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Arrastão: Os suspeitos do costume.

De Janeiro a Janeiro, pagamos mal o ano inteiro

Pedro Sales, 06.08.11

 

Aparentemente, alguém na Jerónimo Martins pensou que divulgar um plano da empresa para garantir comida e apoio social a 1100 dos seus trabalhadores seria uma boa manobra promocional. Em tempos de crise económica, quem demonstrar as melhores credenciais sociais parte na posição da frente no ranking da boa vontade dos fregueses.

 

Aparentemente, ninguém na Jerónimo Martins parece ter parado para reparar que uma empresa ter nos seus quadros 1100 pessoas que, trabalhando, não conseguem sair da miséria mais absoluta, pagar as despesas de alimentação e saúde diz mais sobre os salários praticados pela mesma do que da incapacidade congénita dos seus trabalhadores (desculpem, queria dizer colaboradores) em gerir o seu dinheiro.

 

Segundo um dos responsáveis por este grupo retalhista, um dos mais lucrativos em Portugal, as 1100 pessoas em causa revelam um “elevado desconhecimento dos mais elementares princípios da gestão de um orçamento doméstico", e, como tal, decidiu tomar em mãos o assunto. Aumentar os salários que, de acordo com o sindicato, se ficam em média por uns indigentes 540 euros na empresa? Nada disso. Ensinar quem pouco mais ganha do que o preço do aluguer de uma pequena casa em Lisboa ou no Porto a saber gerir os seus rendimentos. É preciso topete.

 

Mas não deixa de ser sintomático constatar que nenhum dos vários jornais em que este plano é noticiado faz uma menção - breve que seja - ao valor médio do salário na Jerónimo Martins, nem pergunta a quem de direito como é que se gere sapientemente um orçamento familiar com essa quantia irrisória. Pelo contrário, o director do jornal I, o tal que quer que os seus colunistas escrevam de graça, deu-lhe nota 20. E este é o ponto mais relevante desta história. O clima social criado com a crise, aliado a um condicionamento ideológico, mediático e semântico onde não existem trabalhadores nem despedimentos, conduziu à desvalorização social do trabalho ao ponto em que uma empresa trocar salários dignos pelo racionamento de vales para as despesas de alimentação ou saúde passou não só a ser uma atitude normal, mas passível de ser explorada comercialmente pelo seu departamento de marketing.

 

Todas as crises revelam as suas oportunidades. Os empresários deste cantinho, fartos dos baixos salários que usaram como principal argumento concorrencial, entreviram na persistência da austeridade um momento chave de mudança cultural e social que lhes garante a oportunidade de tornar as suas “práticas sociais” num chamariz comercial. Supostamente, devemos estar todos agradecidos à magnifiência de quem, pagando miseravelmente a quem trabalha mais de 40 horas, num trabalho desgastante e por turnos, ainda instala uma sopa dos pobres dentro de portas.

 

Quando nenhum jornalista faz o seu papel e publica a história como ela vem contada no press release, vemos até que ponto essa mentalidade está enraízada. Mas, verdade seja dita, com o que as empresas de comunicação social hoje pagam aos seus “colaboradores”, não seria de espantar que quem assina a notícia apenas suspirasse por um plano igual na sua redacção.

2 comentários

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    Alexandre Carvalho da Silveira 06.08.2011

    A esquerda tem horror à caridade. Eu chamo-lhe outra coisa: ajudar os que precisam. Infelizmente há muita gente em Portugal a precisar de ajuda, e não é para fazer compras nos centros comerciais. É para poderem comer pelo menos uma refeição decente por dia, ou para comprar remedios, uma vez que a maioria dos mais necessitados são idosos. Não sei como os anti-caridade acham que se podem resolver estes problemas. Invocar aqui os nomes do Salazar e do Marcelo Caetano, parece-me no minimo bizarro. O 25 de Abril foi há 37 anos, (a ditadura durou 48) e a esquerda governou o pais praticamente nos ultimos 16 anos. 
    Quanto aos direitos, estamos de acordo. O problema é como é que se pagam. 
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