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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Os portugueses

Daniel Oliveira, 18.11.10
Nada há de mais cansativo do que as conversas existenciais sobre os portugueses. Eles são tristes. Pessimistas. Obedientes. Invejosos. Mesquinhos. É curioso que a coisa raramente bate certo com a ideia que os portugueses têm do seu passado. Que foram corajosos. Ambiciosos. Tolerantes. Generosos. E a propósito desta incongruência construiu-se uma narrativa que se entranhou nos nossos espíritos: a de um Império perdido que espera, acabrunhado nos seus brandos costumes, pelo regresso de um Sebastião que lhe devolva essa glória imaginada.

Os portugueses não são nada. São, como todos os povos, temerosos e temerários, tolerantes e preconceituosos, mesquinhos e generosos. E a sua proverbial inveja resulta apenas de uma forma resignada que temos de lidar com a injustiça. Quando se vive num país onde uma pequena elite goza de um conforto desproporcionado para os recursos que temos e a maioria de uma pobreza que o que já temos não justifica, a inveja é apenas a alternativa passiva à revolta. Mas essa revolta já se fez sentir algumas vezes: na I República e no PREC, por exemplo. Dois momentos de dignidade em que os portugueses contrariaram a narrativa que a sua elite foi construindo sobre eles. Dois saltos no escuro que nos fizeram melhores como povo.

Aquilo a que assistimos nos últimos meses tem décadas. Tem séculos. Dia após dia, todos os dias, vendem-nos as histórias de sempre: vivemos acima do que podemos; não merecemos o pouco que temos; somos gastadores e improdutivos; devemos aceitar disciplinadamente todos os sacrifícios; a revolta apenas nos poderá prejudicar.

É por isso que a próxima greve geral é uma urgência. Um momento em que recusamos a estabilidade que nos amesquinha numa mediocridade que não merecemos. Não é apenas um protesto. Não pode ser apenas um grito. Tem de ser um aviso. Não somos o que se diz de nós. Ou até somos. Invejosos perante os privilégios que outros não merecem. Rancorosos por décadas de assalto ao que devia ser de todos. Intolerantes com a injustiça que deixa sempre para os mesmos a fatura de erros que não lhes podem ser atribuídos. Enfim, cidadãos. Fartos de ser os portugueses que queriam que fossemos.

Texto publicado na edição do Expresso de 13 de novembro de 2010

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