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Arrastão: Os suspeitos do costume.

No futuro um Natal melhor

Bruno Sena Martins, 26.12.12

Na sua página do Facebook, tentando ganhar almas para a causa da austeridade, Pedro Passos Coelho diz lamentar os sacrifícios por que passa o povo português. Provavelmente ele não percebe porque é que este tipo de aproximação ao povo constitui um desastre em toda a linha.

 

Faço o valor de lhe explicar. A comunidade sacrificial a que Passos Coelho tenta uma elegia tão comisera como trapalhona, em rigor, não existe: além da noção generalizada de que os sacrifícios são tudo menos partilhados, a própria ênfase que Passos Coelho coloca no sacrifício é ofensiva conquanto supõe uma crença alargada numa futura recompensa, supõe um consenso acerca da gratificação que justifica os tempos difíceis.

 

No entanto, para a esmagadora maioria do povo português a acepção de sacrifício que tilinta remete para o imaginário das virgens e dos vulcões (do dicionário): 'Sacrifício: Oferta solene à divindade, em donativos ou vítimas.' Portanto, se não cremos nos mesmos deuses, e nos temos como vítimas de uma fé fanática que há muito abjurámos, é escusado vir com a conversa das necessárias provações a bem de 'no futuro um Natal melhor'. Não só é escusado, como é ofensivo.

Versões de um mesmo mito

Bruno Sena Martins, 26.12.12


Una Giornata Particolare, 1977, Ettore Scola 

Brief Encounter, 1945, David Lean 



Dos filmes visionados neste Natal poderia incluir o Ryan's Daughter (1970, David Lean) nesta mitologia. No entanto, se é verdade que Ryan's Daughter também trata da traição e do arrombo emocional trazido por um breve encontro, nele a irreversibilidade é amplamente socializada (no caso, pela generalizada infâmia que cobre 'a infiel').

Já a mitologia que proponho tem mais a ver com a solidão da memória após um encontro extra-conjugal inscrito em lugar nenhum. 'Una Giornata Particolare' e 'Brief Encounter' são filmes sobre a impossível arte de seguir a vidinha, aparentemente intocada, como se nada fosse. são filmes sobre o modo como a ausência, seja de arquivo seja de testemunhas, permite a ilusão do não acontecimento. É nessa ilusão que consiste a disjunção radical entre a brevidade e o irreversível. A brevidade de um evento é sublinhada pelo modo como este se eterniza em duas vidas resolutamente apartadas.

 

Publicado em Avatares de um Desejo

O burlão

Sérgio Lavos, 26.12.12

 

O burlão mitómano Pedro Passos Coelho achou que o espaço mediático estava a ser usurpado por outro burlão de quinta categoria cujas mentiras e invenções não se aproximam sequer do brilho das suas próprias mentiras e decidiu vir uma vez mais insultar a inteligência dos portugueses com uma mensagem no Facebook, mostrando à saciedade uma das suas melhores qualidades: o cinismo. Quando o principal responsável pela destruição do país escreve (ou alguém por ele), sem rebuço:

 

"Já aqui estivemos antes. Já nos sentámos em mesas em que a comida esticava para chegar a todos, já demos aos nossos filhos presentes menores porque não tínhamos como dar outros. Mas a verdade é que para muitos, este foi apenas mais um dia num ano cheio de sacrifícios, e penso muitas vezes neles e no que estão a sofrer."


Estará mesmo consciente de que nem os votantes do PSD levam isto a sério? Que escrever isto:


"A eles, e a todos vós, no fim deste ano tão difícil em que tanto já nos foi pedido, peço apenas que procurem a força para, quando olharem os vossos filhos e netos, o façam não com pesar mas com o orgulho de quem sabe que os sacrifícios que fazemos hoje, as difíceis decisões que estamos a tomar, fazemo-lo para que os nossos filhos tenham no futuro um Natal melhor."


É de uma falta de sensibilidade e de um mau gosto atroz? Saberá o que diz, o que fez, o que vai fazer? Ou a alucinação é tão grande que acredita mesmo que o seu plano quinquenal estalinista justifica todos os mortos, feridos e miseráveis que vai deixar pelo caminho? Se acredita, é um homem perigoso - como de resto são sempre os homens providenciais com um plano messiânico. Se não acredita, e apenas tenta justificar o injustificável, não passa de um idiota com demasiado poder nas mãos. Pedro, amigo, digo-te com toda a frontalidade: vai para o caralhinho. E leva a Laura contigo.


Adenda: quem ler a mensagem deverá ignorar os erros ortográficos, sintácticos e a confusão geral de ideias. No fim de contas, o primeiro-ministro de Portugal não tem qualquer obrigação de ser melhor do que esta tristeza. Mereceremos mais?

Se souber de um caso de "pedofilia" fale com um polícia, não com um bispo

Daniel Oliveira, 26.12.12

 

 

Depois de serem públicas as acusações ao vice-reitor do Seminário do Fundão, Catalina Pestana falou à comunicação social da existência de pelo menos cinco padres em Lisboa responsáveis por abusos sexuais de menores. Disse que há muito tinha denunciado os casos à hierarquia da Igreja. Ela e o psiquiatra Álvaro de Carvalho teriam dirigido, em 2010, uma carta a José Policarpo e a Jorge Ortiga. Terão proposto aos dois "uma conversa discreta".

 

José Policarpo negou que alguma vez tenha sido informado e o bispo de Braga apenas confirmou que a ex-provedora da Casa Pia lhe falara genericamente da existência de "pedofilia" na Igreja, sem especificar qualquer caso. "Disse-lhe claramente que, se tivesse casos concretos, os denunciasse, os apresentasse aos bispos locais", garantiu Jorge Ortiga. E concluiu: "Tive oportunidade de lhes dizer que a Igreja cuidou e cuidará deste caso com a serenidade e com a responsabilidade que a gravidade dos problemas em si exige". Numa das denúncias apresentadas, apenas na semana passada, por Catalina Pestana ao DIAP, em que está envolvido um padre no ativo, sabe-se que a família terá chegado a transmitir o caso ao Patriarcado sem nunca chegar a saber o que a Igreja fez.

 

Não tenho razões para pensar que haja mais casos de abusos sexuais de menores no interior da Igreja Católica do que em qualquer outra estrutura da sociedade. A Igreja, enquanto tal, não abusa de menores. E não me parece que promova tais abusos. A culpa de Igreja tem sido outra, um pouco por todo o Mundo: o encobrimento dos casos, permitindo que os responsáveis por um crime grave não sejam punidos.

 

Basta olhar para o comportamento de Catalina Pestana, de Álvaro de Carvalho e de muitas famílias para saber queeste encobrimento tem uma origem cultural profunda. Todos, a não ser às famílias das alegadas vítimas no Seminário do Fundão, acharam que estariam a cumprir a sua obrigação apenas comunicando à hierarquia eclesiástica, e não à justiça da República, a existência destes crimes. Como se os católicos aceitassem a ideia de que a Igreja é um Estado dentro do Estado e cabe a ela, e não à justiça, tratar destes casos.

 

A cultura de encobrimento, que tantos dissabores tem dado à Igreja, é aceite pelos fiéis. Que, sem o saberem, se tornaram, durante décadas, cúmplices da impunidade. Essa cultura, e não qualquer generalização da "pedofilia" entre os padres, é verdadeiro problema da Igreja. E está longe de se resumir à pedofilia. É profunda e resulta de uma dificuldade mais geral, que acompanha parte da comunidade católica: a de aceitar que vivemos num Estado laico. E que os crimes comuns não estão nem têm de estar na alçada dos poderes eclesiásticos. A dificuldade em aceitar queum padre, antes de ser padre, é um cidadão, é o que levou milhares de crianças que estavam ao seu cuidado a terem de esperar muitos anos até verem a justiça feita. Foi o tempo que demorou para que os seus segredos fossem conhecidos fora da Igreja.

 

Lição: se souber de um crime de um padre é com um polícia ou um magistrado, e não com um bispo, que deve falar. Os bispos tratam da fé. Da lei trata o Estado.

 

Publicado no Expresso Online

A canalha

Sérgio Lavos, 26.12.12

Curioso é também o êxtase pouco comedido da direita sabuja - que andava caladinha que nem ratos prestes a fugir do navio desde que os números da economia entraram em queda livre e sobretudo desde que a incompetência do impressionante Gaspar e o seu manga-de-alpaca Coelho se tornou demasiado evidente para continuar a parecer inteligente defender as medidas do Governo - e agora dá pulinhos de alegria com o número do intrujão Baptista da Silva - sim, sim, são os mesmos que defendem (ou pior, se calam com) a "licenciatura" do Dr. relvas - e rasgam as vestes pedindo a demissão de um jornalista íntegro como Nicolau Santos, que teve o pejo e a honra de admitir um erro - crasso - e pedir desculpa por isso.

 

José Manuel Fernandes, por exemplo, que, para quem não saiba, foi corrente de transmissão da* intentona das escutas de Belém (uma vergonha não só jornalística, mas sobretudo pessoal), tem sido dos mais activos na campanha. O Blasfémias e o Insurgente também ressurgiram das cinzas, jogando a cartada com toda a má fé e sem qualquer vergonha na cara.

 

Compreendamos o desespero: desde a estrondosa derrota da TSU que esta gente andava mansa que nem cordeiro. Aparecer um tipo mitómano que por acaso diz o que neste momento é quase unânime (o problema, claro, não é o que Baptista da Silva disse, mas as suas falsas credenciais e a falta de rigor dos media que lhe deram voz) é uma oportunidade de ouro para tentar descredibilizar a mensagem anti-austeridade. Não interessa que economistas de esquerda e direita sejam praticamente consensuais nas suas opiniões, não interessa que o FMI, a Comissão Europeia e o BCE tenham uma posição neste momento muito mais moderada em relação à austeridade na Europa, não interessa que até Merkel esteja a ceder na Grécia, na Espanha, na Irlanda. O que interessa a estes sabujos é continuarem a ladrar em defesa do Governo e da sua política de destruição do país, uma política cada vez mais isolada no seio da Europa, de um Governo que se recusa a ter uma palavra sequer de defesa do país nos organismos europeus e se preocupa apenas em fazer os seus negócios para o pós-eleições. Um presentinho de Natal para a canalha, um êxtase precoce de gente sem espinha e sem carácter. Bom proveito.

 

*Alterado. José Manuel Fernandes não foi arquitecto da intentona, mas sim Fernando Lima, assessor que acabou por ser afastado por Cavaco Silva. O seu a seu dono. JMF (em conjunto com Luciano Alvarez) limitou-se a ser veículo para um dos episódios mais vergonhosos do jornalismo em democracia.

Estupidamente sós

Sérgio Lavos, 22.12.12

 

A Irlanda conseguiu uma meta do défice para 2013 de 7,5 %, conseguindo assim não destruir a economia. Para além disso, tem ignorado muitos dos pontos do seu programa de ajustamento - nomeadamente, no que diz respeito às privatizações. A Grécia, negociando e pressionando os seus credores, conseguiu prolongar os prazos, baixar os juros e ver perdoada parte da dívida. Portugal tem de carregar o peso de um primeiro-ministro deslumbrado e perigosamente idiota - alguém que compara a actual crise com a Guerra do Ultramar não só está a atirar lenha para o fogo como mostra uma falta de cultura atroz, ao ensaiar uma analogia entre momentos tão díspares da História - que teima num caminho errado e criminoso. Quando se queimar, não se queixe. Tenho a sensação de que os portugueses não irão aturar muito mais deste deslumbrado arrivista. A História normalmente repete-se como farsa.