Em quase todas as eleições os jornalistas chamam à atenção para a abstenção. Pedem comentários aos comentadores e os comentadores comentam: isto demonstra o descrédito da democracia. Pedem frases bonitas aos políticos e os políticos tentam não desagradar: esta abstenção deve servir de aviso para uma profunda reflexão. Pedem ciência aos politólogos e os politólogos debitam frases feitas: há um desinteresse geral por este ato eleitoral.
E isto, a mim, enerva-me. Que metade do País que se deu ao trabalho de ir votar gaste tanto tempo a falar da metade do País que se esteve nas tintas. Que fritemos a cabeça a tentar descortinar as motivações da inação de quem preferiu ficar em casa. Que os cidadãos que levam a sério essa sua condição e querem ter autoridade para criticar os eleitos se sintam na obrigação de fazer o papel de ama-seca de quem não quer saber.
Posso dicordar do voto de muitas pessoas. De quem vota em candidatos absurdos para protestar. De quem vota em branco ou nulo porque acha que quem se candidata é sempre oportunista ou idiota. De quem vota em autarcas corruptos ou políticos incompetentes. De quem decide o seu voto em frente ao boletim, como se estivesse a jogar no totobola. Mas sairam de casa, foram à mesa de voto, e cumpriram a sua obrigação de cidadão. Merecem-me respeito. Como opinador, reflito sempre sobre a sua decisão. Como democrata, aceito sempre a sua escolha soberana. Para os abstencionistas estou-me nas tintas. Porque eles, ao não participarem no mais básico e simples dos atos desta nossa democracia, se estão nas tintas para mim. E amor com amor se paga.
Se se abstêm porque têm mais que fazer eu abstenho-me de lhes dar atenção. Se se abstêm porque não acreditam em nada e em ninguém, eu abstenho-me de acreditar no seu empenho neste País. Se se abstêm porque não acreditam na democracia, eu abstenho-me de incluir o seu gesto (ou a sua ausência de gesto) no debate democrático.
Sou contra o voto obrigatório. Exatamente porque não gosto da ideia de que quem não quer decidir seja determinante nas nossas grandes escolhas. Acho que a abstenção, num país livre, é um direito. Mas, por favor, não peçam a quem se preocupa, pensa e escolhe para perder tanto tempo com quem não o faz.
Se podem votar têm mais de 18 anos. Se têm mais de 18 anos são maiores e vacinados. Preferem ficar em casa? Problema deles. Nós, os cidadãos que o querem ser, tratamos de escolher.
Dar, em cada ato eleitoral, tanto tempo de antena à abstenção é um insulto a quem se levantou do sofá e participou na vida coletiva deste País. Metade dos portugueses foi votar no último domingo. É pena, mas é a metade com a qual podemos contar. Só a escolha deles me interessa. Querem um número que merece reflexão? 277.835 cidadãos saíram de casa, foram à mesa de voto e votaram branco ou nulo. Esses sim, quiseram dizer alguma coisa. Os outros ficaram calados. E quem cala consente.
Publicado no Expresso Online