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Arrastão: Os suspeitos do costume.

A máscara

Sérgio Lavos, 31.05.10

Alguma direita revela-se nos momentos críticos. Quando podia finalmente tomar uma posição que fortalecesse o apoio que costuma dar a Israel, criticando o sanguinário erro das forças israelitas, como tanta gente por esse mundo fora fez, da esquerda (Obama, Zapatero) à direita (Merkel, Sarkozy), decide
hastear bandeiras, mimetizando um hábito provocatório recente, fazer pungentes declarações de amizade luso-israelita (certamente bastante apreciadas pelo governo de Netanyau) ou assobiar para o lado publicando vídeos de horrorosos empurrões para o mar ou fotografias de muçulmanos empunhando adagas, a mais perigosa arma de ataque conhecida pelo Homem.

Mais de dez mortos. Trinta feridos. Um barco cheio de ajuda humanitária a caminho de uma região fechada ao Mundo interceptado em águas internacionais. E eles não só tomam o partido do mais forte como querem-nos convencer de que este é o mais fraco. Esta direita não age em função de uma amizade ou afinidade cultural, como tanto gosta de apregoar. Os verdadeiros amigos apontam os defeitos, dizem as verdades, denunciam quando é caso disso. Esta direita age de acordo com algo muito mais primitivo: o preconceito anti-islâmico. Que esse preconceito sirva um Estado opressivo - Israel - surgido como resposta ao pior genocídio da História, não é apenas irónico; é, sobretudo, trágico. O povo judeu pode dispensar este tipo de amigos.

Por quem o sino dobra?

João Rodrigues, 31.05.10

Uma imagem da semana passada diz muito sobre os sombrios tempos que correm: Teixeira dos Santos, rodeado de alguns dos milionários gestores dos grandes grupos económicos com poder político e de mercado em Portugal, onde se destacam os banqueiros do costume, toca o sino que abre o dia de negócios em Wall Street: é "dia de Portugal" na praça norte-americana. O governo age cada vez mais como se fosse o comité-executivo dos negócios do capital financeiro (para retomar e adaptar a caracterização de Marx e Engels). Privatizações maciças e austeridade orçamental socialmente selectiva, que atinge sobretudo as classes populares, fazem agora parte do esforço para seduzir precisamente os que causaram a última crise global.

O resto da crónica no i pode ser lido aqui e a petição da ATTAC pode ser subscrita aqui.

Todos acaberemos por pagar o preço do estatuto de inimputabilidade que tolerámos (em actualização)

Daniel Oliveira, 31.05.10

O raid de forças israelitas contra um navio turco da frota de activistas que transporta ajuda humanitária para Gaza provocou mais de 19 mortos. Os barcos, onde viajavam vários eurodeputados, foram atacados em águas internacionais. Espera-se a campanha de contra-informação do costume para tentar justificar mais uma grosseira ilegalidade.

Entretanto, a ONU já se mostrou "chocada", a UE "pede" o fim do bloqueio e os embaixadores israelitas são chamados para demonstrações de protesto pelos Estados. Mas na Turquia o sentimento foge um pouco ao repetitivo ritual do "coque" e dos "pedidos" e o governo deste país na NATO diz que Israel pagará por o que fez.

Várias organizações, entre as quais o Comité de Solidariedade com a Palestina, convocaram uma concentração para hoje, às 17h30, frente à embaixada de Israel.

A ditadura higienista

Daniel Oliveira, 31.05.10

Os médicos do Reino Unido querem proibir de fumar nos carros que transportem crianças. É evidente que não se deve fumar com uma criança num carro. É uma questão de bom senso. Mas o bom senso não pode passar a ser lei. Sei que isto é, nos dias que correm, difícil de explicar, mas nem tudo o está errado deve ser proibido. E nem tudo o que manda o bom senso deve ser obrigatório.

Porque se, em defesa da saúde de terceiros, proibimos adultos de fumar nos seus carros, o passo seguinte - e ele virá - será proibir os cidadãos de fumar em casa. Porque não?

E o tabaco está longe de ser a única coisa que faz mal a uma criança. A alimentação, todos sabemos, é decisiva para o seu desenvolvimento. Fará sentido a lei impor uma determinada dieta que os pais estariam obrigados a dar aos seus filhos? Quem sabe, publicada semanalmente em "Diário da República".

O combate ao tabagismo tem servido como excelente desculpa para um retrocesso civilizacional que dá ao Estado poderes que até há uns anos seriam inimagináveis numa democracia. Defendo leis moderadas, que dêem aos não fumadores o direito de não o serem. Mas há leis que, mesmo parecendo acertadas nos resultados práticos que delas se esperam, abrem portas muito perigosas.

A ideia de que devemos defender os menores dos erros dos adultos é correcta. Mas tem como limite não regulamentarmos a vida das pessoas para além do estritamente necessário. E acreditarmos que, em algumas matérias, a mudança de mentalidades pode fazer o mesmo que uma lei com muito menos riscos para a nossa liberdade. Nunca devemos esquecer que hoje são os fumadores, amanhã...

Para quem julgue que se trata apenas de defender os menores, Luís Rebelo, Presidente da Confederação Portuguesa de Prevenção do Tabagismo, diz, entusiasmado, que não se trata de uma medida isolada. "Faz parte de um plano concertado de ataque ao tabagismo no Reino Unido". O objectivo será diminuir em cerca de 40 ou 50 por cento da taxa de fumadores nos próximos quatro ou cinco anos . Ou seja, mais do que proteger terceiros, quer-se, através de proibições, obrigar as pessoas deixem de fumar.

O mais curioso é notar que à medida que o Estado se demite de funções sociais (incluindo na saúde) mais regulamenta o modo de vida dos cidadãos. Parece contraditório mas é coerente. Quanto menos quer gastar mais precisa de proibir.

Publicado no Expresso Online.

O Arrastão dos comentadores

Arrastão, 31.05.10
E chegam ao fim os posts do “Arrastão dos comentadores”. Foi assim que comemorámos os 4 anos do blogue. E a coisa superou as expectativas na qualidade do que aqui foi publicado. Teve ainda duas vantagens: nós descansámos um pouco e alguns comentadores experimentaram por uns dias o que é ter a comentar os seus posts os leitores mais massacrantes da blogosfera nacional. Bem feita! Para nós foi divertido assistir de camarote.

Com o devido agradecimento a todos os que aceitaram participar na ideia, ficam as nossas desculpas aos que cumpriram o pedido de limite de mil caracteres, coisa que não sucedeu com todos, e aos que viram os seus posts publicados no fim-de-semana, quando, evidentemente, há menos leitura. Os posts foram publicados por ordem de recepção. Para o ano a coisa será feita com mais tempo, mais convites e mais rigor nas regras.

Foram 16 posts de 16 comentadores. Uns mais genéricos, outros específicos, uns mais polémicos outros mais informativos. E aqui ficam os links para cada um deles:


Um post de direita (Tonibler)
O sono é a antecâmara da morte (Carlos Correia, cafc)
O tango da tanga (Graça Maciel, GMaciel)
Comunismo, o grande flop do século XX (António Cunha)
Raiz da desconfiança (Rui Miguel Fialho, Rui F)
Orwell (José Manuel Faria)
Apetece-me (Leandro Fialho, Bolota)
Se não estudas estás tramado (Maria Henriques, maria**)
Temos uma esquerda dextra (A.R.A)
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (Isabel Teixeira, isagt)
TDT Televisão Demasiado Triste (Mário Borges)
Irmão de Sancho (José M. Silva, José)
O maior dos nossos desafios (Pedro M. Lourenço)
A liberdade contínua, outra vez (Carlos Marques)
Por um mundo com mais estúpidos (Manuel Rodrigues)
Comboios e aeroportos – as decisões para o Futuro (Júlio de Matos)

O Arrastão dos comentadores: Comboios e aeroportos - as decisões para o Futuro

Arrastão, 31.05.10
Texto de Júlio de Matos

Agora dizem-nos insistentemente que há uma grande crise económica e, sobretudo, financeira, que será mesmo até “a Crise”, mas a grande verdade é que o tempo nunca pára e, mesmo em alturas de crise (ou sobretudo nelas), é sempre necessário tomar decisões sobre os assuntos do Futuro, muito em especial quando elas já são “para ontem”.

Há quem defenda que os recursos nacionais, sendo escassos, devem ser canalizados nesta altura apenas para o que é prioritário, ou mesmo urgente. Também concordo. Mas, se é assim, então temos uma fortíssima razão para defender a construção imediata do novo Aeroporto de Lisboa (NAL), que já vem sendo estudado e é considerado necessário há mais de vinte anos! Não que os problemas da Saúde, o investimento na Educação e na Investigação Científica, a modernização da Administração Pública, ou a melhoria muito significativa da Justiça não sejam igualmente prioritários. Não devem é prejudicar, muito menos excluir liminarmente, o investimento reprodutivo em sistemas básicos de grande impacte económico, como é o caso das infra-estruturas de transporte de âmbito e importância nacionais.

Destas, avultam na actualidade portuguesa, para além das sempiternas questões rodoviárias, as problemáticas do NAL e do Comboio de Alta Velocidade (CAV), também conhecido pela sua sigla em Francês (TGV).

Parece todavia consensual que, em termos da rentabilidade dos investimentos necessários, o NAL é significativamente mais importante e urgente do que o TGV, senão mesmo o único viável dos dois (pelo menos nos próximos anos).

Continuar a ler no link em baixo

E todos sabemos que um Aeroporto, hoje em dia, já não é um “bem de luxo” (também o transporte aéreo se “democratizou”…), mas sim uma infra-estrutura crucial para o desenvolvimento económico das Regiões fortemente dependentes das actividades terciárias de nível internacional, sobretudo do Turismo. O Algarve e a Madeira (em particular o Funchal) que o digam. E penso ser inquestionável que o actual Aeroporto de Lisboa se encontra já muito para além do que seria uma utilização desafogada e com perspectivas de expansão para o crescimento da procura nas próximas décadas.

Por outro lado, um Aeroporto internacional é também um centro comercial muito lucrativo, pelo que o investimento que requer será, em grande medida, investimento privado e não público. E acresce que, sendo embora o retorno deste investimento mais lento do que no caso de um centro comercial convencional, também será garantido por mais décadas.

Assim sendo, não me parecendo haver hoje grandes questões reais a resolver quanto à necessidade, oportunidade e, até ver, quanto à localização do NAL, sobra apenas aquela perguntinha que continua a causar calafrios às pessoas mais conscientes e verdadeiramente preocupadas com o Futuro de Portugal e que, aliás, é uma questão comum a qualquer decisão importante sobre obras públicas: e será que as opções tomadas em concreto, sobre os aspectos fulcrais, foram as mais adequadas?

Porque não cabe analisar tudo num só Artigo, proponho que nos detenhamos apenas na questão da acessibilidade ao NAL, presumindo que será mesmo construído nos terrenos do actual Campo de Tiro de Alcochete.

Sendo esta actualmente uma zona de características ainda algo rurais (e até naturais), relativamente mal servida de rodovias de capacidade adequada para o efeito e com um único acesso importante próximo, constituído pela A12 (e pela sua continuação para Lisboa, pela Ponte Vasco da Gama), a opção pela ferrovia como meio preferencial de acesso parece-me bastante acertada, a todos os títulos.

O único problema é que terá de se tratar de uma infra-estrutura totalmente nova, uma vez que ainda não existe nenhuma Linha férrea que sirva a zona do NAL. Problema agravado pela necessidade e importância da sua ligação à margem Norte do Rio Tejo, onde se localiza a esmagadora maioria da procura dos utentes do transporte aéreo, ou seja, implicando a construção de uma nova Ponte sobre o Tejo em Lisboa.

No entanto, tendo supostamente tudo isto sido ponderado na avaliação comparativa, efectuada pelo L. N. E. C., entre Alcochete e a única alternativa de localização tecnicamente viável, a Ota, parte-se do princípio de que esta nova Ponte, com traçado previsto entre Chelas e o Barreiro está justificada.

Deste modo, a única questão que permanece discutível é mesmo a amarração desta nova ligação ferroviária à questão do TGV.
Não tendo ainda consultado os elementos técnicos disponíveis ao público sobre esta problemática, parece-me para já ser um erro metodológico associar estes dois empreendimentos distintos, o que provoca logo à partida uma menor flexibilização das decisões a tomar sobre cada um deles.

Simplificando, se a única ligação ferroviária prevista ao futuro Aeroporto, a partir de Lisboa, estiver integrada na rede de alta velocidade, ficaremos “obrigados” a construír o TGV ao mesmo tempo do que o NAL, para podermos aceder convenientemente a este, desde o início do seu pleno funcionamento! Sendo que, quanto a mim, teria sido preferível optar por uma ligação ferroviária convencional entre Lisboa e o novo Aeroporto e construir depois, ao lado do mesmo, uma Estação Terminal para o TGV, quando se decidisse avançar com o mesmo.

Significaria isto que a nova linha Alcochete–Lisboa, sobre a futura Ponte Chelas–Barreiro, poderia assim servir quer para garantir a ligação entre a Área Metropolitana de Lisboa/Norte e o NAL, quer futuramente para proceder à distribuição dos passageiros oriundos do TGV, das Linhas do Porto e de Madrid, pelas Estações da Linha de Cintura, situadas já dentro de Lisboa, bem como, preferencialmente, às Linhas suburbanas de Sintra, de Cascais e da Azambuja (e, subsidiariamente, também às Linhas do Oeste e do Norte – a qual, com o TGV, passará a ter uma utilização de cariz mais vincadamente regional).

Em termos de acesso ao Aeroporto, trata-se pois de uma solução perfeitamente normal, que funciona bastante bem, por exemplo, em Roma, no ainda considerado “novo” Aeroporto Leonardo da Vinci (que se situa a mais de trinta quilómetros de Roma e veio substituir o velhinho “Fiumicino”).

Em termos puramente ferroviários, implicaria a necessidade de os passageiros oriundos, por exemplo, da Linha de TGV Lisboa–Porto efectuarem um transbordo em Alcochete, para os últimos quilómetros da viagem até Lisboa (e caso não fosse de todo viável, na nova Ponte, a convivência do TGV com os comboios convencionais), o que não me parece grandemente prejudicial para a qualidade global da viagem, pois de qualquer modo quem viaja hoje de Lisboa para o Porto, e vice-versa, não viaja propriamente entre as zonas de Santa Apolónia e de S. Bento, nem sequer entre as zonas urbanas de Campanhã e do Parque das Nações.

Ou seja, para quem se desloque, por exemplo, da Azambuja, ou do Pragal, mas igualmente de Alvalade, de Queluz, ou de Algés, para Coimbra, Aveiro, ou o Porto também já tem, hoje em dia, que apanhar um outro transporte, eventualmente também ferroviário (comboio ou metro), para poder apanhar o Alfa, ou o Inter-cidades…

O sistema inicial seria, então, constituído por uma ligação em comboio dito convencional entre Lisboa e o novo Aeroporto, tal como acontece em Roma, com um serviço de qualidade e extremamente pontual, o qual, a prazo, serviria então igualmente como ligação ao Terminal das Linhas do TGV, igualmente localizado em Alcochete, mesmo ao lado do novo Aeroporto.

Júlio de Matos.

Como construir uma narrativa sobre o protesto

Daniel Oliveira, 30.05.10

"Intervenção da polícia agrediu cerca de 15 pessoas há momentos na Rua das Portas de Santo Antão, em Lisboa. Os agredidos integravam a manifestação de protesto convocada para hoje pela CGTP. Segundo apurou o SOL a confusão começou devido a um desentendimento entre um cliente de um café e um empregado desse mesmo estabelecimento que chamou de imediato a polícia. Logo de seguida chegaram cerca de 20 polícias, incluindo elementos do corpo de intervenção, armados com carabinas, para tentarem apaziguar os ânimos. No entanto, no local encontravam-se centenas de pessoas que tinham participado na manifestação contra o Governo, convocada pela CGTP do dia de hoje, e após algumas trocas verbais, a polícia começou a agredir manifestantes.

Os membros do corpo de intervenção da polícia começaram a agredir as pessoas presentes no local com bastões e alguns elementos da polícia à paisana agarraram em alguns manifestantes, atirarando-os para cima de esplanadas e contra as montras dos restaurantes. Cerca de 20 minutos depois da confusão se ter instalado, a polícia chamou reforços de modo a ajudar as restantes forças políciais a se retirarem do local. A maior parte dos polícias no local não se encontravam identificados."

Do Sol (notícia e foto)
Como estava numa das esplanadas das Portas de Santo Antão com amigos e familiares a comer uma boa de uma salada de polvo (não naquela onde a cena terá começado) e, com aquela curiosidade bem tuga, fui assistir ao episódio (que aconteceu a poucas dezenas de metros do lugar onde eu estava), posso confirmar pelo menos a segunda parte da notícia. Quanto à primeira, não dei pelo desentendimento inicial, por isso não sei. O que vi foi uma força policial demasiado nervosa para lidar com uma multidão atónita e moderadamente revoltada (mas pacífica) com o excesso de aparato para um episódio tão corriqueiro. A facilidade com que começaram à bastonada (no lado oposto ao que eu estava) foi reveladora de falta de sentido das proporções perante gente que não reagiu com qualquer sinal de violência.

Apesar de ter assitido à cena não lhe dei especial importância - a manifestação é que conta. Até ter visto o que a RTP (que filma o fim dos incidentes) disse sobre o episódio. E isso sim, revoltou-me. Eu, que tenho tudo menos simpatia por supostos "extremistas infiltrados na manifestação" e pelo uso da violência em manifestações, não tenho qualquer dúvida em afirmar que esta notícia da RTP é uma aldrabice pegada.

Assim, a PSP e a RTP conseguiram transformar aquilo que deveria ter sido um pequeno problema numa esplanada, mais de uma hora depois da manifestação ter terminado, quando as pessoas petiscavam e bebiam as suas cervejas, num incidente de contonos políticos. Só depois de ver a notícia e a forma como as fontes da PSP a descreveram ficou para mim mais clara a provável razão para tamanho aparato num episódio tão idiota e a estranha facilidade com que começou a bastonada. Nada como assustar as pessoas para evitar grandes protestos.

Fica apenas a nota: a notícia do Sol terá sido escrita por um jornalista presente no local que, pelo que diz, fez perguntas às pessoas. A da RTP limita-se a aceitar, sem mais, a versão da polícia. Não hesitanto em catalogar, por procuração, as pessoas agredidas (que não conheço). Bom serviço.

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