O Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB) da Universidade Nova de Lisboa está, como quase todos os centros de investigação, sem dinheiro. Os cortes cegos do ministro Crato, que tanta gente parece elogiar, foi a gota de água num copo cheio de problemas antigos e começa a fazer-se sentir no mais básico dos básicos. Resultado: o sofisticado sistema de refrigeração do edifício do ITQB, fundamental para o funcionamento das máquinas ali utilizadas, não podia ser renovado depois de uma avaria dos chillers. Se nada se fizesse perder-se-iam centenas de milhares de euros em equipamento e o trabalho científico ficaria paralisado.
Para resolver o problema o diretor da instituição fez um apelo pouco usual aos trabalhadores: que os funcionários doassem dinheiro, tendo mesmo sugerido, talvez meio a brincar, que prescindissem da metade que restava seu subsidio de Natal e o entregassem para pagar uma despesa de manutenção que cabe ao Estado. É também para este trabalho, fundamental para o nosso desenvolvimento, e não para o BPN e para cobrir benefícios fiscais à banca, que pagamos impostos. Apesar de não serem obrigados a faze-lo, 342 doadores (na sua maioria trabalhadores, colaboradores e bolseiros) entregaram 69 mil euros ao ITQB. As funcionárias responsáveis pela lavagem de material e equipamento, que não tinham folga para isso, fizeram rifas e conseguiram mil euros.
Sobre este assunto, quero apenas dizer duas coisas:
Não é suportável para quem trabalha continuar, para além de todos os sacrifícios que já lhes são exigidos, a retirar o pouco que lhes sobra para poderem continuar a trabalhar. Não é justo que sejam os investigadores a pagar aquilo de que todos beneficiamos. Não é justo que trabalhar já seja visto como um privilégio pelo qual temos de pagar. Não é saudável que os trabalhadores deem parte do seu salário, mesmo que voluntariamente, até porque nunca saberemos como será a reação do empregador quando disseram que já não podem dar mais. Não é assim que as coisas devem funcionar.
Seja como for, este é mais um exemplo para mostrar quem, neste País, está disposto a tudo para nos tirar da crise. Não é a banca, que não hesita a despachar os seus fundos de pensões para o Estado e, depois disso, a receber em troca créditos fiscais, pagando ainda menos impostos do que paga. Não são as grandes empresas nacionais, como a EDP, que apesar de lucros brutais carrega, ano a após ano, ainda mais a nossa factura energética, obrigando-nos a pagar a eletricidade mais cara da Europa. Ou como a PT, que muda a data de distribuição de dividendos para não pagar impostos. Não é o governo, que no País mais desigual da Europa exige sacrifícios aos que já não têm folga e continua a encher o Estado de boys sem currículo. Os únicos patriotas são os trabalhadores, os desempregados e os reformados. Os únicos com amor suficiente ao que fazem para oferecer o que lhes pertence para tentar salvar o futuro de Portugal.
Num tempo em que os portugueses se dedicam à autoflagelação ou que são diariamente insultados na televisão - como se tivessem tido, nos últimos anos, uma "vida fácil" -, vale a pena recordar que não é por causa dos trabalhadores portugueses que temos problemas de produtividade. Que não é por causa do contribuinte que estamos endividados. Que não é por causa de nós que a nossa economia é ineficiente. Que não é por causa dos funcionários públicos que o Estado funciona mal. Que não é por causa dos professores que a Escola Pública está aquém do que podia ser. Que não é por causa dos médicos e enfermeiros que o Serviço Nacional de Saúde tem problemas de gestão financeira. Que não é por causa dos investigadores que não somos competitivos. Os trabalhadores do ITQB mostraram mais uma vez que os trabalhadores que temos não merecem as elites que os comandam.
Publicado no Expresso Online