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Arrastão: Os suspeitos do costume.

A arrogância do político quando finge que não o é

Daniel Oliveira, 30.12.10

 

 

 

 

Cavaco Silva nunca põe o debate no campo da discordância política. Cada critica é um ataque que resulta de falta de caracter ou de ignorância. Todos, a não ser ele próprio, claro, padecem de um desconhecimento geral e absoluto da forma como "as coisas" funcionam. De como funciona a diplomacia, de como funcionam as instituições, de como funciona a economia, de como funcionam os mercados. Na realidade, as coisas são como são e Cavaco Silva limita-se a fazer uma leitura (sempre sem duvidas e sem enganos) de como as coisas são e a agir em conformidade.

 

Cavaco Silva sempre fez escolhas políticas. E sempre disfarçou essas escolhas com uma suposta neutralidade técnica. Tem sido esse o caminho da Cavaco desde o começo da sua longa carreira política: fingir que é um técnico nas opções políticas que vai fazendo.

 

Talvez um dos casos mais evidentes seja a sua reacção a qualquer crítica à desregulação dos mercados. Nessas críticas Cavaco vê insultos. E inventa uma fábula: transforma os mercados numa espécie de entidade dotada de personalidade própria e imagina que, a essas críticas, os mercados, ofendidos, reagirão com uma birra. Desta novidade na teoria económica resulta a interdição geral em ter posições políticas sobre a actual situação da Europa e da economia internacional. Restaria assim, ao Presidente, ficar calado. E agradecido a quem especula com a nossa dívida, claro.

 

Para além dos estilos diferentes, a grande diferença entre Manuel Alegre e Cavaco Silva, no debate de ontem, foi exactamente esta. Cavaco Silva nunca disse o que realmente pensa sobre coisa alguma. Resumiu tudo ao seu suposto superior conhecimento de tudo o que mexe. E perante o seu génio, nada merece realmente ser discutido. Manuel Alegre fez o que se espera de um candidato em campanha: deixar claras as suas posições políticas, sem pedir cheques em branco a ninguém.

 

Cavaco quer passar a ideia de que um cargo exclusivamente político é, na realidade, um cargo técnico. Como não tem os instrumentos constitucionais para aplicar nenhum dos seus supostos - mas raramente confirmados - méritos técnicos e não diz o que pensa politicamente sobre quase nada esvazia, aos olhos dos portugueses, o cargo do Presidente. Bom para transformar o dia 23 de Janeiro num plebiscito.

 

Na realidade, trata-se de um falso esvaziamento. Como se tem visto nas posições que tem tomado - sem no entanto usar os instrumentos que a Constituição lhe oferece -, quando discorda de uma lei, faz-lhe críticas públicas, fragilizando-a. E aí, toma uma posição política. É legítimo. O que é ilegítima é a ideia que tenta passar de que é politicamente neutro. Não é.

 

O mesmo tipo de dissimulação foi feita por Cavaco Silva, no debate de ontem, em relação a todos os reparos ao seu mandato. Sobre o humilhante caso dos insultos do presidente da República Checa a Portugal e sobre a rocambolesca novela das falsas escutas a Belém não esclareceu coisa nenhuma. Fez o que tem feito sempre: mandou ler o site da Presidência da República onde nada é na realidade esclarecido. Sobre o caso BPN conseguiu a proeza de criticar a actual administração do BPN depois de ter passado meses a defender o seu amigo Dias Loureiro, um dos principais responsáveis por o que aconteceu à SLN. Digamos que quem andou a defender o responsável pela doença tem pouca legitimidade para criticar o médico.

 

Acabados os debates, há pelo menos um ponto em que Cavaco Silva leva o troféu: um dos políticos mais arrogantes que a nossa democracia conheceu. Nesta matéria, talvez só seja mesmo acompanhado por José Sócrates. O que não deixa de ser interessante: com duas pessoas tão iluminadas e autosuficientes à frente dos destinos deste país, porque estamos como estamos?

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