus direigentes. A utilização do caso Casa Pia para falar de um caso que se refere a actos político-administrativos, pode ser tentador para avivar a histeria. Mas é péssima ideia.

Comparar com o boato lançado, de forma bastante tosca, diga-se em abono da verdade, sobre a suposta homossexualidade de Sócrates é ainda mais absurdo. Primeiro, porque mesmo que fosse verdadeira, a homossexualidade não é crime. Depois, porque ninguém tem nada a ver com a vida íntima do primeiro-ministro. Mas toda a gente tem a ver com os licenciamentos feitos pelo ministério do Ambiente. E eu quero que o ex-ministro do ambiente me dê mais esclarecimentos sobre uma decisão do governo da república. Não estou esclarecido e nem as comparações mais absurdas (que têm qualquer coisa de chantagem) me vão impedir de exigir aquilo a que como cidadão tenho direito.

Recordo o que aqui escrevi quando foi o caso da licenciatura, limitando as únicas coisas que eram politicamente relevantes. No caso Freeport, pelo contrário, tudo é politicamente relevante. Porque é de uma decisão política de um detentor de um cargo político que estamos a falar. Por isso, tudo é do dominio do debate público. É assim nas sociedades democráticas.

Prós e Contras

Daniel Oliveira, 03.02.09
Gostei da clareza de Carlos Abreu Amorim, Saldanha Sanches e Paulo Morais, da comovente candura de José Miguel Júdice em relação à nossa legislação e de saber que todas as pessoas que já trabalharam com José Sócrates ficaram a falar como ele. Lamento não ter ouvido mais tempo o ex-técnico do ICN.

Estranhei que pessoas tão amantes da democracia falassem sempre com tanto respeito de todas as suas instituições e, quando chegados àquela que é, por resultar do voto popular, a mais relevante de todas, se ficassem pela piada displicente. E que um ex-secretário de Estado achasse graça. Extraordinário mesmo, foi ter de ouvir alguém explicar a quem tem vasta experiência pública que só há uma forma de não deixar espalhar a falsa ideia de que todos os políticos são corruptos: não ser complacente com nenhuma suspeita. A democracia defende-se com exigência, não com silêncios de conveniência.

No Expresso

Daniel Oliveira, 02.02.09
Em vez de atacar os jornalistas, de lançar desconfianças sobre o sistema judicial e de apontar o dedo a quem faz leituras políticas do que tem, como é evidente, consequências políticas, Sócrates tem de, com toda a serenidade, convencer os portugueses. Sim, é verdade que na justiça a inocência não se prova. É a culpa que se tem de comprovar. Mas a opinião pública não é um tribunal e a política tem uma lógica própria que os seus actores não controlam com códigos escritos. Será injusto e demasiado pragmático, mas Sócrates terá de estar à altura. Porque ele não é um cidadão qualquer. Neste momento de crise, a nossa vida também depende da sua credibilidade. Infelizmente, ela não pode ficar à espera da justiça.


A verdade dolorosa é que, tal como transformamos as escolas em depósitos para os nossos filhos, transformamos os lares em depósitos para os nossos pais. (...) Se queremos sobreviver como uma civilização onde ninguém está à partida excluído do mercado de trabalho, têm de nos deixar dividir o tempo entre a nossa vida e a nossa profissão. Para os nossos filhos crescerem com pais e os nossos pais morrerem com filhos.


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A trincheira

Pedro Sales, 02.02.09
Ao criticar a "campanha negra" que contra ele está a ser montada, José Sócrates lançou, ele próprio, o que de mais parecido existe com a "insídia" de uma "campanha negra”. Ao generalizar, sem nunca nomear, Sócrates lançou um anátema sobre todos aqueles que persistam em noticiar e contra todos os que levantem dúvidas sobre o licenciamento do Freeport. Doravante, cada pergunta será sempre encarada como um ataque à honorabilidade do primeiro-ministro ou o aproveitamento político dos “poderes ocultos”. Os exemplos são mais que muitos para não colocar grande fé nos métodos do Ministério Público. Mas isso está longe de poder legitimar a forma como o primeiro-ministro preferiu responder.

Sócrates não escolheu este caminho por acaso. Fê-lo por considerar que, entre o deve e o haver, a mentalidade da trincheira seria a que lhe traria maiores dividendos. “Nós” contra “eles”, a ver quem torce primeiro. Um único problema. O país não aguenta muito tempo este clima. Entre a agressividade de Sócrates e as lamentáveis manchetes de algum jornalismo persecutório, que insiste lamentavelmente em vasculhar a vida dos familiares mais directos do primeiro-ministro e todos os pormenores irrelevantes sobre o seu passado, o ambiente nesta latrina está mesmo a tornar-se irrespirável.

Leva, por exemplo, a que um constitucionalista como Vital Moreira defenda que tudo está explicado sobre um dos nomes referenciados pelas autoridades britânicas porque o próprio refutou, "categoricamente", as suspeitas de pagamentos ilícitos que, supostamente, impendem sobre si. É este o problema da trincheira. Só há o "nós" e o "eles". É tão patético o julgamento na praça pública, de quem já dá Sócrates com culpado e0 acabado, como pronunciar o resultado de uma investigação judicial num blogue. Se assim fosse seria tudo mais fácil. Acabávamos com os tribunais, e teríamos sempre Vital Moreira.

microcrónica e regresso

Pedro Vieira, 02.02.09

As várias faces da vergonha

Pedro Sales, 02.02.09

A forma como as greves e protestos xenófobos contra a contratação de trabalhadores se parecem estar a espalhar no norte de Inglaterra é um dos sintomas mais preocupantes da actual recessão económica. É certo que, olhando mais de perto, as manifestações ocorrem num sector altamente especializado e, ali bem perto, já ocorrem protestos semelhantes contra a contratação de espanhóis vai para mais de três meses. Podem ser localizadas e contextualizadas, mas nem isso torna menos inquietante a rapidez e a adesão que estão a receber junto de crescentes camadas da população em pânico com a perspectiva de perder o emprego.

Anos e anos de xenofobia institucional encapotada, como a que entre nós é recorrentemente utilizada pelo PP, tinha que dar em qualquer coisa parecida com isto. Brithsh jobs for british workers. São estas palavras, utilizadas por Gordown Brown quando tomou conta da liderança do Labour em 2007, que os actuais grevistas usam até à exaustão, interpelando um agora balbuciante primeiro-ministro sobre as suas promessas. Ao restringir severamente a possibilidade de contratação de trabalhadores estrangeiros, Gordon Brown esqueceu-se de anunciar que a formulação correcta seria Brithsh jobs for European workers. Uma possibilidade que o governo trabalhista já aparece disposto a prevenir, e defendendo a alteração das "distorcidas" regras laborais europeias...

As épocas de crise não são momentos para grandes demonstrações de altruísmo e respeito pelo próximo. Mas as manifestações selvagens do norte de Inglaterra não nasceram de geração espontânea. São o resultado da pressão económica, que faz vir ao de cima o que de pior existe dentro de cada ser humano, mas são também o fruto da constante resignação de uma parte do movimento sindical (convém não esquecer) e da vergonhosa cedência dos governos, como o que já se está a verificar em Inglaterra, tantas vezes interessados em piscar o olho aos encantos de uma xenofobia soft e encapotada.

Os protestos que estão a varrer o norte de Inglaterra deviam fazer pensar duas vezes todos aqueles que, sempre em nome do suposto combate à xenofobia, foram na verdade desistindo de a combater politicamente e cedendo de lei em lei aos argumentos da “humanidade” no “acolhimento” dos imigrantes. O PS, que já aprovou uma lei imigração apenas com os seus votos e os do PP, devia olhar para o seu percurso nesta matéria. Aquelas manifestações são, também, o reflexo da vossa cobardia.

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