Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Arrastão: Os suspeitos do costume.

O que podemos esperar de Carvalho da Silva?

Daniel Oliveira, 30.01.12

 

Ninguém pode negar o que, em 25 anos de liderança, Manuel Carvalho da Silva fez pelo sindicalismo português e pela CGTP. Não conseguiu estancar o refluxo que o sindicalismo vive em Portugal, semelhante ao que conhecem muitos países do Ocidente. Especialmente grave num País onde, depois de meio século de ditadura, os sindicatos livres se implantaram tardiamente. Mas deu à organização com mais filiados em Portugal um outro papel político.Credibilizou a CGTP e garantiu-lhe, com todos os constrangimentos inevitáveis, algum grau de autonomia e decapacidade agregadora. Uma organização com dezenas de uniões e federações e centenas de sindicatos não vive do seu líder. Mas, pelo menos na imagem pública da Intersindical, Carvalho da Silva conseguiu muito mais do que, há duas décadas, poderíamos esperar.

 

Esperemos que o novo coordenador, muito mais dependente da direção do PCP, muito mais marcado na sua imagem e muito menos consensual na central, consiga aproveitar este legado. Espero que Arménio Carlos saiba que a "unidade na ação" depende mais de práticas quotidianas do que de apelos públicos. Tem como primeira tarefa conseguir o consenso dentro de casa. Acredito sinceramente que se consiga moldar à enorme responsabilidade que tem pela frente. Perante a violência do ataque que os trabalhadores portugueses estão a sofrer, o vergonhoso colaboracionismo de João Proença e a fragilidade dos restantes movimentos sociais, não me posso dar ao luxo de ser pessimista nesta matéria.

 

Eletricista e sindicalista, Carvalho da Silva não descurou, nos anos em que liderou a CGTP, a sua formação académica e ideológica. Não se trata de um pormenor biográfico. Também foi esse seu empenhamento pessoal, a que não parecia obrigado, em garantir que o seu peso intelectual e político não dependeria exclusivamente do lugar que ocupava, que lhe valeu uma crescente simpatia, mesmo fora dos círculos sindicais. Isso, a heterodoxia e abertura do seus discurso e um sentido tático muito apurado.

 

Da sua clarividência táctica foi exemplo o encontro que teve com os senhores da troika, para lhes dizer, olhos nos olhos, aquilo que defendia e aquilo que não aceitava. Ao contrário do que alguns pensavam, esse gesto deu-lhe mais, e não menos, autoridade para se opor ao que veio depois. Carvalho da Silva percebeu que entre a capitulação e a cegueira há um espaço de luta que procura maiorias sociais. Penso que não exagero se disser que é hoje o ativista político à esquerda mais respeitado em Portugal. Por os que, como eu, se consideram próximos da sua tradição política, e por outros bem mais distantes do seu percurso.

 

Depois de 25 anos de liderança da CGTP e tantos outros de sindicalismo, Carvalho da Silva entrará numa outra fase da sua vida pessoal, pública e política. Caberá apenas a ele decidir o que fazer com a sua vida. No entanto, quem leu as suas entrevistas com atenção terá percebido que não tenciona desperdiçar este património. Faz bem. A esquerda, no estado comatoso em que se encontra, não pode desperdiçar a sua experiência e o seu capital de simpatia. Sem messianismos ou cultos de personalidade (dispensam-se sempre, e Carvalho da Silva nem sequer tem, felizmente, esse perfil), o seu espaço de influência ultrapassa largamente a organização de que é militante e é transversal a todos os partidos e movimentos sociais de esquerda. Não me recordo de mais nenhum ator político capaz de recolher apoios e simpatias em franjas importantes do PCP, do BE e do PS, em abstencionistas e descontentes, em sindicatos tradicionais e movimentos mais ou menos espontâneos de contestação.

 

Não sei o que Carvalho da Silva quer fazer depois de terminada esta longa fase da sua vida. Acredito que não tencione reformar-se da vida pública ou procurar um refúgio confortável. Não sei se esperará por umas eleições presidenciais, o que me pareceria pouco e demasiado distante para o estado de emergência em que nos encontramos. Sei que, seja qual for o papel que reserve para si próprio, não deve desperdiçar a sua capacidade de construir pontes entre todos os que convictamente olham para o caminho deste país com indignação e desespero.

 

Repito: a esquerda não precisa de messianismos nem de homens providenciais. Isso é mais apanágio da direita portuguesa e nem ela hoje os encontra. Mas precisa da experiência e da militância cidadã deste homem. Não por ele. Mas pelas experiências e pela cidadania que ele pode mobilizar. E pela tolerância, espírito unitário e inteligência política que tem demonstrado. Como cidadão, espero que a política possa vir a contar com ele.

 

Publicado no Expresso Online

5 comentários

  • Sem imagem de perfil

    João Cerqueira 30.01.2012

    A Auto-Europa é uma boa comparação.
    Com Carvalho da Silva como líder, os trabalhadores da Auto-Europa seriam levados para um confronto com a administração cujos resultados acabariam por ser nocivos para todos. Na primeira reunião onde tivesse de negociar, adaptar-se à realidade, ceder algo para não perder tudo, provavelmente procederia como quando abandonou o recente acordo de concertação social. Depois a Auto-Europa ia para outro lado, os trabalhadores ficavam no desemprego e Carvalho da Silva mostrava-se indignado na televisão.

    Carvalho da Silva é um homem do passado que se recusou a ver a mudança dos tempos.
    Se hoje os chineses , os indianos e os brasileiros estão mais ricos, se hoje bens de consumo como os telemóveis, os computadores, os Ipods , etc , sem esquecer as viagens de avião Low-Cost e o turismo de massas, se tornaram acessíveis a milhões de seres humanos, tal não se deveu ao modelo defendido por Carvalho da Silva.
    Deveu-se àquilo que ele sempre combateu: liberalização dos mercados e concorrência.
  • Sem imagem de perfil

    Alexandre Carvalho da Silveira 30.01.2012

    O Carvalho da Silva só não entrou na Autoeuropa, porque o Chora não deixou, justiça lhe seja feita. Se a intersindical lá tivasse entrado, a Autoeuropa já era, e hoje estavam todos a acusar os alemães e a Mme Merkell de serem uns malvados porque teriam fechado uma fabrica com tanto futuro. A Autoeuropa tem futuro, mas é porque escapou às mãos da CGTP e do sr dr Carvalho da Silva, o maior responsavel pela destruição de empresas e postos de trabalho em Portugal.
  • Imagem de perfil

    Daniel Oliveira 30.01.2012

    Agradeço que me tragam aqui alguma critica que alguma vez Carvalho da Silva tenha feito aos acordos assinados na Autoeuropa ou à sua CT. Se não o conseguirem fazer, agradeço percebam a credibilidade dos vossos comentários. O problema é que muitos dos que elogiam os acordos assinados na Autoeuropa não fazem a mais pálida ideia de qual o seu conteúdo e comparam uma empresa que está, nas suas regras laborais e salariais, a léguas das esmagadora maioria das empresas nacionais.
  • Sem imagem de perfil

    João Cerqueira 30.01.2012

    Daniel,

    Eu não falei em críticas à Auto-Europa. Referi sim que se fosse C.da S. a liderar o processo de negociação - provavelmente, note-se - o resultado não seria o mesmo.
    O Daniel acredita que sim, eu acredito que haveria mais uma saída de reunião.
  • Comentar:

    Comentar via SAPO Blogs

    Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

    Este blog tem comentários moderados.

    Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.