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Arrastão: Os suspeitos do costume.

"2012 vai marcar um ponto de viragem" - Vítor Gaspar, e faltam apenas 5 horas para o fim do ano

Sérgio Lavos, 31.12.12

 

Vítor Gaspar prometeu, no dia 17 de Janeiro, que 2012 iria marcar um ponto de viragem. Marcou. Um ponto de viragem para mais de um milhão de portugueses desempregados; um ponto de viragem para os milhões que ainda têm emprego mas têm ordenados em atraso ou cujo rendimento não chega para as despesas; um ponto de viragem para os milhares de empresas que foram falindo ao longo do ano; um ponto de viragem para os milhares de desempregados que estavam a receber subsídio de desemprego e deixaram de receber; um ponto de viragem para os milhares de portugueses, novos e velhos, que se viram obrigados a emigrar deixando para trás a família e a terra que os viu nascer; um ponto de viragem para os milhares de familiares de quem parte, mulheres e filhos de emigrantes que nunca pensaram que Portugal iria voltar aos anos 50 e 60; um ponto de viragem para centenas de milhar de pensionistas que ajudam a equilibrar as contas mensais de filhos e netos e que viram as suas contas encolher ainda mais com os cortes e aumentos de impostos; um ponto de viragem para os que já eram pobres antes da crise e que agora tem de depender da caridade alheia para conseguir sobreviver; um ponto de viragem para os milhares de crianças da antiga classe média que agora vão para a escola de barriga vazia; um ponto de viragem para os milhões que acharam que os valores da liberdade, da democracia e do bem estar social seriam perenes e que nenhum político, nenhum Governo se atreveria a tocar neles; um ponto de viragem para a própria democracia, que viu multiplicar os actos de violência policial, as perseguições políticas, os julgamentos de inocentes como modo de intimidação; um ponto de viragem para a liberdade de expressão, ameaçada por pressões económicas e políticas sobre jornais e outros media; e um ponto de viragem para a esperança que, de ano para ano, ainda nos fazia acreditar nas pessoas que elegemos e que nos foram governando, para a esperança de que os nossos filhos iriam viver melhor e com mais liberdade e garantias do que nós.

 

E sobretudo 2012 foi um ponto de viragem para os grandes homens e mulheres do país: para Eduardo Catroga que conseguiu o lugar que há muito merecia e para Isabel Jonet, que cavalgou a trip mediática da sua vida à conta da pobreza. Para José Luís Arnaut, que ganhou o seu merecido lugar na REN, e para o Dr. relvas, que vai conseguindo orientar a sua vida para os tempos que se seguirão ao Governo. Para Oliveira e Costa, que continua livre da prisão, e para o reformado Cavaco Silva, que continuará livre da investigação enquanto continuar a promulgar os Orçamentos de Estado deste Governo. Para Dias Loureiro, que vai para o Brasil passar um fim-de-ano de luxo com o dinheiro que os contribuintes portugueses injectaram no BPN, e para todos os responsáveis das PPP's que continuam a ter as suas rendas asseguradas. Para os bancos portugueses, que receberam milhares de milhões de recapitalização (cujos juros somos nós que pagamos) apenas para que pudessem voltar a ter lucros e a distribuir dividendos pelos accionistas. Para Paulo Portas, que enquanto se mantiver a coligação viva, poderá continuar a ver sobreiros e submarinos submersos. E sobretudo um ponto de viragem para Pedro Passos Coelho, adorado pela manada de bovinos sabujos até ao fim e odiado pela maioria. Mas não importa, porque a Passos Coelho não interessam as eleições, a legitimação do povo. Quando a limpeza acabar, não faltarão lugares nas administrações das empresas que agora estão a beneficiar dos negócios que o Governo está a fazer. Uma Tecnoforma ou uma qualquer Fomentivest esperam por ele. O ponto de viragem já aconteceu, está a acontecer, vai acontecer. Vítor Gaspar está de parabéns. Estamos todos.

Este parte, aquele parte

Miguel Cardina, 30.12.12

 

Nos últimos tempos contabilizei mais um punhado de amigas e amigos que planeiam sair do país. São histórias todas elas diferentes mas atravessadas pelo mesmo traço comum: o da falta de trabalho e perspetivas. Nenhum deles encara a emigração como uma saída da “zona de conforto”, uma aventura jovial ou um Erasmus pós-estudantil. Trocam este país por outro porque essa é a condição para terem uma vida que valha a pena ser vivida. Partem rumo à incerteza e quase sempre magoados e desiludidos. “Se tiver de sair, nunca mais lhes perdoo”, dizia-me uma amiga. É aos governantes de hoje que ela não perdoará.

 

Convém evitar à partida um enfoque nacionalista em torno do debate sobre a emigração. Uma esquerda que dá mais valor à humanidade do que às fronteiras tem de saber distinguir a mobilidade como hipótese da emigração como destino forçado. É que o problema essencial da emigração hoje não consiste no gesto de sair mas nas forças que expulsam os portugueses – e os imigrantes que aqui vivem e trabalham – para fora do país. São forças poderosas e reconhecíveis: é o desemprego crescente, a precariedade como modo de vida, a austeridade como caminho para o empobrecimento necessário.

 

Na verdade, os números  sobre este novo ciclo migratório não abundam. É sempre difícil contabilizar saídas muito recentes, sobretudo quando boa parte delas se deslocam para uma União Europeia sem as barreiras fronteiriças de outrora. Relativamente a 2012, não se conhecem números para além de alguns dados muito parcelares. Sobre 2011, uma das estimativas existente – veiculada pela Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas – aponta para mais de 100 mil portugueses saídos do país. Se Portugal é desde há muito um país de emigrantes, este número indicia a existência de um fluxo migratório atual próximo do ocorrido nos últimos quinze anos da ditadura, quando cerca de um milhão e meio de portugueses fugiram da pobreza endémica e da guerra colonial.

 

A situação hoje tem algumas novidades. Desde logo, e invertendo uma tendência recente, Portugal apresenta agora um saldo migratório negativo – ou seja, são mais aqueles que saem do que os que entram. Por outro lado, e apesar de não existirem dados taxativos sobre o assunto, uma componente importante da nova vaga migratória tem outra configuração: mais jovens qualificados estão a emigrar. Num país onde as baixas qualificações ainda são a norma, isso representa um desperdício do investimento coletivo na educação e sinaliza a tendência de aprofundamento de um modelo económico baseado nos baixos salários.

 

Há quem considere que, mais do que um aumento numérico substancial, há sim um aumento da percepção social do drama da emigração. Ela estaria hoje a tocar crescentemente cidadãos e famílias com maior capacidade de expor e tornar socialmente visível a sua história. Se esse elemento é importante, convém, no entanto, não se absolutizar a narrativa em torno da tontamente designada “fuga de cérebros”. Dada a percentagem de cidadãos com ensino superior, é muito improvável que a maioria das saídas seja de licenciados ou pós-graduados (ainda que os dados indiquem o seu aumento e o impacto social disso seja particularmente negativo). Na verdade, o desemprego galopante – e a crise profunda em sectores como a construção civil e a restauração – aponta para a diversificação dos extratos sociais sujeitos ao exílio económico. A emigração e o desemprego têm hoje uma crescente transversalidade social.

 

A estratégia da direita no poder para lidar com isso tem consistido na glamourização da emigração. Ainda há uns dias vimos Cavaco Silva e Paulo Portas apadrinharem a criação de um Conselho da Diáspora Portuguesa que se propõe inocular “prestígio” luso pelo mundo. O glamour era fraco – as televisões mostravam um friso humano cinzento e totalmente masculino, liderado pelo empresário Filipe de Botton – mas passava com eficácia a imagem do emigrante como uma espécie de “diplomata económico” da nação.

 

Neste processo de inversão do real, o desrespeito pela vida concreta das pessoas torna-se a norma. Ao longo de 2012, foi essa a tónica nas várias declarações proferidas pelos governantes sobre o assunto. Ao mesmo tempo que ensaiavam um despudorado elogio da errância, falando da “emigração como oportunidade” e da “saída da zona de conforto”, escondiam o seu pensamento mais profundo sobre o tema: se a mão-de-obra é mercadoria, ir vendê-la para longe é um favor que se faz às estatísticas imediatas.

 

Não tenhamos dúvidas: para estes governantes, o país tem um excedente na rubrica “cidadãos”. Quando assim é, resta-nos a obrigação moral de escolher entre o país ou o governo.

 

Publicado inicialmente no esquerda.net

Da série "A fenomenologia do Ser"

Sérgio Lavos, 28.12.12

 

"«Pedro» do Facebook e primeiro-ministro são a mesma pessoa.", afiança-nos o antigo candidato à liderança Pedro Passos Coelho, o tal que leu o livro desaparecido (ou nunca visto) de Jean-Paul Sartre. Já o antigo líder do PSD Pedro Passos Coelho afirmou em tempos que com ele os portugueses não iriam ficar sem o subsídio de Natal e também garantia que, se chegasse ao Governo, não iria aumentar mais os impostos. Também houve um primeiro-ministro chamado Pedro Passos Coelho que disse que os portugueses andaram a viver acima das possibilidades e eram piegas, e que deveriam olhar para o desemprego como uma oportunidade. Certamente que esse primeiro-ministro Pedro Passos Coelho nada tem a ver com o actual primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, que disse na sua mensagem de Natal que o pior da crise estava ultrapassado, poucas semanas depois de ter sido aprovado um orçamento criminoso. E certamente que este primeiro-ministro não é o Pedro do Facebook, o marido da Laura, o piegas que lamenta que os portugueses tenham passado um Natal igual ao de outros tempos, não deixando de os criticar uma vez mais por terem em tempos mais recentes vivido com mais abundância do que vivem agora. Não é o mesmo Pedro, mas afinal são a mesma pessoa. O Pedro primeiro-ministro é o Pedro cidadão, e é também o Pedro candidato, afinal o Pedro é todas estas personagens, e estamos em pleno território da psicopatologia da vida política, esquizofrénica.

 

Toda a gente já se teria apercebido de que estamos a viver um tempo de desequilíbrios. Talvez poucos imaginassem que alguém como o Pedro cidadão (ou será o Pedro primeiro-ministro?) fosse o timoneiro desta nau de loucos. Mas afinal, que fizemos nós, portugueses, para merecer isto?

A cratera do BPN e os nossos sacrifícios

Daniel Oliveira, 28.12.12

Soubemos este fim de semana, através de uma investigação do Expresso e da SIC, que há mais de 500 clientes do BPN com dívidas superiores a meio milhão de euros em incumprimento total. Estarão em causa três mil milhões de euros. Os maiores devedores são empresas e offshores ligados ao grupo SLN. Em particular, uma empresa de Emídio Catum e Fernando Fantasia (que pertenceu à comissão de honra de Cavaco Silva).

 

Estas dívidas são às três sociedades veículo criadas pelo ministério das Finanças, que deixaram para o Estado os problemas do BPN (o que se safava ficou para a SLN ou foi privatizado). Como grande parte destas dívidas correspondem a garantias insuficentes ou nulas, é provável que este dinheiro nunca venha a ser pago. O buraco totaldeixado pelo BPN pode chegar aos sete mil milhões de euros.

 

Uma dívida de três mil milhões, dois terços do que o governo quer cortar em educação, saúde e reformas. Sete mil milhões de buraco, quase o dobro.

 

Bem sei que o primeiro-ministro disse que ninguém ficará de fora dos sacrifícios. Mas num País que se leve a sério ninguém pode descansar enquanto todos os responsáveis por estes negócios não estiverem atrás das grades. Numa democracia madura ninguém pode aceitar qualquer sacrifício enquanto os que enriqueceram e deixaram esta cratera para os contribuintes pagarem tivere uma punição exemplar. É inacreditável, mas um dos principais arquitetos desta monumental vigarice é conselheiro próximo do primeiro-ministro e os restantes, com exceção de Oliveira e Costa, andam por aí. Só que até pagarem tudo, cada cêntimo que eu dê ao Estado é um cêntimo a mais.


Publicado no Expresso Online

Da exigência

Sérgio Lavos, 27.12.12

 

O Governo que supostamente nos governa honra-se de contar nas suas fileiras com um arauto da exigência e do rigor na educação, um homem que denunciou com fervor e raiva o facilitismo do "eduquês", exigindo que a escola ensinasse a matemática e a língua portuguesa sem contemplações nem cedências. Nuno Crato, o ministro que iria salvar o futuro do país controlando a educação das nossas crianças.

 

Esqueçamos por um momento que tem sido esse "eduquês" que tem permitido a Portugal escalar nos rankings internacionais na área da educação. Esqueçamos mesmo que esse engulho teve de ser deglutido por Nuno Crato com toda a cautela, sem poder queixar-se. Aceitemos que Nuno Crato acredita naquilo que escreveu e leva-se suficientemente a sério para saber que o rigor e a exigência são as chaves do êxito nesta área. Eu, esquerdista, me confesso: também acredito que sejam. Também acredito que um ensino facilitista, que não tenha o mínimo de exigência e não se regule por padrões de avaliação rigorosos não obterá resultados. É claro que também acredito que, abandonando à sua sorte os alunos com mais dificuldades ou criando-se guetos para quem não tem bons resultados escolares, não iremos longe; regressaremos aliás a tempos medonhos, quando a divisão de classes se fazia desde tenra idade.

 

Mas adiante. Se Crato acredita mesmo no que diz e faz o que pensa, como se deverá sentir quando se reúne em conselho de ministros ao lado de alguém como o Dr. relvas? O que deverá pensar de mais de metade dos seus companheiros de governação, licenciados em universidades privadas que não são conhecidas pela sua exigência, e com médias que variam entre os 11 e os 13 valores? O que deverá sentir de cada vez que vê alguém como Passos Coelho, cuja progressão na carreira nada teve a ver com méritos académicos ou profissionais, a mandar no país e a dispor do futuro de todos os portugueses? O que achará o rigoroso Crato do atroz domínio da língua portuguesa revelado por Passos Coelho de cada vez que este decide publicar uma mensagem no Facebook? Mau português que, de resto, já tinha sido apanágio de Pedro Mota Soares (também numa mensagem no facebook), de resto um dos licenciados com 11 valores numa universidade privada.  

 

A mediocridade, a falta de cultura geral, o arrivismo - recorde-se a referência de Passos Coelho numa entrevista a um livro de Sartre, "A Fenomonologia do Ser", que não existe nem nunca existiu -, a ignorância básica sobre os assuntos que era suposto dominar (relembre-se a recente trapalhada de, mais uma vez, Passos Coelho, a propósito da gratuidade do ensino obrigatório, prontamente esclarecida por Crato) e a incompetência no domínio da língua portuguesa plasmada nos comunicados e nas mensagens deixadas no Facebook, são a regra neste Governo. A iliteracia grassa no executivo, e o rigoroso Crato continua a sentar-se alegremente na sua cadeira do conselho de ministros. E depois é a esquerda que defende o facilitismo...

Resposta

Miguel Cardina, 27.12.12

A Joana Lopes teve a paciência de responder como deve ser à carta de Pedro. Ora vejam lá se não está certeiro:

 

Amigos, Senhor primeiro-ministro,

Este não foi o Natal que merecíamos merecia. Muitas famílias não tiveram na Consoada os pratos que se habituaram. Muitos não conseguiram ter a família toda à mesma mesa. E muitos não puderam dar aos filhos um simples presente. Era isso que devia ter-se passado consigo.
Já aqui Nunca assim estivemos antes. Se nos sentámos em mesas em que a comida esticava para chegar a todos, se demos aos nossos filhos presentes menores porque não tínhamos como dar outros, isso passou-se num tempo que julgávamos não mais reviver. Mas A verdade é que, para muitos, este não foi apenas mais um dia num ano cheio de sacrifícios, e penso bem pode pensar muitas vezes neles e no que estão a sofrer por sua causa.
A eles, e a todos vós,A si, no fim deste ano tão difícil em que tanto já nos foi pedido, peço apenas que procurem a força para se ir embora o mais depressa possível. Quando olharem olhamos os vossos nossos filhos e netos, o façam fazemo-lo não com pesar mas com o orgulho de quem sabe que os sacrifícios a que nos submetem , que fazemos hoje, as difíceis disparatadas decisões que estamos estão a tomar serão paradas pelas nossas lutas, fazemo-lo para que os nossos filhos tenham no futuro um Natal melhor.
Para si e, se quiser, também para a Laura, um 2013 tenebroso – como aquele que nos preparou e a que não escaparemos.

O burlão da ONU e o seu estatuto

Daniel Oliveira, 27.12.12

 

O caso de Artur Batista da Silva foi usado pelos defensores da austeridade e ignorado pelos que a criticam. Usado por jornais e televisões que não o entrevistaram e motivo de vergonha para os que lhe deram tempo de antena. Mas talvez o mais interessante, na história deste burlão, seja mesmo a de mostrar que a credibilidade dos "especialistas" escolhidos pela comunicação social e em tantos debates que se organizam deve ser relativizada.

 

Batista da Silva não era observador das Nações Unidas, não estava ligado ao PNUD, nunca foi consultor do Banco Mundial e não é professor de Economia Social da Milton Wisconsin University, que na realidade já nem existe. Até os seus cartões de visita eram falsos. E, no entanto, foi entrevistado em vários órgãos de comunicação social e foi orador num debate organizado pelo International Club de Portugal sobre a crise europeia. Não sei exatamente onde começou o fio desta meada. Sei que houve um momento qualquer em que o burlão ganhou o estatuto de especialista e a partir daí subiu na escala mediática.

 

Imaginemos então que Batista da Silva era mesmo o que dizia ser. Consultor da ONU, professor em Wisconsin. O que passávamos nós a saber sobre a sua competência técnica? Nada. Apenas lhe acrescentaríamos um estatuto que afinal usurpou. Os jornalistas que o entrevistassem, os organizadores de debates que o convidassem provavelmente saberiam o mesmo sobre ele e sobre a sua competência: também nada. Como as opiniões que deu eram essencialmente isso - opiniões - e não informações técnicas, o que valiam elas?

 

Vejamos: Vítor Constâncio é ou não é vice-presidente do BCE? Vítor Gaspar foi ou não foi um alto quadro daquela instituição? António Borges foi ou não foi responsável do FMI para a Europa? Álvaro Santos Pereira foi ou não foi professor na University of British Columbia?

 

E o que acha, cada um de nós, sobre as opiniões que cada um destes senhores tem sobre a crise? É que eles têm, para nós, uma particularidade: conhecemos o seu percurso, as suas posições e os resultados dos seus atos. Ou seja, conhecemo-los para além do seu currículo e do seu estatuto presente ou passado. O seu estatuto não é uma mera assinatura num cartão de visita. Tem, para nós, uma história. E isso é que é relevante.

 

Não desvalorizo, ao escrever isto, a importância de uma carreira ou de um cargo. Apenas recordo que, sendo a economia uma ciência política, o estatuto não chega para dar um carimbo de verdade ao que alguém diz e escreve. Até se pode ser burlão com cartão de visita verdadeiro. Porque este debate, o da crise europeia e portuguesa, não é essencialmente técnico. É político. Como se pode ver ao observar o desempenho em funções políticas de alguns dos técnicos encartados que referi.

 

Talvez este burlão nos tenha dada uma oportunidade: a de dar menos importância ao estatuto de quem fala e um pouco mais de atenção à racionalidade do que se diz. Um disparate não deixa de ser um disparate se for dito por um economista. Uma verdade não passa a ser mentira se for dita por alguém sem estatuto técnico e com algum estatuto intelectual. Talvez não seja assim com a astronomia. Mas quando falamos de grandes opções políticas, o cartão de visita, verdadeiro ou forjado, serve de pouco. Não há consultor que nos salve da falta de visão política.


Publicado no Expresso Online

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