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Arrastão: Os suspeitos do costume.

Falta o Estado fazer a sua parte, mas a lei das rendas não podia ficar como estava

Daniel Oliveira, 30.12.11

 

A lei das rendas tinha de mudar. Apesar de, ao contrário do que se diz, elas já não estarem congeladas há muito e de, do meu ponto de vista, a tendencial liberalização de preços não ser a melhor solução.

 

O mercado de arrendamento está há muito doente. E, como resultado dessa doença, temos a expulsão dos jovens dos centros da cidade, excesso de endividamento para a compra de casa (com efeitos letais para a nossa economia) e situações de injustiça gritante. O pecado veio de longe. E depois de décadas de congelamento das rendas - uma medida do Estado Novo para garantir salários baixos que a democracia nunca conseguiu resolver - não é fácil mudar as coisas sem riscos sociais graves.

 

O Estado podia ter começado por tomar algumas decisões prévias.

 

A primeira: colocar no mercado de arrendamento milhares de fogos que são propriedade sua, sobretudo na capital, que tivessem um efeito nos preços exorbitantes que são praticados nos novos arrendamentos.

 

A segunda: reabilitar os centros urbanos, o que, para além de ser um excelente instrumento para a dinamização da economia (volto a repetir que o papel do Estado, em tempo de crise, é o oposto do que tem tido), valorizaria os centros das cidades.

 

A terceira: penalizar fortemente, através do IMI, os proprietários de fogos devolutos. Quem não tem capacidade financeira para manter um imóvel em condições para o arrendar ou para o ocupar tem de o vender a quem o pode fazer. Quem faz especulação imobiliária com prejuízo para o resto da sociedade tem de pagar caro por isso. Em várias cidades da Europa e dos EUA os impostos sobre fogos devolutos são de tal forma penalizadores que ninguém se dá ao luxo de ter uma casa vazia. Há cerca de 700 mil fogos devolutos no País. E este é também um factor decisivo na distorção do mercado de arrendamento.

 

A quarta: criar, em grande empreendimentos, uma percentagem de casas a rendas controladas. A solução é conhecida e permite uma regulação moderada por parte do Estado. Por fim, tenho muitas dúvidas se um momento de crise profunda será o melhor para mudar a lei das rendas.

A lei das rendas é complexa e as propostas estão ainda frescas. Por isso, é arriscado dar opiniões definitivas sobre elas. Ficam as ideias gerais, sujeitas a correção futura.

 

Parece-me correto que agilize o despejo quando há incumprimento prolongado (cinco rendas sucessivas ou intervaladas no espaço de um ano parece-me demasiado, tendo em conta os problemas sociais que vivemos), mas que este não seja automático. Sem alguma segurança os senhorios ou não põem fogos no mercado ou só os arrendam a quem dê garantias à cabeça. Resultado: os mais pobres, mesmo que cumpridores, têm dificuldades acrescidas em arrendar. Parece-me inteligente que a indeminização por despejo resulte de uma média entre a proposta do senhorio e do inquilino para a atualização. Isto obriga o primeiro a não fazer uma proposta demasiado alta e o segundo a não fazer uma proposta demasiado baixa. Despejos arbitrários e de borla, como, na prática, queria a Associação dos Proprietários, seriam um convite à arbitrariedade. Deixar tudo entregue a anos de luta jurídica, com demoras que levam um senhorio que cumpra as suas obrigações e não sejam rico à penúria, parece-me um convite à irresponsabilidade. Inquilinos e senhorios são cidadãos.

 

Parece-me acertado que se criem limites à atualização tendo em conta os rendimentos das famílias (10% de taxa de esforço para famílias que recebam até 500 euros, 25% por cento para famílias que recebam entre os 2.000 mil e os 2.500 euros). Só não percebo porque não se definem limites para escalões um pouco acima disto, que dariam, ainda assim, rendas bem decentes.

 

Parece-me justo que estas regras sejam diferentes para inquilinos com mais de 65 anos ou portadores de deficiência. Parece-me errado que obras de fundo resultem numa atualização automática. Fazer obras é uma obrigação do senhorio.

 

Preferia uma solução que passasse pela tabelação de preços - que existe em vários países europeus - e não pela liberalização do mercado. Recordo que temos vários mercados fortemente regulados. O das rendas deveria ser um deles. O que não significa nem pode significar que os senhorios sejam quem garante - com prejuízo seu ou com uma degradação do edificado - um direito que cabe ao Estado garantir. Entre a lei que temos e a liberalização há um mundo de possibilidades que não foram exploradas. Nem a habitação pode ser tratada como um qualquer outro bem e serviço (é um direito), nem os senhorios são o garante do Estado Social. E muito menos, como acontece em várias zonas urbanas mais envelhecidas, podem ser os jovens arrendatários a pagar por todos os inquilinos. Porque o resultado é a opção pela compra. E ela endivida os jovens e o País.

 

Não conhecemos a lei e ainda podemos ter muitas surpresas. Fico à espera dos pormenores para ter uma opinião definitiva. Mas confesso que esperava pior. Ela vai no sentido liberalizador e não encontro soluções por parte do Estado para, nos casos que acabem mal (e muitos, tendo em conta a crise social a que assistimos, vão acabar mal), garantir o direito à habitação. Não houve a coragem para o Estado fazer a sua parte para influenciar o mercado e para garantir o óbvio: que as rendas sejam mais baixas que a prestação que pagamos ao banco quando somos proprietários de uma casa. Mas também não alinho com quem acha que a lei das rendas podia continuar como estava. O preço social que temos pago por ela é demasiado alto para assobiar para o ar.

 

Publicado no Expresso Online

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