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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Imitar a Irlanda, caminhar para a recessão

João Rodrigues, 29.09.10
“Governo anuncia redução de 5 por cento na massa salarial da função pública.” Isto vai afectar todos. Todos. Do público e do privado. O projecto de cortar salários, directos e indirectos, de forma deliberada vai para a frente. Juntem o aumento do regressivo IVA, num dos países onde este mais pesa na estrutura de impostos. Menos rendimentos do trabalho, recessão, mais desemprego. A especulação e a expropriação financeiras serão as de sempre...

Adenda: só para deixar o comunicado de imprensa do processo de aprofundamento do capitalismo de desastre em curso.

João Carlos Espada goes to Alvalade

Bruno Sena Martins, 29.09.10

O timing do telejornal

Daniel Oliveira, 29.09.10
O governo vai apresentar hoje as linhas gerais do Orçamento de Estado. Sem negociação prévia. PSD e CDS, que concordam com a receita geral recessiva (onde o aumento de impostos é apenas uma parte), não querem a impopularidade de estar nesse barco. PS não tem grande vontade de negorciar com BE e PCP (e vice-versa). Ou seja, podemos mesmo estar à beira de uma crise política. Que Sócrates apresente as linhas gerais do Orçamento no dia em que Cavaco ouve o PSD e em que a CGTP se manifesta só prova que o seu timing continua a ser o dos telejornais e não o dos problemas do País. Com gente assim, estamos bem tramados.

Fazer como a Irlanda, não era?

Daniel Oliveira, 29.09.10

Para além do aumento do IVA, a OCDE propõe o congelamento dos salários da função pública até 2013 com vista a um incentivo para a "moderação salarial" no sector privado. Propõe que o país que tem dos mais baixos salários da Europa e com a segunda maior desigualdade salarial, logo depois da Letónia, seja moderado. Não nos salários mais altos, mas em todos. Quando o salário médio português pouco passa os 800 euros e 40% dos trabalhadores levam para casa menos de 600 euros líquidos gostava de saber como se identificam os excessos salariais como o principal problema nacional.

E dizer que os aumentos salariais não devem estar acima do crescimento da produtividade, só por piada. Nos últimos 30 anos ele esteve, de forma consistente, em linha com crescimento da produtividade. Mas como a desigualdade salarial se tem agravado, os aumentos nos salários mais baixos têm, na realidade, estado abaixo desse crescimento.

Seja como for, sem exportações para fazer, a medida afectará o mercado interno. E isto é a coisa mais perturbante no discurso dominante na Europa sobre esta crise: todas as propostas fazem por ignorar os efeitos de políticas recessivas na economia real. Aquela onde pessoas compram e vendem coisas. A consolidação orçamental e o endividamento é o alfa e ómega de tudo. A economia é tratada como se não existisse. E como se políticas de austeridade não tivessem qualquer efeito nestes dois indicadores.

Uma proposta: como pediam os profetas da terra queimada, olhem para a Irlanda. Aplicou, no último ano e antes de todos os outros, os cortes salariais que se propunham (cinco a quinze por cento nos funcionários públicos) enquanto se entretinha a salvar a banca nacional. Mereceu aplauso geral por tamanha coragem e astúcia. "Tomando estas medidas difíceis mas necessárias, vamos reconstruir a auto-confiança do nosso país internamente e a nossa reputação no exterior", disse em Dezembro o primeiro-ministro irlandês, usando expressões que nos são familiares. Passados oito meses, a Irlanda está, talvez ainda mais do que nós, num buraco sem fundo.

Tudo o que está a acontecer na Europa mostra que este caminho não resulta. Mas como nos repetem, contra todas as evidências, que é por aqui que temos de ir, lá vamos nós sem fazer muitas perguntas rumo ao abismo.

Publicado no Expresso Online

O pecado de Chávez

Daniel Oliveira, 29.09.10

"A Venezuela foi a eleições. O PSUV, partido de Hugo Chávez, conseguiu 95 dos 165 deputados da Assembleia Nacional. Atingiu a maioria absoluta, mas não a maioria de dois terços que permitiria aprovar leis orgânicas sem ter de negociar com a oposição e que era o objectivo de Chávez. Contudo, a distribuição de deputados favorável a Hugo Chávez não corresponde directamente à distribuição directa dos votos, onde a oposição conseguiu 52% dos votos (dado ainda não confirmado oficialmente à data da elaboração do presente artigo).

A expressão eleitoral que a oposição conseguiu alcançar merece uma análise detalhada. A ONU reconheceu que a Venezuela conseguiu, entre 2002 e 2008, a maior redução da desigualdade de entre os países da América Latina e alcançou a distribuição de rendimentos mais equitativa da região. Assim, como explicar que a oposição alcance metade dos votos em disputa num país com tamanhos avanços sociais? Será este resultado sintoma de uma crise do Socialismo do século XXI ou é uma crise do Governo de Chávez? (...)

Quando Hugo Chávez mistura aprofundamentos socialistas nas propostas de alterações à Constituição, com reforços do poder presidencial e da autocracia do Estado, reduz o debate ao populismo, e o Socialismo à sua permanência no poder. Quando vê a proposta de revisão constitucional chumbada pela primeira vez e, apenas dois anos depois, força novamente a votação, demonstra que para ele a Democracia é apenas uma forma de legitimação da sua vontade.

No país onde Socialismo se confunde com o populismo de Chávez, houve uma sondagem em 2009 onde 70% das pessoas indicavam que ninguém lhes tinha explicado o que era uma Democracia Participativa nem o Socialismo do séc. XXI. Um ano depois, a direita cresce para níveis assustadores de representação eleitoral. Não basta a socialização económica, para que o Socialismo seja vitorioso. Sem uma socialização política, onde a consciência e a prática democráticas sejam aprofundadas, não há Socialismo do Séc. XXI que resista."

De Pedro Filipe Soares

Trabalhadores de toda a União, uni-vos!

João Rodrigues, 28.09.10

Comissão Europeia, Banco Central Europeu, FMI, OCDE: as nossas elites nunca foram originais e têm aliados de peso. Luís Ribeiro descreve bem o projecto do FMI no i de ontem, a aposta das marionetas do bloco central: “Cortar salários nos próximos dez anos.” O FMI não aprende com os seus desastres na América Latina e no leste europeu. Lembram-se da Argentina, por exemplo? Se não se lembram, aconselho a leitura de um excerto deste relatório.

Trata-se de fazer com que sejam as classes populares e os seus rendimentos, e logo os seus consumos, a pagar o fardo do ajustamento. O endividamento e o incumprimento seguem em maior escala dentro de momentos? Ou pensam que a poupança cai do céu?

O desemprego de dois dígitos ajuda a impor a disciplina, o medo, tão selectivos. Os planos de novas rondas de desregulamentação das relações laborais têm o mesmo efeito do desemprego: fazer com que os trabalhadores sejam compelidos a aceitar reduções do poder de compra dos salários e aumentar as desigualdades entre a malta do topo, com poder, e a esmiuçada malta da base, sem criar novos e duradouros empregos, como indica recente investigação sobre as dinâmicas das relações laborais.

Façam como Manuel Alegre: não liguem à OCDE, que reproduz o famigerado consenso do Banco de Portugal, e vice-versa, que esta arquitectura neoliberal está bem imbricada e oleada. Trata-se sempre de poder. E de gerar medo, uma vez mais. Causam crises de distribuição, crises de procura, à pala de muita especulação e expropriação financeiras, sempre toleradas. Foi assim que a crise começou. Lembram-se?

Juntem a isto a fragilização dos Estados periféricos com novas privatizações e os aumentos do regressivo IVA, uma vez que as classes populares consomem todos os seus rendimentos e logo o IVA leva-lhes proporcionalmente mais, e temos a estrada para a recessão com mais desigualdade à mistura: em Portugal o regressivo IVA representa 8,7% do PIB e o progressivo IRS 5,8% do PIB; na zona euro a média é de 7,5% e de 7,9%, respectivamente.

Os aparelhos ideológicos difundem uma fraude intelectual de proporções gigantescas: os salários são o problema português. Não são, se fizermos as contas. Em termos genéricos, os salários são um custo? São. O salários são uma fonte de procura? Também. Esta contradição, no cerne dos capitalismos, tem de ser institucionalmente gerida para que se gerem empregos e justiça social: a boa gestão cria um multiplicador da igualdade no quadro das variedades de capitalismo.

À escala europeia é a falácia da composição: cortar nos salários dos funcionários públicos – para tentar corrigir os défices gerados pela crise, para fazer com que os trabalhadores do sector privado aceitem o mesmo e para tentar corrigir desequilíbrios externos periféricos – leva a uma perversa contracção do conjunto mercado interno europeu, a novos problemas nas finanças públicas e aos problemas de sempre no saldo com o exterior. Os países não podem todos aumentar as exportações líquidas, como bem sublinhou o José Guilherme. E ainda não podemos exportar para Marte...

Perante este desastre europeu, só a luta dos trabalhadores europeus pode fazer a diferença. Razões não faltam para dizer: Trabalhadores de toda a União, uni-vos!

Notas. Como é hábito, algumas das ligações são a estudos recentes, que desafiam a sabedoria económica convencional, ajudam a aprofundar estes temas e a pensar nas alternativas. A tradução para português do “manifesto dos economistas horrorizados” está a caminho. Este texto também foi publicado no ladrões de bicicletas. Adenda. Dois atentos comentadores assinalaram que eu acabei por não dar informação sobre a iniciativa dos sindicatos europeus: ligações à confederação europeia de sindicatos e à CGTP.