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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Tudo bons rapazes

Sérgio Lavos, 31.05.12

 

“O FMI disse-me que se livraram dele [António Borges] porque não estava à altura do trabalho e agora chego a Lisboa e descubro que está à frente do processo de privatização. Há perguntas que têm de ser feitas”

 

Esta frase do jornalista Marc Roche, correspondente do Le Monde em Londres e autor do livro recentemente editado em Portugal O Banco - Como o Goldman Sachs Dirige o Mundo, resume bem as intenções deste Governo no que diz respeito às privatizações. António Borges, o outrora salvador do PSD - uma facção laranja clamava em tempos por este burocrata forjado pelo Goldman Sachs - chegou ao país depois de ser despedido pelo FMI, pelos visto por pura incompetência, e Passos Coelho entregou-lhe o sensível dossier das privatizações. Um dos tentáculos menores da instituição financeira que domina o mundo actual, Borges servirá de fiel cangalheiro das empresas públicas portuguesas. Não será Papademos, o burocrata de transição não eleito na Grécia, Mário Draghi, o presidente do BCE, ou Mário Monti, outro burocrata de transição governando a Itália, mas é aquilo a que temos direito: um homem de mão do poder financeiro que controla os destinos do país e que certamente tirará partido da situação económica frágil para saldar o que é valioso a compradores financiados pelo banco americano. Conspiração? Brincadeira de miúdos, se comparado com antigas operações, incluindo as que levaram à crise financeira de 2008 e a que mascarou as contas da Grécia quando esta entrou no Euro. A política já não tem a ver com o governo do povo: é uma rampa de lançamento para oportunistas ou meio de controle financeiro pelos grandes grupos. À nossa escala, temos o Borges que merecemos: um tecnocrata incompetente escolhido a dedo para um trabalho sujo. 

"2012 vai marcar um ponto de viragem" - Vítor Gaspar, há precisamente 124 dias

Sérgio Lavos, 31.05.12

Lembram-se da efusividade com que foi recebida uma quebra menor na receita fiscal divulgada há umas semanas, quando sairam os dados relativos à execução orçamental dos primeiros quatro meses do ano? Que afinal tinha havido um extraordinário crescimento de 0,2 % da receita fiscal mais segurança social? Lembram-se? Esqueçam isso, não era nada assim. Parece que, devido a uma incorrecção - ou, de acordo com a terminologia gaspariana, um lapso - nas contas do Orçamento, houve na realidade uma quebra de 2,3% nessa receita. Coisa pouca? Não tenhamos dúvidas: o ponto de viragem está quase, quase, mas quase a ser atingido. E os 7,4% de défice registado durante este período de tempo um minúsculo escolho no caminho. Viva a austeridade além da troika.

São Lázaro, 94

Miguel Cardina, 31.05.12

Os dados ainda são poucos. Mas sabe-se que a Polícia Municipal de Lisboa e a PSP invadiram hoje São Lázaro, ao que parece sem qualquer documento que confirme uma acção de despejo e ignorando uma providência cautelar (mais informações aqui). Está já marcada uma manifestação às 18 horas no Porto, entre a Es.Col.A do Alto da Fontinha e os Aliados. Em Lisboa é no Martim Moniz, às 19 horas.

A verdade de Relvas é como tudo na vida: vai mudando.

Daniel Oliveira, 31.05.12

 

No princípio, Miguel Relvas quase não conhecia Silva Carvalho. Depois, afinal, já se tinha cruzado com ele em lugares públicos um número razoável de vezes mas apenas debatiam assuntos de atualidade e de política internacional. Lamento que as conversas não tivessem sido ainda mais públicas, porque adivinho debates interessantíssimos sobre o futuro do planeta. Por fim, soubemos ontem, pela sua boca, porque Relvas sabia que a notícia iria sair na "Visão", que teve reuniões empresariais com o ex-espião. Onde, supomos, não discutiram a situação no Médio Oriente. Argumento: se havia nove num encontro isso não conta. A não ser, claro, quando se fala de festas de aniversário com 70 pessoas, porque isso prova que Relvas só estava com o senhor quando, azar dos azares, tropeçava nele em festas e hotéis.

 

Reuniões de negócios não são fortuitas. Na sede da Ongoing não estava a acontecer um evento social. E lá não se discutiu actualidade e política internacional. Ou seja, Relvas mentiu. Relvas disse que o sms que recebeu de Silva Carvalho não tinha nomes de agentes e não correspondia a segredos de Estado. Afinal recebeu, por sms, o nome de dois agentes a promover. Ou seja, Relvas mentiu. E fico-me pelas poucas perguntas a que Miguel Relvas resolveu responder na comissão parlamentar de ontem.

 

Não é pecado conhecer gente pouco recomendável. O próprio Jorge Silva Carvalho já me escreveu impressivo email - protestando com o meu último artigo sobre a sua pessoa -, cujo o conteúdo não revelarei (nada de especial tem para revelar, apesar de não tratar de assuntos de atualidade e política internacional), porque não tenho os hábitos de que este senhor é acusado e respeito a privacidade da correspondência. O problema é a mentira. É problema por duas razões. A primeira, é um facto: Relvas mentiu a uma comissão de inquérito e isso não se recomenda. A segunda é uma dúvida: porque mentiu, sucessivamente, sobre a sua verdadeira relação com Silva Carvalho? E porque razão devemos acreditar que está agora a dizer a verdade?

 

Miguel Relvas usou, como é costume em algum género de pessoas, o seu cordeiro para sacrifício, demitindo o seu adjunto que, acredita quem quiser, manteve contactos com Silva Carvalho sem que o seu ministro o soubesse. Mas não me parece que isso chegue para desistirmos de perceber a intensidade da sua relação com alguém que se dedicava a espiolhar a vida dos outros.

 

No porreirismo nacional, muitos pensarão que este é um assunto menor. Mentir, mesmo com o à vontade com que o faz, fingindo que sempre disse o que de novo nos informa, já nem é grave quando se trata de um responsável político. Acontece que ou Miguel Relvas é um mitómano, e mente sem qualquer necessidade de o fazer, ou a sua ligação a Silva Carvalho é bem mais profunda do que ele quer que nós acreditemos. E se é, tendo em conta o lugar político que Relvas ocupa e os casos em que Silva Carvalho está envolvido, temos direito a sabê-lo. Precisamos de saber se essa relação vai até ao ponto a estar a par das informações que este ia recolhendo.

 

Ontem, Pedro Passos Coelho empenhou a sua credibilidade nas palavras, sempre em evolução, de Miguel Relvas. Anota-se. Para mais tarde recordar.

 

Publicado no Expresso Online

Perguntar não ofende (parte 2)

Sérgio Lavos, 30.05.12

Miguel Relvas já se demitiu? Ou um café e um almoço no Hotel Ritz são "reuniões profissionais"?  Terão usado avental, nesses convívios? Ah, é verdade: parece que Relvas se comportou com "correcção e transparência", de acordo com o primeiro-ministro que também conhece apenas de vista o ex-espião tóxico. Eu diria mesmo: Relvas passou com distinção no exame e entregar-lhe-ia minha vida, sem falar em comprar-lhe um carro. Bela "elucidação assertiva" do Coelho - no dizer do untuoso molusco de serviço. Só falta saber: quando é que uma mentira passa a ser realmente uma mentira? Estamos em pleno domínio da novilíngua, não tenhamos dúvidas. Fogo lento.

Tratar criminosos como pobres (e pobres como criminosos)

Sérgio Lavos, 30.05.12

Enquanto que por cá um ministro que mentiu várias vezes em público sobre matérias gravíssimas que dariam direito a demissão e julgamento em qualquer país com um mínimo de respeito por si próprio ainda ocupa a sua cadeira de governante, em Espanha o Governo, com o apoio do BCE, prepara-se para subsidiar mais parasitas do Estado; não, não estou a falar de artistas (pelo menos na vulgar acepção da palavra), mas sim do Bankia, dirigido até ao naufrágio por um antigo dirigente do PP espanhol. O Rato foi o primeiro a abandonar o navio, mas nem por isso os buracos da instituição financeira deixarão de ser tapados por Rajoy, tudo em nome da manutenção de um capitalismo predatório que não se exime a cortar nos rendimentos disponíveis da classe média e dos pobres e que luta para manter os privilégios da banca e do um por cento com maior rendimento. A Comissão Europeia, cumprindo o seu papel de garante deste estado de coisas, já veio dizer que a Espanha não terá de cumprir o objectivo do défice para este ano. Os milhões que irão ser injectados no Bankia - um valor superior ao que Espanha irá ganhar nos cortes previstos na Saúde e na Segurança Social - irão fazer mossa nas contas, mas como estamos a falar da manutenção do status quo, abre-se uma excepção. Já que parece que o nosso Governo também não vai conseguir cumprir o objectivo do défice, não haverá por aí um outro BPN para convencer a troika a facilitar um pouco as coisas?

Ascensão e queda de William Randolph Hearst

Daniel Oliveira, 30.05.12

 

William Randolph Hearst, que inspirou Orson Welles, em Citizen Kane, construiu o primeiro verdadeiro império da imprensa americana (que ainda hoje, apesar de ser uma sombra do que foi, sobrevive), fazendo tremer o poderoso Joseph Pulitzer. Um império que foi usando em beneficio próprio e que, na passagem do século XIX para o século XX, fez nascer o "jornalismo amarelo", dirigido às classes trabalhadoras e apostado no sensacionalismo. Com a sua máquina de propaganda, Hearst não conseguiu apenas ser eleito, pelo Partido Democrata, para vários cargos políticos. Empurrou os Estados Unidos para uma guerra com Espanha, no que seria um importante impulso para o expansionismo americano (o seu papel é descrito, em pormenor, por Gore Vidal, em "Império").

 

Hearst não esteve sempre do "lado errado" da história. Foi, no início, um fervoroso apoiante do New Deal e os seus jornais foram, quando isso ainda não era habitual, dos mais ativos na denúncia da perseguição nazi aos judeus. Mas o principal papel que Hearst teve na história dos EUA e do mundo foi o de criar uma imprensa dirigida às massas, mais destinada à pura manipulação e ao entretenimento do que a qualquer tipo de objetivo informativo. Hearst não ficava à espera da notícia, inventava a notícia. Nos seus jornais havia vinganças, censura, serviços a interesses económicos e políticos, falsos correspondentes que se limitavam a copiar notícias publicadas na imprensa estrangeira. Um pequeno crime e uma mudança política fundamental valiam o mesmo. E o reforço do seu poder valia mais do que qualquer um deles.

 

Se alguém se pode considerar um herdeiro de Hearst, nos métodos e nos objetivos, é Rupert Murdoch. Apesar dos escândalos, o seu poder, da Fox News à imprensa sensacionalista britânica, parece manter-se mais ou menos intocado. Só que passou mais de um século desde que Hearst construi esta nova forma de poder. A classe média é, hoje, no ocidente, muito mais numerosa. Existem a Internet e infinitas formas de recolher informação. Temos décadas de manipulação mediática, o que deu aos leitores e aos telespectadores um pouco mais de cinismo em relação ao vão lendo na imprensa e vendo na televisão. Todos os estudos académicos indicam que as pessoas são muito mais críticas e desconfiadas do que se imagina em relação à informação que recebem dos media. Ao contrário do que muitos acham, os magnatas da imprensa não chegam para construir e destruir governantes.

 

Na verdade, o mundo de Hearst está a desmoronar-se. Por tudo o que já referi e por mais um pormenor: a democracia está, ela própria, em agonia. O poder dos interesses financeiros, num mundo globalizado finalmente livre das amarras do controlo dos Estados, só marginalmente precisa da comunicação social. Faz cair eleitos sem ter de inventar notícias ou mobilizar as massas. Cria um ambiente de terror e medo sem precisar de manchetes e telejornais. Na dividocracia, que lentamente substitui a democracia, os Randolph e os Rupert são dispensáveis. Escrevi-o quando o todo poderoso Silvio Berlusconi caiu para dar lugar ao cinzento Mario Monti, sem que se fosse a votos. Nem a extraordinária máquina de propaganda de Il Cavaliere o salvou. Os populistas e a sua manipulação já não são precisos porque o povo já não conta. Na era dos tecnocratas, jornalistas e políticos estão a transformar-se num simples adorno.

 

Tony Blair, um exemplar representante da rendição da política a todos os poderes, manteve durante anos uma relação umbilical com a imprensa sensacionalista de Murdoch. Uma relação "de trabalho", como ele a definiu, e pessoal: Blair é padrinho de uma filha de Murdoch. Mas, acima de tudo, uma relação de interdependência, que permitiu ao magnata continuar o processo concentração da propriedade de meios comunicação social no Reino Unido e deu ao ex-primeiro-ministro proteção mediática e o bónus de alguns ataques aos seus opositores. Tony Blair explicou-se, perante uma comissão inquérito: "Você estava numa posição em que lidava com pessoas muito poderosas que tinham enorme impacto no sistema político. (...) Se estiverem contra si, estariam contra si em todas as questões." Nunca ninguém resumiu tão bem o raciocínio de um cobarde pragmático.

 

A atitude de Blair é só o lado de lá da mesma moeda que leva Miguel Relvas a ameaçar jornalistas. Por um lado, a incapacidade para travar os combates políticos de forma limpa. Assumindo que há imprensa séria e menos séria. E que se respeita o trabalho da primeira - mesmo quando não se gosta - e se compram todos os combates necessários, seguindo as regras da lei, com a segunda. Por outro, a incompreensão de que, nos novos tempos que vivemos, o poder dos media é, na cabeça dos políticos, sobrevalorizado. Na realidade, uns e outros - políticos e empresários da comunicação social - vivem hoje numa ilusão. O que conta, o que realmente vai determinar o nosso futuro, é decidido nas costas de quem vota nuns e de quem compra os jornais dos outros. Claro que não é aqui que a história acaba. Mas a reviravolta, estou seguro disso, dar-se-á fora do campo mediático tradicional e das instituições políticas tradicionais. Será para melhor? Quem me dera sabê-lo.

 

Publicado no Expresso Online

O bando dos quatro

Andrea Peniche, 29.05.12

 

No passado dia 6 de março uma delinquente foi identificada e constituída arguida sob a acusação de crime de desobediência. O hediondo crime ocorreu à porta do Centro de Emprego do Conde Redondo, em Lisboa, e foi, segundo reportou a polícia, uma manifestação organizada por um perigoso bando de quatro pífias pessoas.  

 

Para a polícia, e bem, um grupo de quatro pessoas que distribui panfletos e contacta com desempregados, exatamente no Dia Mundial do Desempregado, constitui uma manifestação não autorizada e representa um enorme perigo para a manutenção da ordem pública. Na verdade, estas não eram umas quatro pessoas quaisquer, eram desordeiros de um movimento social, o Movimento Sem Emprego.

 

À primeira vista esta situação poderia configurar um torpe ataque à liberdade e uma (mais uma) demonstração do poder autoritário na tentativa de normalizar a perseguição e criminalização dos movimentos sociais. Mas nem tudo o que parece é.

 

Precisamente ontem, estes tratantes juntaram-se novamente à porta do mesmo Centro de Emprego para fazerem precisamente a mesma coisa: distribuir panfletos e contactar com desempregados. Desta vez a polícia já não teve o mesmo entendimento, o que é perfeitamente justificável: é que, contra o bando dos quatro de 6 de março, desta vez juntaram-se cerca de 20 arruaceiros. E isto, bem vistas as coisas, pode e deve ser entendido como prelúdio de uma outra qualquer coisa que pode estar no horizonte.

 

Myriam Zaluar, a marginal identificada a 6 de março, recebeu ontem, quando se preparava para ir causar mais distúrbios para o Centro de Emprego, a notificação do tribunal que a convida a pagar uma multa de 125 euros ou a cumprir 240 dias de trabalho comunitário.

 

Parece é que esta tratante tem pelo na venta, pois não só foi novamente para a porta do Centro de Emprego como já veio dizer que se recusa a pagar a multa e está disposta a ir a tribunal para que se faça justiça.

 

Estes fogachos poderão não ficar por aqui. O que me tranquiliza é saber que temos um governo com pulso, uma polícia instruída e um ministério da administração interna que não sofreu cortes, pelo contrário, no seu orçamento.

 

Nota: como tudo isto se passou no dia 28 de maio, este post foi um exercício do que poderia ter sido escrito se tudo isto se tivesse passado no ano da graça de 1926 (ou nos 48 anos que se lhe seguiram).

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