Há uma espécie (não assim tão) rara de analfabetos funcionais que gosta de opinar sobre a sabedoria das novas gerações e de falar do que em geral não sabe e em concreto não consegue descortinar. Para além dessa distorção da realidade, ainda conseguem viver num mundo fora do mundo. São os saudosistas da escola salazarista. Note-se: não falo dos saudosistas de Salazar; são grupos diferenciados, apesar de por vezes se cruzarem. Os saudosistas da escola salazarista são muito especiais: tecem loas ao método tradicional daquele tempo, à memorização matraqueante de datas, nomes de rios até ao Ultramar e de serranias de Portugal e das colónias. Ah, e claro, as tabuadas. A criança chegava ao fim da 4.ª classe a saber maravilhas: como vivia o povo português, que era preciso cuidar dos pobrezinhos, e até o nome do ramal que servia a nossa querida e saudosa Nova Lisboa, onde os pretinhos generosamente trabalhavam para a riqueza e glória da pátria. Ah, belos tempos, esses. Os meninos sentadinhos nas carteiras, todos enfileiradinhos, recitando a tabuada. E os madraços, os que não queriam estudar, levavam com o pau de marmeleiro até aprenderem - sangrando das mãos, até enrijecia. Chegava-se ao fim da 4.ª classe, e os meninos faziam o exame nacional e saiam preparados para um ofício - que essa coisa de continuar os estudos era apenas para o filho dos doutores, os outros, aos dez anos, estavam mais do que preparados para se tornaram aprendizes de sapateiro, de torneiro, de marceneiro, enfim, ofícios dignos que encarreiravam logo as crianças na vida e evitavam que o Estado português gastasse dinheiro em inutilidades como o ensino Superior, bolsas ou carreiras científicas. Era um país feliz, aquele: doutores havia poucos e eram todos filhos de doutores, mas assim é que deveria ser, cada um no seu lugar que Nosso Senhor Jesus Cristo também era filho de um carpinteiro.