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Arrastão: Os suspeitos do costume.

O inimputável Gaspar

Sérgio Lavos, 30.04.13

 

O entendimento que Vítor Gaspar tem da democracia que o colocou no lugar que ocupa está bem espelhado na resposta que deu a Ana Drago, na audição de hoje na Comissão de Economia: "Eu não fui eleito coisíssima nenhuma!". Ora, cá está, Gaspar sabe qual é o seu papel na história de terror que o país está a viver. Não foi eleito, claro que não, foi o homem que o poder financeiro colocou a gerir a sua dívida em Portugal. Vítor Gaspar não é apenas um inimputável que está a destruir o país. Desconfio mesmo que o seu nome foi indicado pela troika para ocupar o lugar de ministro das Finanças. Encerrado numa redoma autista que faz perder a paciência ao mais santo franciscano, Gaspar prossegue o seu caminho, imperturbável. A democracia, o governo do povo, não lhe diz nada, porque não foi eleito. E irá manter a seu lado a secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Alburqueque, que enquanto foi administradora da Refer realizou contratos "swap" mais gravosos para o Estado do que outros que levaram à demissão de dois secretários de Estado. Tudo perfeitamente normal, é este o estado de excepção em que vivemos.

Indignidades liberais

Sérgio Lavos, 30.04.13

 

A nossa seita liberal é dona de uma excentricidade muito própria, especial e com um pensamento transformista que se vai adaptando na perfeição às decisões tomadas pelos Governos de direita que vão passando pelo poder. Desde deputados do CDS-PP que dão palestras sobre liberalismo ao mesmo tempo que estão no Governo que impôe a mais pesada carga fiscal de sempre, até defensores da austeridade custe o que custar, para além de qualquer limiar razoável - e esse limiar deveria ser, para um liberal, o ponto em que a recessão destrói a economia livre e as pequenas e médias empresas em benefício dos monopólios e das empresas que vivem à conta do Estado. Há mesmo liberais que defendem impostos ainda mais elevados como forma de sairmos da crise, até a um ponto em que, imagino eu, todo o rendimento disponível passará a ser gerido por Gaspar, em função dos interesses dos nossos sacrossantos credores, que no fundo são o alfa e o ómega de toda a economia e, em última análise, de toda a existência. E claro, quase todos estes liberais são profundamente conservadores no que diz respeito a questões de direitos humanos - é vê-los a vociferar de tempos a tempos contra o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou a liberalização das drogas. João César das Neves e João Carlos Espada são os heróis desta facção "liberal" da nossa inteligentsia.

 

Rui Albuquerque, por exemplo, vem defender neste post que os patrões possam utilizar os ordenados dos seus trabalhadores para gerir as contas da empresa. Fenomenal proposta. E, evidentemente, perfeitamente liberal, apesar de em teoria o liberalismo económico ser bastante darwinista no que diz respeito ao funcionamento da economia - apenas as melhores empresas podem sobreviver. Se pensarmos bem nas coisas, como elas são, de facto uma empresa pode ter bastante maior liquidez para investir e crescer se simplesmente deixar de pagar aos seus trabalhadores. Vamos lá ver: os trabalhadores devem pensar no bem-estar da empresa que faz o favor de lhes "oferecer" trabalho (no fundo, uma maneira de verem o seu tempo ocupado, como em tempos sugeriu Fernando Ulrich). Podem muito bem abdicar dos seus ordenados para manter as máquinas em funcionamento. Apenas com tal sacrifício e abnegação da massa colaboradora poderão as empresas continuar a distribuir dividendos pelos seus accionistas no final do ano.

 

A proposta de Rui A. colhe, de resto, em bastantes empresários portugueses. Quando os trabalhadores da empresa onde eu estava decidiram fazer greve para protestar por dois meses de salário em atraso, foram acusados de traição. Com toda a razão, pois claro. Se tivéssemos continuado a trabalhar, resistindo à vil tentação de recebermos um ordenado pelo nosso trabalho, a empresa teria tido muito mais flexibilidade para manter uma frota de automóveis topo de gama ao serviço dos administradores e os accionistas teriam recebido mais pelo seu hercúleo esforço. Fomos, na realidade, gente mesquinha, que apenas queria a desgraça de quem nos emprega. Onde já se viu, exigirmos receber pelo trabalho que produziu a mais-valia para o patrão?

 

Não, Rui, indigna não é a entrevista na qual o inspector-geral do trabalho defende a criminalização do atraso no pagamento de salários. Indigno é haver patrões que acham que podem gerir as suas contas particulares e as dos accionistas com os salários dos trabalhadores. Até será admissível que pontualmente possam existir atrasos e que se utilize os salários alheios para equilibrar as contas da empresa. Mas quando o atraso é reiterado, sistemático e a empresa apresenta lucros que contradizem a falta de liquidez, é crime, sim, e se não está na lei, deveria estar. Indigno é também termos empresas que estão a aproveitar-se da crise para desrespeitarem sistematicamente as pessoas que empregam, a começar pela principal forma que estas têm de defender a sua dignidade: receber o salário devido pelo trabalho realizado.

 

Razão continua a ter Karl Marx, quando escreveu: "A economia política olha para o proletário... como um cavalo - ele tem de receber apenas o suficiente para que consiga trabalhar. Quando não está a trabalhar, o proletário não chega a ter o estatuto de ser humano."

Reviver o passado em Reiquiavique

Daniel Oliveira, 30.04.13



Aviso: se está sem tempo, guarde esta leitura para mais tarde. O texto é longo.


A direita que levou a Islândia à maior crise financeira que todo o mundo alguma vez conheceu num país, pelo menos nos últimos cem anos, venceu, para espanto de muitos, as eleições. Há um ano, quando lá fui fazer uma reportagem para o EXPRESSO, esperavam-se as eleições presidenciais, o julgamento do ex-primeiro-ministro e muitos suspeitavam que seria este o resultado eleitoral nas legislativas seguintes. Eu próprio fiquei convencido disso. O Presidente, um dos poucos políticos respeitados na Islândia, foi reeleito, o ex-primeiro-ministro foi absolvido e a direita voltou ao poder.

 

Porque tem tão pesada derrota um governo que consegue conter, depois de uma hecatombe financeira, o desemprego próximo dos 7%, consegue que a economia cresça acima da média europeia, consegue que o FMI já se tenha ido embora e deixa, no essencial, o poderoso Estado Social islandês intacto? Porque apesar de tudo isto nos parecer extraordinário, não lhes parece a eles? Porque não estavam preparados para viver esta crise e porque esperavam muito mais deste governo, depois de, pela primeira vez na sua história recente, se terem realmente mobilizando por uma mudança. As coisas não pioraram como podiam ter piorado, é verdade. Não pioraram como aqui. Mas não mudaram no fundamental. Porque vivem na Islândia e não aqui, os islandeses não terão a consciência do que teria sido a crise se tivesse sido outro o caminho. Mas sabem o que poderia ter sido a mudança se o governo tivesse acompanhado o sentimento social saído da "revolução das frigideiras". Ou pode dar-se o caso das pessoas estarem de tal forma frustradas com esta crise que não haja resposta política possível para esta ansiedade e decepção.

 

"O anterior governo caiu por causa de nós e isso deu-nos a sensação de ter poder. Reconheço tudo: que podíamos estar muito pior, que há julgamentos, que, ao contrário de outros, não usámos o dinheiro dos contribuintes para salvar bancos. Mas julgávamos que isto ia muitíssimo mais longe." Foi isto que uma das pessoas com quem falei me explicou para dizer porque era impopular este governo e porque não conseguia animar tanta gente afundada em dívidas aos bancos. O escritor Einar Már apontou o principal erro do governo de esquerda: "Quando os sindicatos americanos exigiram mais a Roosevelt, ele respondeu: rapazes, eu não posso fazer isso por vocês, mas vocês podem obrigar-me a fazê-lo. O nosso governo disse o contrário: vão para casa, não nos perturbem."

 

Deixo aqui, na íntegra (e sem os cortes que, por razões de falta de espaço, tive de fazer para edição impressa), a reportagem que então publiquei na revista do EXPRESSO. É jornalismo, sem qualquer opinião. Talvez a dimensão do texto não seja a ideal para publicar online, mas pode ajudar a compreender as razões deste resultado num país que, quando lá estive, não vivia em festa, mas em ressaca.

 

A minha estada na Islândia, assim como este resultado eleitoral que, como podem ver na reportagem, apesar de me entristecer não me surpreende muito, não muda a opinião que formei sobre os caminhos acertados que a Islândia seguiu. Apenas confirma que os processos políticos de ruptura não dependem exclusivamente de soluções de poder. Precisam de ser acompanhados por um processo social e têm de ser tão mobilizadores que contrariem a enorme desconfiança que as pessoas sentem hoje em relação à política. Uma reflexão para a esquerda. Sendo certa uma coisa: a direita pode ter ganho, mas a Islândia não deixa, depois de ter feito algumas opções que nem os que agora regressam ao poder se atrevem a contestar, de estar bem melhor do que Portugal, Irlanda ou Grécia. Segue a reportagem de Maio de 2012.

 


 

 

Quem disse?

Daniel Oliveira, 30.04.13

"Não há mesmo possibilidade de as oposições gizarem programas para o futuro imediato, salvo o que nós próprios temos definido já."
1. Pedro Passos Coelho
2. Aníbal Cavaco Silva
3. António Oliveira Salazar

Neste casino, os swap são a normalidade

Daniel Oliveira, 29.04.13

 

O governo está chocado com os negócios de alto risco que os gestores de empresas públicas andaram a fazer com o nosso dinheiro, através da troca (swap) de taxas de juros variáveis por taxas fixas. A coisa, do ponto de vista do devedor, parece, quando os juros estão a subir (e foi o caso do momento em que a maioria destes contratos foram assinados), previdente. Sendo um ato comum de gestão, à época, é bom negócio se os juros sobem, uma tragédia se eles descem.

 

Só que, na realidade, porque não se tratava apenas da fixação de uma taxa de juro fixa, mas de um produto tóxico bem mais complexo para especulação financeira com dinheiros públicos, a coisa é um pouco mais grave. Seja como for, a Euribor desceu e as empresas estão a pagar juros muito acima dos praticados e têm dívidas muitíssimo superiores ao que lhes foi emprestado. Porque as instituições financeiras são hoje casinos e nos casinos o cliente perde sempre. 

 

O PSD e o CDS vão abrir uma comissão parlamentar de inquérito. Querem saber o que Sócrates andou a fazer, claro. Não estarão muito interessados em saber o que os governos de Santana e Durão fizeram quando usaram este mesmo expediente. E já se livraram dos seus secretários de Estado que aprovaram essas operações quando eram gestores de empresas. Para que as coisas não pareçam o que são: responsabilidade de um bloco central de gestores e políticos. Agora, que a bomba lhes rebentou nas mãos, é preciso fazer o jogo do costume: atirar as culpas para o lado de lá e no meio ainda apanhar alguns inimigos internos da maioria.

 

O governo diz que está fulo com os bancos. Quer renegociar e, quem sabe, levar as coisas à justiça. Não pagar a parte especulativa de um negócio que só pode resultar da cumplicidade que sempre existiu, e continua a existir, entre o sector financeiro e a política (quantos ex-ministros estão em administrações de bancos?), não lhes passará pela cabeça.

 

Ainda assim, há uma evolução: os bancos que lucraram com esta desgraça já não são apenas os nossos credores, com os quais temos de cumprir os nossos compromissos, que assinámos de livre vontade. Já não ouvimos o discursomoralista, as comparações com a economia doméstica das famílias, a ética do bom pagador submisso que fez asneira e tem de pagar por ela. Já não nos dizem que se tivesse corrido bem estaríamos a lucrar e como correu mal temos de pagar. Já não se põem no lugar do homem honrado que cumpre o que assina.

 

Afinal, a relação dos Estados, dirigidos por gente sem coluna vertebral e à espera de boas carreiras no privado, com a finança tem mesmo sido a de um jogo em que há um lado que ganha sempre e outro que se lixa: o contribuinte. Afinal, os que desconfiam que alguns "compromissos" que os Estados firmaram com os credores não são mais do que uma forma extorsão não são "caloteiros" e "irresponsáveis".

 

Curioso ver como a cândida fé nos mercados e na banca se evaporou no segundo em que o governo percebeu que uma bomba lhe rebentaria nas mãos e ela não poderia, de forma fácil, ser vendida como responsabilidade exclusiva da outra parte do bloco central. Claro que o governo está a tentar vender a mesma história de sempre. Mas, azar dos azares, entre os que assinaram estes negócios ruinosos para as nossas empresas públicas, que sugaram mais dinheiro do que aquele que os insuportáveis aumentos nas tarifas dos transportes públicos, estava gente deste governo.

 

Exposto o bloco central, resta a retórica indignada contra a banca. Que suspeito que acabará em nada. Mas talvez faça escola. Talvez finalmente se perceba que o jogo está viciado. E que em jogos viciados não se aplicam as regras que funcionam entre cavalheiros. Talvez seja altura de, percebendo que é assim que as coisas agora funcionam, abandonarmos os velhos discursos da ética do devedor. E mandarmos o jogo abaixo. Ou eles, ou nós, assim deveria pensar quem nos representa. Governos que se batessem pelos interesses dos cidadãos até às últimas consequências. Usando todo o poder que têm e que ainda é, se quiserem, algum.

 

Estes swaps não são um escândalo, uma anormalidade, um abuso. São tão escandalosos comi a impossibilidade do BCE financiar diretamente os Estados que o sustentam para que estes sejam obrigados a se entregar à especulação com as dividas soberanas, engordando os bancos, que compram a dívida dos Estados para os BCE lhes comprar a eles. São tão anormais  como as agências de notação que, com interesses diretos nesta especulação, brincam ao sobe e desce dosratings em momentos convenientes. São tão abusivos como a nacionalização dos prejuízos dos bancos a quem o jogo, mesmo quando está viciado, corre mal.

 

Os swaps são a normalidade no casino em que se tornou o capitalismo financeiro. Uma normalidade que foi aceite por aqueles que ocupam lugares que deveriam servir para defender os nossos interesses. Por isso, não se façam, por favor, de virgens escandalizadas e de pregadores de bons costumes. Afinal de contas, são clientes habituais deste bordel. Seus acérrimos defensores. Para não dizer que são seus funcionários.

 

Publicado no Expresso Online

A fraude da austeridade

Sérgio Lavos, 28.04.13









Stephen Colbert convidou para o seu programa o estudante de economia que pôs a nu uma das maiores fraudes académicas recentes, o trabalho dos economistas de Harvard, Rogoff e Reinhardt, usado desde 2010 como justificação para a austeridade, e que continha erros crassos de Excel e manipulações grosseiras de dados. A ler também este artigo do El País:

"Cuando la deuda de un país supera el 90% del PIB, el crecimiento de la economía es inviable. El aserto, nacido de dos cerebros de Harvard y sobre el que se asientan las políticas de austeridad que están a punto de dinamitar los pilares del Estado de bienestar en medio mundo, ha resultado tan falaz como las armas de destrucción masiva que sirvieron para justificar la invasión de Irak.

“Es exagerado hacer la comparación, pero acepto la analogía porque es cierto que se están adoptando políticas a partir de premisas que son falsas”. Quien habla es Thomas Herndon, el estudiante de 28 años que, en su camino para sacarse un doctorado en Economía en la Universidad de Massachusetts, ha desenmascarado la mentira macroeconómica más significativa de los últimos años, y sobre la que EE UU y Europa se han apoyado en su campaña por la austeridad fiscal y el recorte drástico del gasto. (...)"

Cavaco Silva, traidor do partido a que pertence e do país a que preside

Sérgio Lavos, 27.04.13

Este texto de Paulo Gaião mostra quem é Cavaco Silva, alguém que apenas poderá ser comparado, em carácter e no modo de actuar, a Miguel de Vasconcellos, o traidor defenestrado na revolução de 1640:

 

"Cavaco Silva fez a vida negra aos governos da AD de Pinto Balsemão em 1981 e 1982,  um ano antes da assinatura de mais um pacote de ajuda do FMI a Portugal (o primeiro tinha sido em 1978).

 

Os executivos Balsemão tinham uma maioria no Parlamento mas Cavaco não se importou com isso. 


Conspirou, escreveu cartas abertas, fez reuniões secretas no Banco de Portugal, na sua vivenda algarvia Mariani (de Maria e Anibal). Até em traineiras de pesca com sardinhada ao almoço conspirou.

 

Destruiu mas nunca apresentou alternativas. Na hora da verdade, não apresentava listas nos órgãos nacionais do PSD.

Contribuiu fortemente para a instabilidade política, que levou os governos Balsemão à queda, e nesta medida, é também responsável pela degradação na altura das condições económicas do país e pelo recurso inevitável ao FMI para se evitar a bancarrota.  

 

Em Fevereiro de 1983, com o PSD em fanicos e o país aflito, a três meses de ser resgatado, Cavaco nem se dignou ir ao Congresso laranja de Montechoro. Preferiu ficar no bem-bom da Mariani, a 200 metros da assembleia magna do PSD.

Nem quis participar na campanha para as eleições de 25 de Abril de 1983.


Durante o governo do Bloco Central, entre 1983 e 1985, Cavaco recusou negociar enquanto quadro do Banco de Portugal com as equipas do FMI que estiveram no país.


Quando Mota Pinto lhe pediu para expor, num Conselho Nacional do PSD,  a politica económica do governo, primeiro não quis e depois acabou por fazer um discurso muito crítico para a política do governo, que fez tremer o executivo e ameaçou o  cumprimento do programa de assistência internacional.     

 

De vez em quando Cavaco dava apoio mitigado à direcção do PSD, fazendo jogo duplo com Mota Pinto e o governo do Bloco Central. Tinha o único objectivo de se manter à tona, à espera do melhor momento para aparecer, após os outros terem feito o trabalho difícil da recuperação do país.

 

Em 1985 chegou essa hora. Venceu o Congresso da Figueira da Foz e rompeu o acordo do Bloco Central, o que conduziu à realização de eleições antecipadas que já sabia que ia ganhar, esmagando o PS com a ajuda de Ramalho Eanes e do seu novo PRD.

 

É este homem, hoje Presidente da República, que fala no 25 de Abril na necessidade imperiosa de acabar com a crispação política,  gerando consensos e "condições estruturais de governabilidade" para evitar um segundo pacote de resgate e critica quem explora "politicamente a ansiedade e a inquietação dos nossos concidadãos"... "

Os falhanços do capitalismo

Sérgio Lavos, 27.04.13

 

O que acha a direita neoliberal dos investimentos de risco feitos pelos administradores das empresas públicas? Acha bem, acha muito bem. Por isso, tem-se mantido mais ou menos silenciosa desde que voltaram aos media as notícias sobre este tipo de investimentos, os chamados "swap".

 

É claro que a direita neoliberal prefiriria que as empresas públicas que investiram em produtos financeiros que podem custar ao povo português até 3000 milhoes de euros fossem privatizadas. Desse modo, os gestores poderiam perfeitamente aumentar os preços dos bilhetes - estamos a falar de empresas de transporte -, reduzir carreiras, piorar o serviço prestado ao público, receber indemnizações compensatórias do Estado e chegar ao fim do ano com lucro, de maneira a que os accionistas pudessem receber a sua parte. 

 

Mas recordemos: os 3000 milhões que poderemos pagar, resultado das operações financeiras de risco ensaiadas pelos gestores nomeados pelo Estado, não irão ser imputados a ninguém. Bem pode o Governo demitir secretários de Estado, que o fundamento do problema nunca irá ser resolvido. Quem investiu nestes produtos de risco sabia o que poderia correr mal. Se não sabia, era incompetente, e tem de pagar por isso. Se sabia, e mesmo assim decidiu arriscar o dinheiro dos contribuintes nesse investimento, tem de ser investigado criminalmente por essa decisão. 

 

As empresas públicas não são, não podem ser, uma coutada dos seus gestores. Se uma empresa privada decide investir em produtos tóxicos e perde dinheiro, quem perde é a empresa, e a responsabilidade é exclusiva dos gestores que tomam a decisão. As perdas são dos accionistas. Mas uma empresa pública não pode ser gerida como uma privada. Uma empresa pública deve servir em primeiro lugar o público - uma empresa de transportes tem de prestar um serviço que cubra as necessidades das pessoas, independentemente dos lucros ou da viabilidade financeira das carreiras e dos serviços. É claro que um bom gestor precisa de manter o equilíbrio entre este serviço público e o financiamento. Mas a prioridade deverá ser sempre as necessidades da população, que é quem paga esse serviço, via impostos. Quando um gestor, nomeado pelo estado, decide pegar no dinheiro dos nossos impostos e fazer investimentos que têm uma grande probabilidade de fracasso, está a agir com dolo.  O principal objectivo de uma empresa pública não é, não pode ser, obter lucro, mas servir a população.

 

O problema é que os sectores da economia que nunca deveriam ser objecto da especulação e das mesmas regras das empresas privadas começaram a ser, há muitos anos, ou privatizados - por isso pagamos agora pelos combustíveis muito mais do que antes da privatização da Galp e da Petrogal - ou geridos como se fossem uma empresa privada, seja através de concessões, de parcerias público-privadas ou de gestão empresarial das empresas públicas. Não devemos negar que em alguns casos a fórmula resulta - quem recorre a hospitais do sector empresarial do Estado sabe que o funcionamento é bastante mais racional e eficiente do que antes. Mas em nenhum caso deveria ser permitido que estas empresas públicas ultrapassassem o âmbito da sua existência, isto é, servir o público. A especulação financeira sai claramente deste âmbito. Não resultará nada de novo e importante se este Governo, a par com a investigação em curso sobre investimentos passados, não proibir definitivamente as administrações destas empresas de jogarem na bolsa e actuarem como meros actores privados. Estará isso a ser feito?Sinceramente, duvido. O interesse público é, quase sempre, o oposto do interesse privado. E este Governo não sabe, até prova em contrário, distinguir os dois. E favorece sempre, mas sempre, o interesse privado. Foi para isso que eles se alçaram ao poder, ninguém poderá ter dúvidas.

O Estado a que chegámos

Sérgio Lavos, 26.04.13

 

Pacheco Pereira, na Quadratura do Círculo, referiu um episódio que passou despercebido a quase toda a gente: Álvaro Santos Pereira, numa entrevista dada a seguir ao anúncio do programa de revitalização da economia, diz que quando um seu secretário de Estado saiu, houve gente que abriu garrafas de champanhe. 

 

A quem estava ele a referir-se? A Henrique Gomes, o homem que ousou enfrentar os lobbies da energia em Portugal e que pretendia fazer baixar as rendas excessivas da EDP. Extraordinário país, este, em que um ministro admite em público que um dos seus secretários de Estado foi demitido por tentar defender o Estado (que somos todos nós) dos interesses privados que o parasitam. E por quem foi ele demitido? Pelo primeiro-ministro, claro. A história é simples, e contada pelo próprio Henrique Gomes: duas horas após ter sido entregue ao primeiro-ministro o relatório onde se defendia uma taxa sobre as rendas da EDP, já António Mexia, um dos homens mais poderosos do país, conhecia o seu conteúdo. Henrique Gomes tinha o apoio do seu superior directo, o ministro, mas deparou-se rapidamente com as dificuldades inerentes ao estado corporativo em que vivemos. Passos Coelho (ou alguém por ele), assim que vislumbrou algo que de facto poderia fazer poupar muito dinheiro ao Estado, apressou-se a contactar quem na realidade ele serve, o poder económico e financeiro. É claro que Mexia não poderia tolerar tal afronta, e rapidamente o secretário de estado foi exonerado, e apresentada uma pífia razão para o seu afastamento.

 

Numa democracia avançada, este caso por si só seria razão para a queda do Governo. Imaginemos por exemplo o escândalo que não seria Obama afastar um membro da sua equipa por influência de um dos poderosíssimos lobbies de Washington. Pois. Mas não vivemos. Este é o pais que, de ano para ano, vai caindo mais no ranking internacional sobre a percepção da corrupção. Este é o país em que a direita sobe ao poder no meio de uma gravíssima crise de sobreendividamento e consegue ir buscar 21 000 milhões de euros à classe média e aos mais desfavorecidos, deixando os intocáveis e inimputáveis do país continuarem a prosperar e a fazer os seus negócios. Esta direita que nos governa é a direita do BPN, e é a direita que privatiza a EDP colocando no conselho de administração vários dos seus homens de mão - Catroga, Arnaut, etc. É a direita que renegoceia as parcerias público-privadas aumentando os encargos do Estado - o que antes era responsabilidade das concessionárias, a manutenção das vias rodoviárias, passou a ser obrigação do estado, em troca de míseras poupanças. É a direita que nunca irá tocar nas rendas energéticas que beneficiam a EDP e outras empresas privadas, porque os seus aliados naturais são a banca e as corporações que vampirizam o país.

 

Poderemos continuar a empobrecer e a regredir, que continuaremos a ter dos combustíveis mais caros do mundo, assim como a electricidade, a água, o gás e as telecomunicações a preços incomportáveis para o nosso nível de rendimentos. Bem pode a troika, pela voz de Abebe Selassie, surpreender-se por não baixarem os preços nestes serviços: isso não irá acontecer porque não existe verdadeira concorrência nestes sectores da economia, o capitalismo em Portugal é uma brincadeira - as leis do mercado, na realidade, não funcionam. Estas corporações são e serão protegidas enquanto esta direita se mantiver no poder. Haveremos de estar a pão e água, que a EDP, a Galp, as empresas de telecomunicações e os bancos continuarão a manter as suas rendas, benesses e lucros intocados. Nada é mais certo do que isto, custe o que nos custar.

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