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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Quando é que esta gente descansa?

João Rodrigues, 30.11.10

BCE, FMI e Comissão Europeia com a mesma cassete neoliberal: “reformar o mercado de trabalho”. O que é isto? Luta de classes à escala europeia; desculpem, mas não tenho melhor expressão: reduzir os custos do despedimento, fragilizar ainda mais a contratação colectiva e afunilar o subsídio de desemprego para que a economia do medo alastre, para que a insegurança laboral se intensifique. O objectivo principal é tornar estrutural a lógica conjuntural das políticas orçamentais de austeridade, ou seja, reduzir permanentemente os salários directos e indirectos, no público e no privado, que isto está tudo ligado. O aumento das desigualdades é outro dos efeitos/objectivos. Segue-se o apelo ao incumprimento do acordo sobre o salário mínimo? A crise e o desemprego continuam sem solução, claro. Isso pressupunha mudar a configuração institucional europeia para termos políticas de investimento, de estimulo económico. O aumento generalizado do desemprego é o resultado da crise do capitalismo financerizado e as economias que aguentaram melhor o embate, em termos de emprego, parecem ser precisamente as que têm regras laborais que distribuem os direitos e as obrigações de forma mais favorável a quem trabalha. Na realidade, a crise é usada como pretexto para todas as regressões, para a consolidação de todas as utopias liberais. Questão de poder. Esta gente só descansa quando tivermos todos regressado a 1906, a um anúncio que estava afixado numa fábrica da Renault: “Os operários podem despedir-se avisando o encarregado com uma hora de antecedência. A Casa, por sua vez, pode despedir os operários sem indemnização, avisando-os o encarregado com uma hora de antecedência.”

Aproveitar a boleia da crise

Daniel Oliveira, 30.11.10

 

 

 

 

A Irlanda era um exemplo: desregulou os mercados de capitais, dedicou-se ao dumping fiscal, com um IRC irrisório e desregulou o mercado de trabalho. Atraiu assim os capitais estrangeiros e alimentou-se de uma bolha imobiliária. O problema é que os mercados têm humores. E assim como vieram, foram embora aos primeiros sopros da crise. Com tão generoso tratamento, um quarto do PIB irlandês não contribuiu com um euro para o rendimento nacional e as receitas fiscais sentiram-no bem. Ainda antes de vir a nacionalização da banca falida, já a crise batia à porta: o PIB caiu 3,5 por cento em 2008 e 7,6 por cento em 2009.

 

A promessa de que um mercado de trabalho flexível também não se confirmou: 4,6 por cento de desemprego em 2007, 6,3 por cento em 2008, 11,9 por cento em 2009 e 13,7 em 2010. Um aborrecimento quando as certezas ideológicas não são confirmadas pelos factos.

 

Depois sabe-se o que aconteceu. A exposição da banca irlandesa ao exterior levou à falência do primeiro banco. O Estado correu em seu socorro e isso custou nem mais nem menos do que 17 por cento do PIB. Quando a certeza de mais duas nacionalizações que custarão 35 mil milhões de euros surgiram a União Europeia obrigou a Irlanda, que só precisava de ir aos mercados da dívida em Abril de 2011, a pedir ajuda (à "generosa" taxa de mais de cinco por cento) ao fundo europeu e ao FMI.

 

Com o dinheiro viram imposições: mais flexibilização do mercado de trabalho (que tão bons resultados demonstrou), diminuição do salário mínimo, diminuição em dez por cento dos salários dos funcionários públicos (que já tinham sido reduzidos em dez por cento) e diminuição do subsidio de desemprego.

 

Vamos repetir para quem já se esqueceu: tudo isto está a acontecer à Irlanda para salvar a banca. Onde se vai buscar o dinheiro? Aos recursos públicos, às prestações sociais e aos salários dos irlandeses. São eles que vão pagar a factura das aventuras de uma banca falida.

 

Impõe a Europa novas regras para o sistema financeira? Quis regulamentar os mercados de capitais? Conseguiu impor impostos que não apostem numa concorrência fiscal incomportável para os países europeus? Nada disso. As causas da crise irlandesa foram rapidamente esquecidas. Uma boa oportunidade para atacar direitos laborais e destruir o Estado Social não se pode desperdiçar. Mesmo que uns e outro nada tenham a ver com o que aconteceu.

 

Para Portugal, a Europa já tem a mesma receita: flexibilizar as leis laborais. O que tem isso a ver com o endividamento externo de Portugal? Nada. Mas quem ainda não percebeu que a crise causada pelo laxismo dos Estados face às aventuras dos grupos financeiros será usada para dar a última machadada no modelo social europeu não percebeu nada do que estamos a viver.

 

Publicado no Expresso Online

O rei vai nu e todos lhe gabam o vestido

Miguel Cardina, 30.11.10

Vão sendo conhecidos aos poucos os mais de 250.000 telegramas dirigidos a Washington pelas embaixadas norte-americanas, e disponibilizados pelo site WikiLeaks. Ficamos a saber que os Estados Unidos espiaram o secretário-geral da ONU e que têm uma visão pouco abonatória dos líderes europeus. Somos informados de esforços para isolar Chávez e de pressões de países, como a Arábia Saudita, para que fosse desencadeado um ataque militar contra o Irão. Foi-nos dado a conhecer o estado de saúde e as particularidades de alguns políticos mundiais.

 

Tirando algumas liberdades literárias da gente das chancelarias, nada do que é revelado é, até agora, grande novidade. Mas aguardemos. Entretanto, um exercício curioso é atender aos ecos que as divulgações vão motivando. Julian Assange, o homem da WikiLeaks, é perseguido pela CIA. Hillary Clinton fala de ataque à "comunidade internacional". Ahmadinejad diz que é tudo uma conspiração arquitectada pelos EUA. A China bloqueia o acesso à informação. O ministro dos Negócios Estrangeiros alemão fala em "amizade adulta", garantindo que a relação com os EUA não será danificada. Berlusconi, esse, desmente as "festas selvagens".

 

Estamos diante de três regras de ouro da diplomacia realmente existente. A primeira é que é preciso continuar a gabar o vestido do rei não importa o modo como se nos apresenta aos olhos. A segunda é que é preciso desconfiar das aparências, a começar pela enunciada na primeira regra. A terceira é que entre a verdade e a mentira, deve escolher-se o segredo.

Notícias da frente vermelha

Sérgio Lavos, 29.11.10

 

A volubilidade dos adeptos de futebol é um daqueles problemas sem solução. E quando falamos de milhões de adeptos, outro factor entra na equação: a diversidade opinativa, que no seu melhor manifesta-se no estádio, em forma de aplauso ou de apupo. Como em muitas outras coisas, o futebol não se diferencia de tudo o resto. Heróis, se formos a ver, há poucos. E os vilões podem nascer todas as semanas.

 

O Benfica, decidido a boicotar o sucesso do ano passado, deitou fora cartas que não conseguiu substituir, mas manteve incólume a coluna da equipa. As saídas de Di Maria e Ramires não podem, nunca poderiam servir, de desculpa para a irregularidade exibicional, que vem desde a pré-época. Mas se nada pode servir de desculpa, muito menos servirá a contestação ao treinador que pôs a jogar a equipa como há muito não se via - desde o campeonato de Toni. De bestial a besta, claro, mas nem tanto. Conhecemos os defeitos do treinador. Mas ninguém é perfeito. E Jorge Jesus tem crédito para muito mais, as qualidades que parecem ter desaparecido certamente irão ressurgir. Que esta fraqueza momentânea sirva para alimentar manchetes de jornais especulativos e ressentidos, já me parece menos normal. E menos ainda me parece que jornalistas chico-espertos estejam mais interessados no seu ego inchado pela ocasião do que em fazer um bom trabalho - sim, falo da entrevista no fim do Beira-Mar-Benfica, um caso surreal de desrespeito por quem, no limite, alimenta a estação que decide não cumprir o regulamento da Liga que obriga a que as perguntas rápidas no fim da partida se limitem ao comentário do jogo. Jesus terá sido extemporâneo? Nunca. Deselegante talvez, e apenas porque, sabemos, não tem o dom da palavra. Mas mal-educado foi, sem dúvida, o jornalista que insistiu uma segunda vez numa questão que fora respondida.

 

Outra vítima das flutuações de humor dos benfiquistas tem sido o melhor marcador das últimas três épocas. Sem desculpa, como a frase anterior o prova. E viu-se, no regresso da lesão, qual é a diferença entre ter Cardozo no ataque e outro jogador qualquer do actual plantel. Golos, parece. Aquele pormenor que traz resultados (e dinheiro). A classe no pé esquerdo, sobressaindo a média velocidade, como um lento pesadelo para o defesa. Imaginamos que a grande vantagem de Cardozo é a subvalorização que os adversários fazem das suas capacidades. Cada um joga com as armas que lhe dão.

E se o Estado chegasse à favela?

Daniel Oliveira, 29.11.10

 

 

 

 

As forças policiais e militares entram no Complexo do Alemão - pequeno quando comparado com algumas das favelas do Rio de Janeiro - e as imagens não se distinguem de uma qualquer guerra. Como se chegou a este ponto?

 

A ausência de Estado não leva à ausência de poder. Nem sequer à ausência de opressão. As relações de poder criam-se sempre, no vazio que o Estado deixa. No caso de muitas das favelas do Rio - e em muitas regiões da América Latina - ele é substituído pelo poder do narcotráfico. E percebe-se porquê. Ele tem tudo o que um Estado precisa - recursos financeiros, humanos e bélicos - para garantir o monopólio da violência e impor os seus próprios códigos e leis. Sem democracia nem normas que defendam os cidadãos do abuso.

 

Quando falo de ausência de Estado, não falo apenas (nem sobretudo) de forças repressivas. Falo de infra-estrtutras, apoio social e democracia. Na realidade, o único contacto que uma parte da população carioca tem com o Estado é com a polícia. Até agora, o Estado ofereceu-lhes pouco mais do que os traficantes: violência, corrupção e atropelo sistemático à lei. O Estado representou sempre um elemento estranho a estas comunidades, abandonadas à sua própria sorte. "Tropa de Elite", que fez vibrar os espíritos vingativos de muita classe média brasileira, retratava, com tons de heroísmo, esse Estado tão violento como laxista.

 

As entradas nas favelas foram sempre feitas através de incursões punitivas que deixavam atrás de si um banho de sangue. Corro o risco de ser optimista, mas há alguma coisa que está a mudar. E a imagem de muitos populares das favelas a aplaudir esta invasão - é disso que se trata -revela essa mudança.

 

A Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) tiveram o objectivo de mudar esta forma de actuar. Tratam-se de forças de ocupação. Forças que pretendem permanecer no local. As bandeiras brasileiras e do Estado do Rio de Janeiro, nos pontos mais altos do Complexo do Alemão, simbolizam essa ideia. Mas, ainda assim, continuava a tratar-se de uma ocupação quase exclusivamente repressiva, em que o poder dos traficantes era substituído pelo poder das forças policiais.

 

Esta ocupação de guerra, precipitada pela reacção dos traficantes, tem algumas diferenças com o passado. Apesar de mais de trinta mortes, sabe-se que entre eles não estão as dezenas de inocentes que as entradas policiais nas favelas costumam trazer. Não há, apesar de tudo, os relatos da violência indiscriminada costumeira, que trata todos os moradores como potenciais criminosos. E há uma diferença no discurso do poder político. Ele fala de direitos humanos e, acima de tudo, do que tem de ser feito (e no complexo do Alemão alguma coisa já foi feita) para lá e depois da acção policial: mais investimento nas infra-estruturas básicas e comunitárias para aquelas populações. E, por cansaço e por uma boa dose de esperança que resulta destas duas novidades, a reacção das populações das favelas é diferente.

 

O optimismo nasce desta ideia: parece existir vontade política para mudar o estilo de intervenção que, assumindo que sem segurança não há liberdade, vai muito para lá do discurso da "lei e da ordem". Quer Estado, mas completo: com democracia e o mínimo de direitos sociais. Sabendo que a vantagem do Estado Democrático sobre o poder dos traficantes não vem com os seus tanques. Vem com direitos e deveres. Se, reconquistada esta pequena favela, o poder político não se esquecer disto, há razões para o optimismo dos cariocas - os das favelas e os outros. Porque todos sabem que não há ocupação militar de partes de uma cidade que garanta a paz. Só quando os favelados forem brasileiros por inteiro aceitarão as leis que, até hoje, nunca lhes serviram de muito.

 

Se o governador do Rio de Janeiro (Sérgio Cabral) for coerente com o que diz (e sabemos que palavras não chegam) e vencer esta batalha, mostra que as preocupações sociais e a defesa da segurança pública não só não são contraditórias como, pelo contrário, são a única resposta eficaz à criminalidade. Porque nem os reis da droga são vítimas da exclusão social - eles são os exploradores na sua forma mais primitiva -, nem as populações das favelas têm de estar condenadas à marginalidade. Porque a segurança não é, nunca foi, uma questão essencialmente policial. Ela é, antes de mais, uma questão política que se resolve com um Estado Democrático, respeitador dos direitos humanos e promotor da igualdade social. É isso que Sérgio Cabral tem dito. Veremos se é isso que fará.

 

Publicado no Expresso Online

Abençoada coerência

Ana Mafalda Nunes, 29.11.10

 

O “cidadão empenhado” Belmiro de Azevedo, num artigo de opinião publicado este Sábado no semanário “Expresso”, elucidou-nos acerca da sua orientação de voto nas presidenciais de Janeiro. Afirma com “espírito elevado” que vai votar no Prof. Cavaco Silva. Porque, considera ser este o homem “com experiência suficiente para nos assegurar condições de governabilidade” e que afinal a chave para resolver as nossas maleitas está num “Presidente da República que possa ser um ponto de coesão e de equilíbrio”.

Então mas afinal de contas o Professor Silva já não é um “Ditador” sem qualidades de Presidente?

Numa entrevista do Sr. Azevedo à revista “Visão” publicada a 28 de Janeiro deste ano, acusou Cavaco Silva de ser ditador por ter dispensado quando era Primeiro Ministro, quatro amigos seus e “ministros competentes. Mais, diz na mesma entrevista que Cavaco "é um tipo duro, mas não foi talhado" para ser Presidente da República, porque "é um homem do Governo, activo". Mas afinal vai votar no professor para o Governo ou para Presidente? Ou está só a ser incoerente?

Tenho dificuldade em compreender o que mudou na cabeça do Sr. Belmiro para considerar agora, que afinal o Prof. Aníbal, que ocupará (caso seja eleito) “um lugar chato” e de “espaço de manobra limitado”, poderá “utilizar os conhecimentos da sua acção executiva para aconselhar os decisores e influenciar o curso das coisas”. Mas afinal vamos ter um governo (partindo do mesmo princípio que Belmiro parte - que o actual governo cai) com o fantasma dos natais passados a mandar? Ou o Sr. Belmiro considera que os portugueses precisam como castigo para o despesismo do estado de um Ditador que “dispõe das competências certas”?  

O que terá conduzido à incoerência este grande empresário de mercearias? Terá sido o desempenho apagado do actual Presidente que mudou em 10 meses, ou terão sido as suas necessidades e prioridades individuais e empresariais a mudar?

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