Não assinei este
apelo (também em baixo). Porque não é para mim muito claro o seu sentido exacto. Concordo ou não concordo com ele, dependendo do seu objectivo final. Se for o de uma coligação governamental de esquerda com José Sócrates (como não poderia deixar de ser) à cabeça, não posso concordar. Não por qualquer questão de princípio (já deixei há muito tempo claro que considero que a esquerda à esquerda do PS deve participar em soluções de poder). Mas por uma questão de conjuntura e de honestidade. Para tal acontecer, PS, BE e PCP teriam de trair o essencial dos seus respectivos programas eleitorais e, mais importante, os compromissos feitos na campanha.
Mais: a política faz-se com pessoas. E Sócrates é, na minha opinião, estruturalmente autoritário e convictamente mais próximo da direita liberal do que da esquerda social-democrata e socialista. Não tem assim condições (que outros no PS poderiam ter) para ser o protagonista de uma esquerda plural no poder. Infelizmente, nos melhores cenários políticos nem sempre aparecem os actores necessários.
Se, no entanto, o que está em causa é a defesa de um entendimento entre o Bloco de Esquerda e a CDU para formarem um bloco parlamentar capaz de pressionar ou negociar (sim, claro, negociar) com o governo mudanças legislativa, orçamentais e programáticas que garantam uma viragem política à esquerda e que impeçam que o poder seja entregue ao CDS, assino por baixo. Defendo que o próximo governo deve ser minoritário e que o poder de cada decisão deve ser devolvido a quem realmente o deve ter antes de todos os demais: o Parlamento. Na esperança de que a esquerda à esquerda do PS o queira usar.
E deixo claro que não me revejo no discurso de quem já se contenta com o conforto de entregar a faca, o queijo e tudo mais à direita populista. Gostava que o Bloco e o PCP se comprometessem com soluções que dêem esperança e vitórias às pessoas e não com derrotas eleitoralmente promissoras. E estou convencido que grande parte do meio milhão de eleitores que entregou o seu voto ao BE também.
Mas de tudo isto falarei no meu próximo texto no "Expresso". Por enquanto, fica aqui o apelo assinado por muita gente de esquerda. É com estas pessoas (e muitas mais) que a esquerda tem de contar nos próximos anos para impedir que à desgraça que foram os últimos quatro anos se junte a agenda de Paulo Portas. E para isso não vai bastar protestar.
Apelo no link em baixo."O resultado das eleições legislativas permite afirmar com clareza que os portugueses recusaram a hegemonia neo-liberal, dando o seu voto maioritariamente à esquerda. É por isso legítimo esperar que o futuro governo do país acolha novas políticas solidárias, relançando a prosperidade e a esperança no futuro.
A 27 de Setembro os eleitores revelaram uma inquestionável vontade de entendimento entre os partidos de esquerda. As votações alcançadas pelo Partido Socialista, pelo Bloco de Esquerda e pela Coligação Democrática Unitária são o resultado das fortes movimentações sociais ocorridas na legislatura passada, tendo contribuído decisivamente para gerar uma nova solução pluripartidária susceptível de encontrar respostas aos factores de crise e desigualdade social.
Os entendimentos entre as diversas forças de esquerda para uma solução de governo (coligação ou acordo de incidência parlamentar) são muito comuns na Europa Ocidental (por exemplo, no Chipre, em Espanha, em França, na Itália, na Suécia, na Dinamarca, na Noruega, na Finlândia, etc...).
Em Portugal, pelo contrário, há mais de 30 anos que as esquerdas continuam incapazes de se entender para gerarem soluções de governo. Contudo, vários estudos têm revelado que este elemento resulta de um crescente desfasamento entre os eleitores destes partidos (que desejam um entendimento) e os seus eleitos (que persistem na incomunicabilidade).
Os resultados de 27 de Setembro exigem que as esquerdas se encontrem e sejam capazes de explicitar o contributo que cada um destes partidos está disposto a dar para se encontrar uma solução estável de governo. Pelo menos essa tentativa de entendimento é devida ao povo português pela forma como demonstrou a sua vontade eleitoral.
Os subscritores do presente Apelo agem no sentido de que seja traduzido num programa de governo as lutas e anseios de amplas camadas da população que justificam celeridade na construção de respostas urgentes e adequadas para os problemas do seu quotidiano. Para servir este objectivo, deverão ser estudadas as bases para um Compromisso à Esquerda que reforce as conquistas democráticas, vinculando a acção governativa a um elenco programático."