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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Eliot Spitzer, aprender com a queda do xerife de Wall Street

Daniel Oliveira, 28.10.11

 

 

"Client 9", de Alex Gibney, que vi ontem no DocLisboa, é um documentário obrigatório para perceber corredores da corrupção moral do poder. Eliot Spitzer foi, durante sete anos, procurador-geral de Nova Iorque. Implacável com os crimes de colarinho branco, processou farmacêuticas ou indústrias poluidoras. Mas foi quando se meteu com os tubarões de Wall Street que marcou o seu destino. Antes de tudo o que sabemos hoje, Spitzer foi atrás das fraudes da AIG e do Bank of America. Tentou acabar com os ordenados e cláusulas de rescisão milionárias do diretor-geral da Bolsa de Nova Iorque, pondo em causa o poder de magnatas de Wall Street, como Kenneth Langone. Ou seja, tentou, com os seus pequenos poderes, pôr ordem na selva financeira. E, tendo em conta o cargo que ocupava, conseguiu vitórias extraordinárias que deixaram Wall Street em pânico. E inimigos poderosos que não disfarçavam a vontade de vingança. Quem se julgava este homem para querer impor a lei a quem paga as campanhas de quem as faz?

 

Com uma enorme popularidade entre os nova-iorquinos, Spitzer chegou a governador do Estado. Em Albany, encontrou um dos mais corruptos corpos legislativos dos EUA. E também aí fez poucas amizades. O seu estilo truculento, a sua pouca habilidade negocial e algum voluntarismo excessivo terão ajudado pouco. Mas com isso sabe o poder instalado lidar. O que não aguenta, o que é intolerável, é um homem que junte à honestidade coragem.

 

Só que Spitzer é um homem. Imperfeito e incoerente, como todos os homens. A sua fraqueza foram as incursões aprostitutas de luxo. O que Spitzer não imaginava, na sua ingenuidade, é que a partir do momento em que pôs em causa homens tão poderosos como o CEO da AIG, Maurice Greenberg, ou o anterior diretor-geral da Bolsa de Nova Iorque, Richard Grasso, levando à demissão dos dois, ou quando tornou público o que andava esta gente a fazer com o dinheiro dos investidores, teria de passar a ser mais do que perfeito. Ele era um alvo à abater. E mais tarde ou mais cedo escorregaria e seria abatido. Era só ter paciência e meios. O que poderia faltar da primeira sobrava da segunda.

 

E é aqui que o documentário se torna interessante. Como a justiça federal ganha um súbito interesse por uma pequena agência de escort e mobiliza meios nunca vistos para uma investigação aparentemente insignificante. Sendo esse interesse impulsionado pelos mesmos homens que, no sistema judicial, sempre tentaram travar as anteriores investigações de Spitzer e que, se tivessem ido mais longe, poderiam ter impedido a crise financeira internacional em que estamos mergulhados. Como foi desenterrada uma qualquer lei que pudesse, de alguma forma, justificar aquela enorme investigação. Como, sem nunca realmente Spitzer ter sido formalmente acusado, tudo foi sendo soprado para a comunicação social. Como os tabloides ligados à direita americana foram usados como instrumento para destruir este atrevido. Como barões da finança e corruptos locais se juntaram para tão edificante tarefa. Para que ele servisse de exemplo para quem alguma vez lhe quisesse seguir os passos.

 

A maioria dos cidadãos, puritanos ou apenas ingénuos que procuram heróis perfeitos em vez de quem, com os seus defeitos e pecados, os represente e lute por eles, achava que só restava Eliot Spitzer a demissão. Muitos deles estão hoje desempregados, sem casa e na miséria. Porque a política e a justiça não fizeram o que este homem tentou começar. Eliot Spitzer foi incoerente? O próprio o afirma e não responsabiliza ninguém, a não ser ele próprio, pela sua queda. Foi a sua desvantagem em relação aos inimigos que ganhou para a vida e que festejaram ruidosamente a sua queda. Com padrões morais inexistentes, é fácil, para eles, manter a sua coerência. E enquanto os que sofrem todas as consequências dos seus atos exigirem a perfeição a homens que apenas tentam ser sérios e corajosos serão os corruptos a decidir os nossos destinos. Se somos implacáveis com os melhores, porque deles esperamos tudo, e benevolentes com o esgoto, porque dele nada esperamos, é com o esgoto que viveremos.

 

Publicado no Expresso Online

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