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Arrastão: Os suspeitos do costume.

O óbvio

Daniel Oliveira, 12.12.11

 

 

"As dívidas dos Estados são, por definição, eternas. As dívidas gerem-se." São eternas porque, ao contrário das pessoas, os Estados não morrem. Nunca nenhum País decidiu ficar com as suas dívidas a zero. A questão é sempre e apenas se pode continuar a pagá-las. Se os juros praticados são suportáveis e o seu crescimento económico permite cobrir os custos da dívida. E por isso são geridas. O que José Sócrates disse, para qualquer pessoa minimamente informada e que esteja de boa-fé nem merece debate. Não é matéria de opinião e ou de confronto ideológico.

 

No entanto, bastou o ex-primeiro-ministro afirmar uma ululante evidência para que se instalasse a indignação do costume. "Esta declaração do engenheiro José Sócrates explica porque é que afinal a bomba lhe rebentou nas mão e ele nos conduziu para a tragédia em que nos encontramos. Se as dividas não são para pagar e se foi isso que ele enteu dos estudos que fez de economia e finanças então está explicado porque ele não se preocupou que Portugal tivesse cada vez mais dívidas e não as pagasse." A frase é do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de José Sócrates, Freitas do Amaral, que teve simpatia pelo antigo regime antes do 25 de Abril, foi democrata depois dele, de direita quando a direita chegou ao poder, apoiante e governante do PS quando o PS ganhou as eleições e é agora entusiasta apoiante de Passos Coelho. Trata-se de um fenómeno que desafia as leis física: como pode alguém sem espinha dorsal manter-se de pé? Neste caso é fácil explicar a falta de honestidade intelectual. Noutros, é bem mais preocupante.

 

É fácil acreditar na ideia de que a nossa situação atual se deve a um homem. Mesmo que tudo nos demonstre o absurdo de tese. Sócrates não conseguiu, apesar de tudo, governar Portugal, a Grécia, a Irlanda, Itália e a Espanha em simultâneo. E mesmo os nossos problemas - dívida externa, desigualdade na distribuição de rendimentos, crescimento cronicamente baixo, desequilíbrio da balança de pagamentos, uma moeda demasiado forte, distorções no mercado de arrendamento, falta de competitividade da nossa produção, erros crassos no nosso modelo de desenvolvimento - não têm seis anos. Só que resumir tudo à dívida pública e a um homem dispensam-nos de qualquer reflexão mais profunda. Há um culpado e a coisa está feita. E tem outra utilidade: sendo a culpa do primeiro-ministro anterior só nos resta aceitar tudo o que seja decidido agora. Afinal de contas, Passos Coelho está apenas a resolver os problemas deixados pelo seu antecessor.

 

Sócrates foi, na minha opinião, logo depois de Cavaco Silva (que desperdiçou uma oportunidade histórica), o pior primeiro-ministro eleito da nossa democracia. Mas nem por isso dispenso a honestidade intelectual e o rigor na análise. Nem por isso aceito a estupidificação coletiva na interpretação de uma frase óbvia. Nem por isso aceito o simplismo político. Nem por isso resumo o debate à demonização de uma só pessoa. Que políticos ressabiados ou gente que se quer pôr em bicos de pés o façam - e não posso deixar de assinalar que Pedro Passos Coelho se recusou a entrar na gritaria e encerrou o assunto com um "acho que ninguém pode discordar" - não me espanta. Já acho mais perturbante que economistas e jornalistas de economia embarquem em tão rasteiro expediente argumentativo. Torna-se difícil dar crédito a qualquer opinião que emitam sobre qualquer outro assunto.

 

Escrevi-o antes das eleições em que o PS foi julgado pela democracia e escrevo-o de novo: se os problemas portugueses e europeus tivessem começado e acabado em José Sócrates bem mais fácil seria a nossa vida. E nem o confronto político desculpa a desonestidade intelectual da indignação que se instalou com a afirmação do óbvio.

 

Publicado no Expresso Online

6 comentários

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    Rui F 12.12.2011

    Desculpa lá Ana

    O Sócrates até geriu a divida, colocando o défice abaixo dos 3%, ANTES DO SUBPRIME, e pela primeira vez na história, acho eu.

    Sócrates foi apenas 1 entre tantos governantes, presidentes de câmaras, etc, que não olham a meios para "criar" obra com base no endividamento.
    Qualquer "obra feita" que tantos se gabam, foi feita com base no endividamento a longo prazo. Toda!
    Nisto Sócrates é igual a todos os outros.

    Quem não tem moral absolutamente nenhum para vir falar, são ex governantes do PSD, especialmente a camarilha do BPN e a teia de amigos políticos à volta.

    Outra que não tem absolutamente moral nenhuma, é a Dra Ferreira Leite que não se cansa de mandar bitaites na oposição, mas quando olhamos para a sua performance governativa, é confrangedora. A espiral de endividamente nunca parou de aumentar com a senhora, além que ter feito privatizações miseráveis.

    Há realmente políticos que não têm vergonha nenhuma na cara, e que se sentem à vontade só pelo facto da bomba não lhes ter rebentado nas mãos.
    O que vale é que a memória não é cura. Pelo menos a minha.
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    Alexandre Carvalho da Silveira 12.12.2011

    O sr Rui F. está enganado em relação à redução do defice nos governos Socrates. O minimo que ele conseguiu foi 3,1% em 2007, e em 2008 ainda sem crise foi de 3,7%.
    Se o sr Rui não pagar as prestações da casa e do carro, nem as contas do supermercado, arrisca-se a chegar ao fim do mes, com metade do ordenado intacto. Foi o que fez o Socrates: aumentou a divida do estado, e tirou do OE as contas e os prejuizos das empresas publicas. Não é preciso ser professor de economia na Universidade do Porto, ou ter MBAs tirados sabe Deus como no ISCTE, para conseguir reduções do defice como a dupla Socrates Teixeira dos Santos fizeram.
    Daniel Oliveira, por onde é que tem andado? As "conversas de criança" do Socrates, são aguas passadas. No entanto, temos que reconhecer  que ele conseguiu atingir o seu objectivo que era por este pobre país tres dias a falar dele  discutindo o obvio. Como já disse aqui noutro comentario, a maquina socretina nos media está intacta e pronta a funcionar em qualquer momento como se viu na semana passada. Até os idiotas uteis do costume apareceram nas tvs e nos jornais a dar-lhe razão. E isso é que nos deve preocupar.
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    Rui F 12.12.2011

    Silveira

    Aldrabices?
    Pois claro. Ainda aquém da performance que a mega aldrabice do Bagão Fellix.
    O que me faz confusão com esta gente toda, são uns aldrabões queixarem-se dos outros aldrabões.

    Quem se mantém imaculadamente intacta é a máquina que protege os aldrabões deste país e ainda lhe dão espaço na comunicação Social; do Sócrates à Ferreira Leite, ao Santana Lopes, etc.
    Ou que dizer da máquina que anda a branquear os crimes do BPN para não chamuscar ainda mais?
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    Pedro Amaral 12.12.2011

    Caro Rui F.


    Se quisermos ser intelectualmente honestos, como correctamente advoga, porque não mencionar nomes como Armando Vara, Jorge Coelho, Mário Soares & Filho (que tanto admira), só para mencionar uns poucos?
    No que a desonestidade diz respeito, acredite que tanto surge á direita como á esquerda. Faz parte da condição humana, infelizmente. Depois é apenas uma luta interna, travada por cada um. Uns ganham-na, outros, nem tentam.


    Quanto á questão Sócrates&Gestão da Dívida, parece-me que o que não conseguiu compreender na reacção das pessoas foi o facto de que o responsável por termos atingido o patamar de dívida externa dos últimos anos, que tem um nome e é José Sócrates, num momento em que o País atravessa momentos particularmente difíceis devido em boa parte ao estado exagerado em que essa dívida nos colocou, venha afirmar essas "evidências" com o desplante que lhe é característico e que ainda consegue mover seguidores.


    Infelizmente não tenho muito dinheiro para emprestar, mas sei a quem nunca emprestaria.
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    Anónimo 14.12.2011

    Para ser intelectualmente honesto há que referir os outros nomes, como Cavaco Silva, Oliveira e Costa, Dias Loureiro, Isaltino Morais, Alberto João e porque não o Paulinho das feiras , ou mesmo o Luis Nobre Guedes, o tal dos sobreiros.

     
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