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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Nóvoa

Daniel Oliveira, 31.05.13

 

 

António da Nóvoa, ontem na Aula Magna. De longe a melhor intervenção. Amanhã, escreverei no Expresso sobre este encontro. Para dizer bem e criticar. Um dia histórico que, ao contrário do reitor da Universidade de Lisboa, nem todos souberam aproveitar para alimentar a unidade dos que sabem que a demissão deste governo é uma urgência nacional.

Da decência

Bruno Sena Martins, 31.05.13

Por Pacheco Pereira

 

"MENSAGEM ENVIADA AO ENCONTRO DA AULA MAGNA
Caro Presidente Mário Soares,

Não podendo estar presente nesta iniciativa, apoio o seu objectivo de contribuir para  combater a “inevitabilidade” do empobrecimento em que nos querem colocar, matando a política e as suas escolhas, sem as quais não há democracia. Gostaria no entanto de, por seu intermédio, expressar com mais detalhe a minha posição.


A ideia de que para alguém do PSD, para um social-democrata, lhe caem os parentes na lama por estar aqui, só tem sentido para quem esqueceu, contrariando o que sempre explicitamente, insisto,  explicitamente, Sá Carneiro disse: que os sociais democratas em Portugal não são a “direita”. E esqueceu também o que ele sempre repetiu: de que acima do partido e das suas circunstancias, está Portugal.

Não. Os parentes caem na lama é por outras coisas, é por outras companhias, é por outras cumplicidades, é por se renegar o sentido programático, constitutivo de um partido que tem a dignidade humana, o valor do trabalho e a justiça social inscritos na sua génese, a partir de fontes como a doutrina social da Igreja, a tradição reformista da social-democracia europeia e o liberalismo político de homens como Herculano e Garrett. Os que o esquecem, esses é que são as más companhias que arrastam os parentes para a lama da vergonha e da injustiça.

Não me preocupam muito as classificações de direita ou de esquerda, nem sequer os problemas internos de “unidade” que a esquerda possa ter. Não é por isso que apoio esta iniciativa. O acantonamento de grupos, facções ou partidos, debaixo desta ou daquela velha bandeira, não contribui por si só para nos ajudar a sair desta situação. Há gente num e noutro espectro político, preocupada com as mesmas coisas, indignada pelas mesmas injustiças, incomodada pelas desigualdades de sacrifícios, com a mesma cidadania activa e o mesmo sentido de decência que é o que mais falta nos dias de hoje.

A política, a política em nome da cidadania, do bom governo, e da melhoria social, é que é decisiva. O que está a acontecer em Portugal é a conjugação da herança de uma  governação desleixada e aventureira, arrogante e despesista, que nos conduziu às portas da bancarrota, com a exploração dos efeitos dessa política para implementar um programa de engenharia cultural, social e política, que faz dos portugueses ratos de laboratório de meia dúzia de ideias feitas que passam por ser ideologia. Tudo isto associado a um desprezo por Portugal e pelos portugueses de carne e osso, que existem e que não encaixam nos paradigmas de “modernidade” lampeira, feita de muita ignorância e incompetência a que acresce um sentimento de impunidade feito de carreiras políticas intra-partidárias, conhecendo todos os favores, trocas, submissões, conspirações e intrigas de que se faz uma carreira profissionalizada num partido político em que tudo se combina e em que tudo assenta no poder interno e no controlo do aparelho partidário.

Durante dois anos, o actual governo usou a oportunidade do memorando para ajustar contas com o passado,  como se, desde que acabou o ouro do Brasil, a pátria estivesse à espera dos seus novos salvadores que, em nome do "ajustamento" do défice e da dívida, iriam punir os portugueses pelos seus maus hábitos de terem direitos, salários, empregos, pensões e, acima de tudo, de terem melhorado a sua condição de vida nos últimos anos, à custa do seu trabalho e do seu esforço. O "ajustamento" é apenas o empobrecimento, feito na desigualdade, atingindo somente "os de baixo", poupando a elite político-financeira,  atirando milhares para o desemprego entendido como um dano colateral não só inevitável como bem vindo para corrigir o mercado de trabalho, "flexibilizar” a mão de obra, baixar os salários. Para um social-democrata poucas coisas mais ofensivas existem do que esta desvalorização da dignidade do trabalho, tratado como uma culpa e um custo não como uma condição, um direito e um valor.

Vieram para punir os portugueses por aquilo que consideram ser o mau hábito de viver "acima das suas posses", numa arrogância política que agravou consideravelmente a crise que tinham herdado e que deu cabo da vida de centenas de milhares de pessoas, que estão, em 2013, muitas a meio da sua vida, outras no fim, outras no princípio, sem presente e sem futuro.

Para o conseguir desenvolveram um discurso de divisão dos portugueses que é um verdadeiro discurso de guerra civil, inaceitável em democracia, cujos efeitos de envenenamento das relações entre os portugueses permanecerão muito para além desta fátua experiência governativa. Numa altura em que o empobrecimento favorece a inveja e o isolamento social, em que muitos portugueses tem vergonha da vida que estão a ter, em que a perda de sentido colectivo e patriótico leva ao salve-se quem puder, em que se colocam novos contra velhos, empregados contra desempregados, trabalhadores do sector privado contra os funcionários públicos, contribuintes da segurança social contra os reformados e pensionistas, pobres contra remediados, .permitir esta divisão é um crime contra Portugal como comunidade, para a nossa Pátria. Este discurso deixará marcas profundas e estragos que demorarão muito tempo a recompor.

O sentido que dou à minha participação neste encontro é o de apelar à recusa  completa de qualquer complacência com este discurso de guerra civil, agindo sem sectarismos, sem tibiezas e sem meias tintas, para que não se rompa a solidariedade  com os portugueses que sofrem, que estão a perder quase tudo, para que a democracia, tão fragilizada pela nossa perda de soberania e pela ruptura entre governantes e governados, não corra riscos maiores.

Precisamos de ajudar a restaurar na vida pública, um sentido de decência que nos una e mobilize. Na verdade, não é preciso ir muito longe na escolha de termos, nem complicar os programas, nem intenções. Os portugueses sabem muito bem o que isso significa. A decência basta."

Pintam-se as fachadas

Daniel Oliveira, 31.05.13

Vítor Gaspar dava uma conferência de imprensa ao lado do presidente do Eurogrupo. O sinal do espírito provinciano nacional já fora dado nas respostas aos jornalistas estrangeiros, todas em inglês. Não me lembro de alguma vez ter ouvido Angela Merkel, François Holande, Mariano Rajoy ou David Cameron falarem, numa conferência de imprensa no seu próprio país, noutra língua que não fossem as suas. O português gosta de mostrar que até fala línguas. Sem sotaque.

 

Mas o momento mais revelador da cultura da aparência foi dada por Gaspar, depois de uma pergunta feita (em português), por um jornalista da SIC, ao ministro Jeroen Dijsselbloem. Queria saber se o governo tinha realmente pedido para se discutir o ajustamento do défice e qual a sua opinião sobre os desentendimentos no governo. Gaspar mostrou-se agastado:"Não consigo deixar de registar a deselegância de fazer a pergunta a um político estrangeiro na presença do representante do governo português mandatado para conduzir essas negociações".

 

Esqueçamos a falta de espírito democrático do ministro, que o leva a achar que os jornalistas têm a obrigação de tomar as suas garantias como verdadeiras. Parece-me que o embaraço de Gaspar resultou de outra coisa: que um ministro estrangeiro saísse daquela conferência de imprensa com a sensação de que Gaspar, tal como ele, era um político sujeito à contestação e à desconfiança. Que o País exibisse as suas mazelas políticas, naturais num período de crise, ao senhor da Europa. Essas coisas tratam-se em família.

 

Na mesma semana, a Câmara Municipal de Elvas ordenou que os moradores do centro pintassem as suas fachadas. Se não o fizessem, pagariam uma coima, a autarquia faria por elas e depois apresentaria a factura. A cidade vai receber as comemorações do 10 de Junho, o Presidente vem de Lisboa e, por isso, deve-se esconder, à força, o desarrumo dentro de casa.

 

Em muitas famílias portuguesas, há quem só use a sala, quase por estrear, para receber visitas. E faça a sua vida quotidiana na cozinha. Esta cultura da aparência, do anfitrião que nunca se desmancha, leva os estrangeiros a ter por nós uma sincera simpatia. Porque nunca os incomodamos com os nossos problemas, com a nossa pobreza, com as nossas exigências. É a simpatia que se tem pelos criados, discretos e felizes por servir. Falta aos portugueses alguma deselegância. Falta-lhes as enormes janelas das casas holandesas, que exibem a todos as grandezas e as misérias das famílias.

 

Se mostrássemos aos outros a nossa indignação pela forma como realmente vivemos, e não como aparentamos viver, deixaríamos de ser vistos, como disse um dos representantes da troika, como um "povo bom". Deixaríamos de pintar só as fachadas e receberíamos na cozinha desarrumada. Assim, talvez obrigássemos os outros a saber dos sacrifícios que nos estão a impor. Portugal deixaria de ser vendido na Europa, com a ajuda do nosso governo, como um exemplo de sucesso da austeridade.

 

O nosso problema continua a ser a pobreza escondida. A que leva Ricardo Salgado a dizer que os portugueses preferem receber o subsídio de desemprego a trabalhar. Estrangeiro que é no seu próprio País, não pode saber que os portugueses estão, na realidade, dispostos a trabalhar por quase nada.

Num ditado que resume uma Nação, diz-se que "enquanto o pau vai e volta folgam as costas". Sofre-se em silêncio, porque pobreza é vergonha, não é revolta. Pintam-se as fachadas para que o ministro holandês acredite que por cá tudo continua e continuará, como sempre, sereno.

 

Publicado no Expresso Online

O Governo mais despesista de sempre é este

Sérgio Lavos, 30.05.13

Dívida pública que poderá chegar aos 132% no final do ano. Défice a subir dos 4,4% em 2011 para os 6,4% em 2012 e atingindo os 8% no primeiro trimestre de 2013, fazendo com que o objectivo do ano - 5,5% - seja absolutamente risível. Não tenhamos dúvidas - é este o Governo mais despesista de sempre, o que está a tornar o pagamento da dívida realmente impossível. Em menos de um ano, teremos uma "reestruturação cipriota". Ah, que bonito ajustamento!

Pobreza não paga a dívida

Daniel Oliveira, 30.05.13



A austeridade não resolve, antes agrava o problema do endividamento. Depois de sucessivos cortes e confiscos, retrocessos sociais, alienação de recursos, o que temos é uma dívida em permanente crescimento com juros sempre a somar. É urgente renegociar a dívida pública. O presente e o futuro do nosso país estão a ser postos em causa em nome de uma dívida, cujo pagamento envolve custos ética e socialmente inaceitáveis. É responsabilidade do Estado e dos cidadãos tomar todas as medidas necessárias para libertar o país e a sociedade desta grave situação de espiral recessiva em que Portugal mergulhou, provocada pela austeridade e o sufocante serviço da dívida.

 

A renegociação da dívida pública, se necessário acompanhada de uma moratória ao seu serviço, é hoje reconhecida por diversos quadrantes na sociedade portuguesa como uma necessidade inadiável. O Estado Português tem de assumir as suas responsabilidades e abrir um processo de renegociação com todos os credores, incluindo a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu. A renegociação, a ser desencadeada pelo Estado Português, deve ser entendida como uma afirmação de vontade e de soberania democráticas e ditada pela defesa do interesse nacional. A sociedade portuguesa deve mobilizar-se para este processo.

 

Nesse sentido, os cidadãos abaixo assinados instam a Assembleia da República a:

  • pronunciar-se a favor da abertura urgente de um processo de renegociação da dívida pública que envolva todos os credores privados e oficiais;
  • promover, no âmbito das suas competências próprias, a criação de uma entidade para auditar a dívida pública e preparar e acompanhar o seu processo de renegociação;
  • garantir que essa entidade, quer pela sua composição, quer pelo seu funcionamento, assegura isenção de procedimentos, rigor e competência técnicas, participação cidadã qualificada e condições de exercício do direito à informação de todos os cidadãos e cidadãs.

 

Pode descarregar a Petição para recolha de assinaturas em papel aqui. Assinar online aqui.

Um bonito ajustamento

Sérgio Lavos, 30.05.13

O Governo, pela voz do arrivista ignorante Pedro Passos Coelho e do alucinado Álvaro, não se cansa de falar em reformas estruturais para recuperar a década sem crescimento e o país reentrar no caminho da competitividade e do crescimento. Essas "reformas estruturais" não passam de um eufemismo - mais um - para reduzir direitos aos trabalhadores e colocar empresas públicas lucrativas nas mãos de privados. E assim tem sido feito: as indemnizações por despedimento foram bastante reduzidas, o código do trabalho alterado para permitir maior facilidade nos despedimentos, a duração e o valor do subsídio de desemprego foram baixados até nos aproximarmos das economias de leste, quatro feriados nacionais foram cortados, reduzindo assim o valor do trabalho por hora. E claro, as privatizações estão a avançar (mesmo que o ritmo não seja muito acelerado). Resultado? O PIB começou a cair perigosamente, o desemprego a aumentar vertiginosamente e a dívida pública aproxima-se de níveis nipónicos (o paper dos guros de Gaspar, Rogoff e Reinhardt, aponta para a insustentabilidade da dívida pública que ultrapasse os 90%). Ah, mas pelo menos as reformas estruturais estão a impulsionar uma maior competitividade do país, certo? Errado. Portugal caiu cinco posições no ranking da competitividade, estando agora em 46.º entre 60 países, na zona Euro apenas à frente da Grécia. Curiosas são as razões para esta queda, todas consequência directa das ditas reformas estruturais. Segundo o instituto que elaborou este ranking as seis principais razões para a pouca competitividade são: a inexistência de crescimento económico; a fraca resiliência económica; a elevada taxa de desemprego, sobretudo entre os jovens; os encargos fiscais; a elevada dívida pública; e a coesão social. O Governo está de parabéns. As suas políticas conseguiram-nos tornar, em apenas dois anos, um país ainda menos atractivo para o investimento. Este está a ser, sem qualquer dúvida, um bonito ajustamento.

Paulo Portas tem razão

Daniel Oliveira, 30.05.13

 

Quando o Afeganistão foi invadido pela então União Soviética os Estados Unidos, seguindo a velha máxima de que os inimigos dos nossos inimigos são nossos amigos, armaram os mujahedin. Entre esses "freedom fighters" estavam rapazes tão pouco recomendáveis como Osama Bin Laden. Umas décadas mais tarde a rede que os EUA alimentaram com armamento e apoio financeiro iria ser a base para a criação da Al-Qaeda, que foi responsável pelo maior ataque de sempre ao território Norte Americano.

 

Durante a invasão do Iraque os EUA decidiram, para diminuir a pressão de grupos apoiados pela Al-Qaeda, armar milícias sunitas. O resultado foi o que se esperava: as armas americanas acabaram por ser usadas contra os americanos.

 

É uma lógica suicida que vem de longe e tem continuado. Os EUA armaram o Irão para financiar a guerrilha nicaraguenseno mesmo momento que Irão os desafiava. Armaram o Iraque para atacar o Irão e acabaram a invadir o Iraque. Armaram os guerrilheiros afegãos contra os russos e assim ajudaram a organizar a maior rede terrorista que até hoje conhecemos. Armaram a oposição aos talibã e criaram os grupos que lhes fizeram a vida negra quando lá chegaram. Armaram o mundo inteiro para se defenderem do mundo inteiro.

 

Mas, na realidade, os EUA são aprendizes neste xadrez irresponsável. Quando toca ao Médio Oriente, britânicos e franceses, apesar de saberem bem mais da poda, são os piores conselheiros para a Europa. Desta vez, os dois países europeus com mais interesses estratégicos, políticos e económicos na região convenceram a União Europeia a um levantamento parcial do embargo de venda de armas à Síria. Mas só para a oposição, representada pelo Conselho Nacional Sírio. Para travar a tragédia, nada como alimentar um dos lados. Esta suspensão do embargo, que permite que cada país faça o que entender, acontece no mesmo momento em que os EUA e a Rússia preparam uma conferência de paz.

 

Conheço a Síria. De todos os países árabes onde fui, é seguramente o que tem o regime mais autocrático. E a competição é feroz. A dinastia Al-Assad governa os sírios com mão de ferro há mais de 40 anos. E por ali não há contemplações com qualquer tipo de oposição, seja laica ou religiosa. Não fiquei, por isso, espantado com a violência do regime nesta guerra civil.

 

A única vantagem política da Síria era mesmo a laicidade do Estado e a relativa tolerância religiosa em que viveu nos últimos anos. Passear em Damasco e Alepo era, há uns anos, uma fascinante visita a um mosaico cultural. Arménios, ortodoxos gregos, maronitas, católicos latinos, drusos, xiitas, alauítas e sunitas (para além de curdos e turcos, nas zonas de fronteira) viviam paredes meias sem conflitos de maior. Mas essa laicidade foi conseguida com mão de ferro e uma violação permanente dos direitos humanos, que manteve nas mãos de uma pequeníssima minoria alauíta (menos de um décimo da população, que os franceses sempre promoveram para travar o nacionalismo sunita) o poder económico, político e militar.

 

A Síria é um país fundamental no Médio Oriente. Entalada entre o Iraque e Israel, a Turquia e a Jordânia, com relações próximas com o Irão e um poder determinante na vida do Líbano e da Palestina, qualquer mudança de regime terá efeitos em toda a região. Quem controlar a Síria controla uma parte do conflito israelo-palestiniano, a política interna do Líbano, parte do conflito curdo com a Turquia e tem uma porta aberta para o Irão. Por isso, toda a cautela é pouca. E todo o cuidado com a possibilidade de radicais religiosos tomarem o poder é fundamental. Se tal acontecesse, os efeitos seriam devastadores, não apenas para a Síria mas para todo o Médio Oriente.

 

A União Europeia garante que estas armas serão destinadas à defesa de civis e que os seus destinatários serão controlados. Se não fosse tão absurda, diria que esta garantia resultava de alguma ingenuidade. Como raio se controla, no meio de uma guerra civil, quem fica com as armas que lá chegam? Estamos apenas perante a ilusão inglesa e francesa de que ainda têm a capacidade de controlar o que se passa naquela parte do globo.

 

Fica o aviso: Bin Laden e Saddam foram pera doce ao pé do que seria uma Síria dominada por fundamentalistas religiosos. Sim, era excelente para os sírios que o sanguinário Bashar al-Assad caísse. Mas, perante algumas das alternativas que ali estão a crescer, sírios, libaneses, turcos, palestinianos, israelitas e europeus ainda podem vir a ter saudades da tirania de al-Assad.

 

Resta-me por isso deixar um elogio ao governo português e ao seu ministro dos Negócios Estrangeiros, que se opôs a este disparate, que até os EUA têm evitado. Porque, como disse Paulo Portas, as armas podem acabar nas mãos de radicais e "é politicamente desajeitado que os europeus, quando está em preparação uma conferência de paz na Síria, em vez de se empenharem em ter um papel central na conferência, optem por relaxar um embargo de armamento".

 

Mais uma vez, a Europa foi incapaz de ter uma posição conjunta sobre a sua política externa. Não há, ao contrário do que diz Paulo Portas, uma "renacionalização" deste tipo de decisões. Já foi assim no Iraque (com o contributo do mesmo Portas), no Afeganistão e nos Balcãs. No último caso, a posição voluntarista e oportunista da Alemanha, ao reconhecer, antes de tempo, a independência da Croácia, foi determinante para a guerra mais sangrenta a que a Europa assistiu depois de 1945. A União Europeia, a quem foi dado, ninguém sabe bem porquê, um Prémio Nobel da Paz, nunca teve uma política externa comum pela mesma razão que não consegue vencer a sua crise interna: vale sempre a lei do mais forte. A União existe para todos e deixa de existir quando a França, o Reino Unido ou a Alemanha decidem que não lhes interessa. Se lhes interessa ter a sua própria política (externa, económica ou outra), cada um faz o que quer.

 

Publicado no Expresso Online

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