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Arrastão: Os suspeitos do costume.

2M

Miguel Cardina, 03.03.13
Dia de hoje: ministra Cristas chora naquele programa de sábado à tarde onde os entrevistados choram; milionário Pinhal forma movimento de reformados indignados; banqueiro Salgueiro diz que 17,6% de desempregados deviam estar a tratar das matas e dos idosos (que lhe tratem da saúde, pois então). Lá fora — "ah, lá fora! / rir de tudo / No riso admirável de quem sabe e gosta / ter lavados e muitos dentes brancos à mostra" — mais de um milhão de portuguesas e portugueses demitiram o governo.

O povo demitiu o governo

Miguel Cardina, 03.03.13

“Esta Moção de Censura Popular expressa a vontade de um povo que quer tomar o presente e o futuro nas suas mãos. Em democracia, o povo é quem mais ordena.

Os diferentes governos da troika não nos representam. Este governo não nos representa.

Este governo é ilegítimo. Foi eleito com base em promessas que não cumpriu. Prometeu que não subiria os impostos, mas aumentou-os até níveis insuportáveis. Garantiu que não extorquiria as pensões nem cortaria os subsídios de quem trabalha, mas não há dia em que não roube mais dinheiro aos trabalhadores e reformados. Jurou que não despediria funcionários públicos nem aumentaria o desemprego, mas a cada hora que passa há mais gente sem trabalho.

Esta Moção de Censura é a expressão do isolamento do governo. Pode cozinhar leis e cortes com a banca e a sua maioria parlamentar. O Presidente da República até pode aprovar tudo, mesmo o que subverte a Constituição que jurou fazer cumprir. Mas este governo já não tem legitimidade. Tem contra si a população, que exige, como ponto de partida, a demissão do governo, o fim da austeridade e do domínio da troika sobre o povo, que é soberano.

Que o povo tome a palavra! Porque o governo não pode e não consegue demitir o povo, mas o povo pode e consegue demitir o governo. Não há governo que sobreviva à oposição da população.

Esta Moção de Censura Popular é o grito de um povo que exige participar. É a afirmação pública de uma crescente vontade do povo para tomar nas suas mãos a condução do país, derrubando um poder corrupto que se arrasta ao longo de vários governos.

No dia 2 de Março, por todo o país e em diversas cidades pelo mundo fora, sob o lema “Que se lixe a troika! O povo é quem mais ordena”, o povo manifestou uma clara vontade de ruptura com as políticas impostas pela troika e levadas a cabo por este governo.

Basta! Obviamente, estão demitidos. Que o povo ordene!”

Portugal, 9 séculos de história, 10 milhões de criados. Cumpre o teu dever cívico, enrola-te com um turista

Daniel Oliveira, 01.03.13

 

A campanha de reeducação de massas, veiculada no sitevisitportugal.com, é uma coisa tão bafienta, tão neo estado-novo, tão “Ó tempo volta p'ra trás”, que não me admirava que os verso da Grândola (sem eu querer) começassem a aparecer pelo meio deste texto (ver vídeo aqui).

O filme começa com dois estrangeiros suspirando pela Ana. “Ai a Ana, ai a Ana”, dizem. “O melhor de Portugal foi a Ana.” E quem é a Ana? Uma rameira? Uma portuguesa comum? A sua filha?

 

Desconfio que se trata da sua filha, caro leitor. E o Turismo do governo de Portugal quer que ela e os outros portugueses todos, para além do couro e do cabelo que dão aos credores, dêem também o corpo e o conho a quem nos visita.

 

Este parece ser o objectivo desta indigna campanha, assumida, pelo próprio Turismo, como campanha interna. Uma campanha que visa (imagine-se) educar os portugueses na servidão. É uma campanha que nos incentiva a sermos rameiras e gigolôs ao serviço de quem vem de fora. Uma campanha que reforça a ideia de Portugal como país de serventes sorridentes e lavados, prontos para todo o serviço; que reforça a ideia de um povo criado para ser criado; uma ideia enraizada já por esse mundo fora e que, como estudos demonstraram (como se não bastasse o bom senso), nos retira valor. Uma imbecilidade, portanto.

 

Mas apostar no valor económico da subserviência parece ser a estratégia do Turismo do governo de Portugal. E para tal, vai de fazer o impensável: uma campanha de doutrinação e reeducação de massas; à boa maneira nazi/estalinista.

 

No filme, para além dos bifes que suspiram de saudades pelo docinho da Ana, ainda se vê uma holandesa que, vinda a Portugal jogar golfe, acabou enrolada com um português; vêem-se duas francesas a recordar a maneira delicada como o senhor António arrumava as toalhas e tinha as camisas bem passadas e tratava da casa-de-banho; vê-se o pobre do Avillez a servir à mesa, tão simpático, tão deferente, tão pouco chef e tão criado; vê-se um senhor de meia idade que sofre de uma estranha compulsão para a subserviência e se manifesta a fazer de guia a uma família de brasileiros. Vêem-se criados. Criados. Só criados, nada mais. Nada de digno, criativo, inteligente, elevado, aspiracional. Só criados.

 

Esta indecorosa ofensa, esta imbecilidade, esta falta de competência, bom senso, valores e escola, conclui-se com uma citação de Fernando Pessoa. Mas não é bem uma citação de Fernando Pessoa. É um sucedâneo, uma citação tipo-Pessoa. Em vez de “Põe quanto és no mínimo que fazes”, lê-se o erro “ Põe tudo o que és na mais pequena coisa que fazes”.

 

Tudo o que aquela gente do governo de Portugal é, pôs nesta campanha; e não é nada de bom.

 

Nunca me senti tão envergonhado com uma coisa feita em meu nome.


Pedro Bidarra

Publicitário, sociólogo e autor

Isto está só a começar

Daniel Oliveira, 01.03.13



É bom centrarmo-nos e, sobretudo, citando o nosso maestro Victorino de Almeida, não deixarmos que Portugal se torne numa espécie de cão abandonado que lambe as mãos do primeiro que lhe der qualquer coisa para comer.
Merecemos ser muito mais que isso, haja dignidade, coragem, inteligência e solidariedade de facto. Isto está só a começar, o rumo da locomotiva está nas nossas mãos. Boa Viagem!

Jorhe Palma

O coro dos escravos

Daniel Oliveira, 01.03.13

 

A Itália festejava os seus 150 anos. A Ópera de Roma apresentou "Nabucco", de Verdi, símbolo da unificação do País, que nos canta a escravidão dos judeus na Babilónia. Uma obra política num tempo em que a Itália estava debaixo do jugo do Império dos Habsburgos. Perante os aplausos e os gritos de "bis" e de “Viva a Itália!”, o maestro Riccardo Mutti disse estas palavras: “Já não tenho 30 anos e já vivi a minha vida, mas como um italiano que percorreu o mundo, tenho vergonha do que se passa no meu País. Portanto, aceito o vosso pedido de bis para o Va Pensiero. Não tanto ou apenas por razões patrióticas, mas porque, esta noite, enquanto o coro cantava “Ó minha pátria, bela e perdida", pensava que se continuarmos a matar a cultura sobre a qual assenta a história da Itália, a nossa pátria será, verdadeiramente, "bela e perdida". (...) Estamos em nossa casa, o teatro da capital, e com um coro que cantou magnificamente e que é magnificamente acompanhado, se for de vosso agrado, proponho que todos se juntem a nós para cantarmos." De pé, o público acompanhou o “Coro dos Escravos”.



 

Longe de ser uma mera manifestação de nacionalismo bacoco, do estilo que Vítor Gaspar usou hoje para fazer poesia de má qualidade sobre “navegadores” e tormentas”, este momento, em Março de 2011, em defesa da cultura , fez-me recordar a “Marselhesa”, em “Casablanca”. Quando a fúria neoliberal (tão bem representada pela boçalidade ignorante de um Camilo Lourenço, que diz que o professores de história são inúteis, porque nada fazem pela economia) destrói a cultura dos povos e europeia, como se de um desperdício se tratasse; quando as nações do Sul da Europa se veem humilhadas e reduzidas à condição de protetorados; este hino patriótico não podia ser mais comovente. Também é por este patriotismo e pela cultura, longe dos nacionalismos arrogantes que tantas vezes devastaram a Europa, que amanhã estarei na rua. Se aos nossos governos não resta um pingo de dignidade e orgulho, que os tenham os povos.

Texto de apoio do Pedro e da Laura à manifestação de amanhã

Sérgio Lavos, 01.03.13

Portugueses e Portuguesas,O direito à manifestação e à expressão do descontentamento político está consagrado na constituição e a participação cívica é um dos elementos que mais vigor poderá dar à nossa democracia. Os tempos que vivemos são difíceis e desde o lugar de responsabilidade que ocupo tenho em primeira mão consciência das dificuldades que vivem muitos portugueses e do desespero que sentem. No entanto para que a democracia não saia perturbada pelo excesso de entusiasmo de um par de radicais que não se reveem no programa de governo acho necessário ressalvar os seguintes pontos:-A manifestação de 2 de Março deverá ser ordeira, pacífica, reservada e ajuizada. A tranquilidade dos transeuntes e dos habitantes deve ser tida em conta, será portanto de evitar a utilização de elementos ruidosos ou que causem demasiado aparato.-As palavras de ordem e cartazes deverão obedecer às regras elementares de bom gosto e de decoro, não ofendendo os representantes do povo (ou as suas mães) nem as instituições do estado.-A manifestação deverá restringir-se do ponto A ao ponto B, entre a hora X e a hora Y. Terminada todos os manifestantes deverão ir para casa ver a reportagem na televisão e esperar quietinhos por 2015.-Todas as ordens dadas e sugeridos pelos elementos que se afirmem os directores da manifestação devem ser seguidas escrupulosamente. Se eles disserem senta os portugueses deverão sentar-se, se disserem corre os portugueses deverão correr.-Toda e qualquer iniciativa que vise transformar uma legitima expressão de descontentamento em algo mais, que procure desconstruir as desiguais relações de poder ou que procure constituir-se enquanto momento político deverá ser imediatamente censurada. A manifestação serve única e exclusivamente para que eu e os membros do meu governo possamos ouvir a vossa voz, e não para que, deus nos livre, utilizeis as vossas mãos.-Para assegurar a segurança de todos os manifestantes estará presente o corpo de intervenção da PSP em números inacreditáveis. Pedimos a todos os manifestantes que não hesitem em entregar à polícia todos os profissionais da desordem que ousem desrespeitar estes pontos anteriormente referidos. A PSP estará autorizada a desrespeitar todos os seus regulamentos internos, mas isso porque está do nosso lado. Acaso vejam um deles com um megafone corram, corram muito, corram bem.Desejo a todos um saudável exercício dos vossos direitos constitucionais,Pedro e Laura.

 
"Portugueses e Portuguesas,

O direito à manifestação e à expressão do descontentamento político está consagrado na constituição e a participação cívica é um dos... elementos que mais vigor poderá dar à nossa democracia. Os tempos que vivemos são difíceis e desde o lugar de responsabilidade que ocupo tenho em primeira mão consciência das dificuldades que vivem muitos portugueses e do desespero que sentem. No entanto para que a democracia não saia perturbada pelo excesso de entusiasmo de um par de radicais que não se reveem no programa de governo acho necessário ressalvar os seguintes pontos:

- A manifestação de 2 de Março deverá ser ordeira, pacífica, reservada e ajuizada. A tranquilidade dos transeuntes e dos habitantes deve ser tida em conta, será portanto de evitar a utilização de elementos ruidosos ou que causem demasiado aparato.

- As palavras de ordem e cartazes deverão obedecer às regras elementares de bom gosto e de decoro, não ofendendo os representantes do povo (ou as suas mães) nem as instituições do estado.

- A manifestação deverá restringir-se do ponto A ao ponto B, entre a hora X e a hora Y. Terminada todos os manifestantes deverão ir para casa ver a reportagem na televisão e esperar quietinhos por 2015.

- Todas as ordens dadas e sugeridos pelos elementos que se afirmem os directores da manifestação devem ser seguidas escrupulosamente. Se eles disserem senta os portugueses deverão sentar-se, se disserem corre os portugueses deverão correr.

- Toda e qualquer iniciativa que vise transformar uma legitima expressão de descontentamento em algo mais, que procure desconstruir as desiguais relações de poder ou que procure constituir-se enquanto momento político deverá ser imediatamente censurada. A manifestação serve única e exclusivamente para que eu e os membros do meu governo possamos ouvir a vossa voz, e não para que, deus nos livre, utilizeis as vossas mãos.

- Para assegurar a segurança de todos os manifestantes estará presente o corpo de intervenção da PSP em números inacreditáveis. Pedimos a todos os manifestantes que não hesitem em entregar à polícia todos os profissionais da desordem que ousem desrespeitar estes pontos anteriormente referidos. A PSP estará autorizada a desrespeitar todos os seus regulamentos internos, mas isso porque está do nosso lado. Acaso vejam um deles com um megafone corram, corram muito, corram bem.


Desejo a todos um saudável exercício dos vossos direitos constitucionais,

Pedro e Laura."
(Via Facebook.)

Quem mais ordena

Daniel Oliveira, 01.03.13

 

A austeridade acabará por destruir os seus próprios mentores. A subida do Siryza, na Grécia, o caos institucional provocado pelo resultado do comediante Beppe Grillo, em Itália, o crescimento da extrema-direita em vários países europeus, a crescente relevância de movimentos inorgânicos que substituem o papel antes reservado aos sindicatos e aos partidos e o reforço de sentimentos antieuropeístas em cada vez mais países da União são manifestações políticas contraditórias disso mesmo.

 

A austeridade, que levará à destruição do contrato social que a maioria dos países europeus firmou no pós-guerra,tornará a democracia, como a conhecemos, inviável. Restarão, para a continuar a aplicar, duas opções: ou a eternização de intervenções externas, com os países do sul da Europa transformados em protetorados de Bruxelas e Berlim, ou a limitação dos direitos cívicos. A austeridade não põe em causa apenas as economias dos países periféricos. Põe em risco as democracias e, com elas, a continuidade da União Europeia.   

 

A clique ideológica que capturou o poder não sufragado na União, e que através dele impôs aos Estados a sua agenda radical, já perdeu os "corações e as mentes" dos povos que sofrem os efeitos da austeridade. Falta perderem o controlo das instituições nacionais e europeias.

 

Parece cada vez mais evidente a incapacidade dos sistemas partidários europeus, nascidos do pós-guerra, dominados por uma rotatividade entre o centro-esquerda e o centro-direita, cumprindo as suas margens o papel de aliados circunstanciais ou de escape eleitoral em momentos de maior tensão social, se regenerarem por dentro para conseguirem pôr fim a este ciclo de empobrecimento. Falta-lhes a credibilidade e a massa crítica para tão exigente tarefa. Essa regeneração só pode vir de uma pressão popular.

 

Alexandre Soares dos Santos disse, numa conferência de imprensa em que apresentava os lucros do seu grupo, que"não é com grândolas vilas morenas que a gente resolve nada". É com debates "na televisão", explicou. Não valorizo especialmente as promoções opinativas do merceeiro que prefere de pagar impostos na Holanda. Mas, neste caso, ela é bem sintomática dos temores de uma elite que se tem dado bem com a degradação do País: que a participação extravase o domesticado espaço mediático. Mas se a revolta dos cidadãos não entrar pelo porta acabará por arrombar as janelas. As "grândolas vilas morenas", entendidas como uma forma de protesto pacífica da sociedade civil, são a forma civilizada que resta aos cidadãos para desbloquear a nossa situação política. Se ficarem à espera que os partidos políticos resolvam por si os seus impasses internos nada acontecerá. Apenas correrão o risco de se moverem quando a pressão popular a isso os obrigar.

 

Amanhã, como aconteceu a 15 de Setembro, uma parte não negligenciável do País voltará à rua. Pela dignidade de um povo em desespero. Mas também em defesa da democracia. Como disse a vice-presidente da Comissão Europeia, feliz o País que protesta cantando. Mas ser pacífico não é ser passivo. Se os portugueses permitirem esta confusão ouvirão de novo um representante da troika dizer que são um "povo bom". Ou seja, aquele a quem tudo se pode fazer sem o risco de qualquer reação. E a Grândola, assim como a revolução que ela sinalizou, é um excelente hino a este espírito de revolta cívica.

 

Publicado no Expresso Online

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